Ao contrário do que prega Bolsonaro, violência urbana explodiu no Brasil durante a ditadura. Por Willy Delvalle

Atualizado em 6 de novembro de 2018 às 7:36
O paraíso vendido por Bolsonaro não existiu

Soluções fáceis para um problema histórico, a violência. Bolsonaro conquistou milhões de mentes para chegar à presidência do Brasil. Prometeu acabar com a violência gerando mais mortes, dando carta branca para a polícia.

Seus eleitores acreditaram porque pensam que a explosão do número de homicídios no país, mais de 63 mil em 2017, é culpa do PT. Um engano no qual caíram feito patos. O país repete uma receita que nunca deu certo para a maioria da população.

A primeira das ilusões é que dando aval para matar mais, o crime será amenizado. E que por isso, durante a ditadura militar, o Brasil era mais tranquilo. As estatísticas mostram, no entanto, que foi durante aquele regime que o número de homicídios explodiu.

O Brasil era governado pelo general João Figueiredo. E o índice de assassinatos passou de 11 a cada 100 mil habitantes, nos anos 1980, para 15, cinco anos depois, um aumento de 28%, conforme o gráfico a seguir.

Como isso pôde acontecer se, graças aos militares, o Brasil tinha vivido o famoso “milagre econômico”, um crescimento de mais de 11% do PIB ao ano? Na época, eles abriam a economia para as empresas multinacionais, que para se instalar no Brasil exigiam infraestrutura para funcionar. Para construir estradas, usinas hidro e termelétricas e grandes obras arquitetônicas, o Estado se endividou.

“​​O ‘milagre econômico’ e o desenvolvimento socioeconômico programado durante os governos militares arrastaram o País para um processo inflacionário descontrolado, aumento excessivo da dívida externa e agravando ainda mais a desigualdade social”, explica o historiador Ricardo Bavaresco em ​Estado neoliberal e violência urbana.​

“​​Soma-se a isso o alto grau inflacionário que o país viveu na década de 1970 e 80 agravando-se ainda mais com a crise do petróleo”.

A sensação de tranquilidade também era baseada numa ilusão. A polícia batia e matava sumariamente. O governo perseguia, prendia seus críticos, cassava mandatos de adversários e partidos, exilava e torturava. A violência estatal era legitimada. Mas, por causa da censura, poucos ficavam sabendo.

O regime militar deixava como herança para a era democrática a hiperinflação. E as medidas que os governos Sarney, Collor, Itamar e Fernando Henrique tomaram agravaram a situação.

Na concepção daqueles governos, era preciso fazer reformas neoliberais, desregular o mercado financeiro, o mercado de trabalho, reduzir direitos trabalhistas, congelar salários. Quem perdia com isso era a distribuição de renda. Fragilizado com as reformas neoliberais, era mais “difícil” para o Estado distribuir renda.

“O Estado está sendo manobrado por grandes corporações financeiras e industriais. Enquanto isso, os cidadãos ficam desamparados, abandonados e à mercê da desordem, ineficácia e injustiça de um Estado incapaz de promover políticas autônomas. É que o neoliberalismo supõe o Estado mínimo, que somente fiscaliza”, observa Bavaresco.

As novas tecnologias nas empresas levaram à redução do quadro de funcionários. A massa salarial caia. A exclusão social aumentava. O país entrava na era do “cada um se vira como pode” no mercado informal. Como dizia o professor Gilberto Dupas, autor livro ​O Mito do Progresso​, era preciso “inventar” o próprio emprego.

“A década neoliberal foi tão ou mais anti-social e antipopular do que havia sido o período desenvolvimentista (referência ao regime militar)”, diz o José Luís Fiori no livro ​”60 lições dos 90: 0: uma década de neoliberalismo”​.

Ao fim do governo Sarney, a taxa de homicídios havia crescido 45%, como mostra o gráfico abaixo.

Da década de 1990, quando Collor assumiu a presidência, até o final do segundo governo FHC, o índice de assassinatos crescia 28%.

O número de assassinatos não pararia de subir, mas a curva desse crescimento cairia e se estabilizaria ao longo dos governos do PT.

