Lalá

Atualizado em 14 de fevereiro de 2011 às 9:17
Lalá com Camila quando eram bebezinhas

Quantas vezes não pensei como seria bom ter Lalá e Mimi, as duas cockers de casa, aqui em Londres? Isso me ocorria principalmente quando via, no Hurlingham Park, cachorros disparando na imensidão verde dos gramados atrás de alguma coisa arremessada pelo dono.

Nas vezes em que pensei  trazê-las, me disseram que a burocracia é quase intransponível. Acabei desistindo.

Mas jamais deixei de lamentar, sobretudo quando os cachorros que eu via eram réplicas de Lalá e de Mimi,  uma preta e outra dourada.

Tenho a nítida sensação de que a qualidade de vida para cachorros é melhor em Londres. As pessoas andam mais na rua por várias razões, da segurança à topografia plana e fácil da cidade. E os cachorros se beneficiam disso.

São Paulo é bem menos segura e mais caótica. Você tem muito menos impulso de caminhar. Os cães acabam prejudicados. Os donos ficam mais em casa e, com eles, os cachorros.

Tenho aqui em casa uma foto de cada uma delas.

Jamais imaginei o tamanho que os cachorros ocupariam em casa na vida adulta. Minha mãe simplesmente os abominava. Dizia que eles faziam muita sujeira. Lembrava constantemente a mordida que meu irmão Zé levara.

E eis que um dia Lalá aparece no apartamento da família, trazida por minha ex-mulher. Era uma pequena cocker briguenta.  Uma vez partiu para cima de uma pastora branca e terminou numa mesa de cirurgia. Recuperada, jamais deixou de ser marruda.  “Nosso anjinho estressado”, como disse outro dia minha caçula Camila. Depois teve uma ninhada. Ficamos com uma douradinha, Mimi. Mimi acabaria se tornando minha grande companheira. Não sei por que, me adotou. Ao contrário da mãe, é doce, tranquila.

Num determinado momento de minha vida, chegava do trabalho e ninguém ia me receber em casa. Meu casamento já estava morto e meus filhos estavam entretidos com suas coisas. Antes que eu desanimasse e pensasse em retornar à rua Mimi estava fazendo festa para mim.

Não sei como, elas acabaram se habituando a dormir na minha cama. Mamãe me mataria se soubesse.  Me acostumei a usar os vazios que elas abriam. Primeiro foi Mimi, depois Lalá. Mimi dava um pulo básico e se acomodava. Lalá tinha que tentar uma, duas vezes. Perseverava  e afinal conseguia. Se eu fechava a porta do quarto com elas para fora, quando acordava as duas estavam ali onde eu as deixara, à espera.

Lalá brigava mais por uma razão. Não sabíamos direito cuidar de cachorro quando ela surgiu em casa. Foi apenas parcialmente incluída na vida da família. Já estávamos bem mais familiarizados com animais quando Mimi nasceu. Mimi foi mimada e recebeu daí a injeção de autoconfiança que lhe daria a calma de quem sabe que é amado.

Estive em São Paulo no final do ano passado, para cuidar da renovação do visto. Logo retomamos a rotina. Elas dormiram em minha cama todos os dias.

Mimi estava bem.

Lalá também.

Ou parecia. Um dia, na semana passada, fico sabendo que ela seria operada. Um caroço na mama.

Peço notícias a Camila, minha caçula.

São más. Lalá não reagiu bem. Morreu horas depois da cirurgia. Meu ex-sogro dá a notícia a meus filhos. Todos nos olhamos sem saber o que falar. Os olhos de Pedro estão úmidos. Lalá era sua queridinha.

Simplesmente não consigo imaginar o apartamento de São Paulo sem ela, o nosso anjo estressado.

Vejo em Londres cockers pretos e Lalá me vem sempre à cabeça. Neles, na multidão de cockers pretos que correm pelos parques londrinos, Lalá de alguma forma sempre vai estar viva.