“Há uma clara mudança na curva de homicídios, que tem sido tratada por pesquisadores como fruto de diferentes políticas e dinâmicas sociais, entre as quais se destacam a entrada em vigor do Estatuto do Desarmamento, que estabeleceu uma política efetiva de controle de armas”, diz Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo, professor de direito da PUC-RS em ​Política criminal e encarceramento no Brasil nos governos Lula e Dilma.​

A desigualdade social caia. O índice GINI, que mede a desigualdade, era de 0,5994 no primeiro mandato de Fernando Henrique. Cairia para 0,509 no segundo mandato do governo Lula e início do governo Dilma.

Rodrigo Ghiringghelli observa que, enquanto 85,8% dos municípios brasileiros faziam parte do grupo de “muito baixo desenvolvimento humano” em 1991, a tendência se inverteria durante os governos petistas, caindo para 25%, enquanto quando 74% das cidades se encontrariam nas faixas de “médio” e “alto desenvolvimento”.

De 2003 a 2016, o crescimento do número de homicídios no país foi de 5,2%, quase 6 vezes menos do que na década anterior, do que o registrado durante a ditadura, ou nove vezes menos do que no governo Sarney (MDB).

Não é curioso observar que o índice de assassinatos superou pela primeira vez na história oficial o índice de 30 mortos a cada 100 mil habitantes no ano do impeachment de Dilma Rousseff, quando, mais uma vez, o MDB assumia o poder.

Não se trata de uma coincidência histórica, mas de uma tendência, pois as forças que produziram o golpe se repetem, as velhas oligarquias e elites brasileiras, que, na voracidade por mais poder, sempre geraram massacres ao longo da história brasileira.

Foi assim com a colonização portuguesa, que exterminou índios e marginalizou negros, escravizando-os. Foi assim no Império, esquartejando revoltas por mudanças sociais. Foi assim com os coronéis da República Velha (1889-1930), que promoviam massacres nos campos, empurrando camponeses para as cidades que se industrializavam. Uma urbanização que transformaram favelas em verdadeiros espaços de violência.

Tendência que só se aprofundou com o golpe militar de 1964, que mais uma vez na história, representando os interesses da elite brasileira, caçava e matava. Foi assim de novo na Nova República, a década dos Fernandos, quando o Brasil virou um país de trabalho informal.

O período PT não diminuiu a violência, mas diminuiu seu crescimento atacando uma das raízes dela, a pobreza, a desigualdade social, fazendo com que quase 40 milhões de pessoas passassem a fazer parte da sociedade de consumo.

Mas, como explica Ghiringghelli, não conseguiu incidir suas concepções de justiça em instituições como as policiais estaduais, aquelas que estão mais próximas da gestão da segurança pública. Menos ainda no poder judiciário, onde havia uma dupla seletividade.

“Seletividade na aplicação da lei, com maior probabilidade de punição para os setores sociais desfavorecidos econômica e culturalmente (a maioria jovem e negra), e de favorecimento para as classes superiores, e seletividade na interpretação da lei, com a utilização pelo juiz de seu poder discricionário segundo suas opções políticas e ideológicas”, explica o professor.

O resultado é que mais de 40% da população carcerária do país ainda não foi julgada. Gente muitas vezes acusada de roubo ou tráfico de drogas, “integrados de forma permanente às redes de gerenciamento das ilegalidades”, observa Ghiringghelli.

Ou seja, um ciclo vicioso de violência. Tristes coincidências? O candidato que a elite apoiou, iluminado de verde e amarelo a FIESP, Bolsonaro repete a receita que levou o Brasil ao aumento da desigualdade social e a uma explosão do número de homicídios da ditadura e dos anos 1990.

O Atlas da Violência de 2017 aponta que a cada 1% de aumento na proliferação de armas, o número de homicídios sobe 2%. E é isso que Bolsonaro promete fazer. O Brasil se atira num “déjà vu” de morte, da violência, um banho de sangue no campo, na floresta e nas cidades.

Referências:

http://biblioteca.clacso.edu.ar/ar/libros/reggen/pp15.pdf http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71402008000200006