Apoiador do golpe contra Dilma e fiador do capitão, Estadão conta as horas para jogar Bolsonaro no lixo da história

Atualizado em 1 de janeiro de 2021 às 9:43
Velhos e novos aliados do Estadão

A piada da vez do Estadão está no editorial “Ainda faltam 17,5 mil horas”.

O jornal começa 2021 dizendo que os dois primeiros anos da gestão Bolsonaro deixam claro o que está no horizonte para os dois últimos: ‘Obscurantismo, truculência e incapacidade administrativa’.

Diz que até aqui ‘não se tem notícia de que alguma das promessas formais de campanha de Bolsonaro tenha sido cumprida’.

Como assim?

E o desmonte da Previdência Social, como tanto desejaram os controladores do jornal?

A desregulamentação das leis trabalhistas por acaso não era uma pauta prioritária para a família Mesquita?

E que dizer da venda de estatais, do corte de gastos sociais e estímulo a setores privados em áreas essenciais como saúde e educação?

Existe uma única coisa que talvez justifique o cavalo de pau do matutino: Bolsonaro foi intrépido e rápido além do esperado para cumprir a pauta antipopular combinada com a elite. Agora ela não precisa mais dele.

É sempre bom lembrar que o Estadão foi aliado de primeira hora dos procuradores da Lava Jato e de Sergio Moro, que formaram um conluio para derrubar Dilma, entregar o poder a Temer e prender Lula. Desestabilizaram a democracia e a consequência foi Bolsonaro.

Dizer que o momento é de contar as horas é uma piada. De puro mau gosto.

Leia o Editorial

Se os dois primeiros anos da gestão de Bolsonaro servem de parâmetro para o que nos aguarda na segunda parte do mandato, o Brasil nada pode esperar senão mais obscurantismo, truculência e incapacidade administrativa, pois essa é a natureza de um governo cujo presidente não se elegeu para governar, e sim para destruir.

Não se tem notícia de que alguma das promessas formais de campanha de Bolsonaro tenha sido cumprida. Ele e seu “superministro” da Economia, Paulo Guedes, passaram quase toda a primeira metade do mandato a anunciar privatizações em massa, desenvolvimento econômico, criação de empregos, modernização do Estado e competitividade internacional. A frustração de todos esses retumbantes compromissos levou o ministro Paulo Guedes a anunciar: “Acabou. Não prometo mais nada”.

Também as alardeadas reformas foram ou esquecidas ou sabotadas por Bolsonaro justamente na época mais propícia para sua aprovação. Somente a reforma da Previdência foi aprovada, mas como resultado do esforço da liderança do Congresso, muitas vezes à revelia do presidente da República. 

Será uma surpresa se a pauta de reformas avançar na segunda metade do mandato, em meio ao previsível clima de campanha eleitoral alimentado pelo próprio presidente. Não há motivo para otimismo – e não há porque Bolsonaro não se mostrou competente nem mesmo para encaminhar as pautas ditas “de costumes”, tão caras ao bolsonarismo. Assim, como se vê, o governo do ex-deputado do baixo clero não se define pela capacidade de formular políticas – qualquer uma –, restando-lhe exclusivamente o discurso ideológico.

Nisso, Bolsonaro foi competente. Durante dois longos anos, conseguiu entreter o País com um misto de violência e escárnio pelas instituições, tão ao gosto de uma parcela reacionária da população para a qual a política não presta e democracia equivale a balbúrdia.

Bolsonaro passou a primeira metade de seu mandato a fazer o elogio do homem medíocre, menosprezando a respeitabilidade e rejeitando qualquer autoridade que não fosse a sua. Elevou a crueldade à categoria de virtude, contrariando valores humanitários, considerados hipócritas por ele e seus devotos. Ao fazê-lo, ofereceu a seus ressentidos eleitores a possibilidade excitante de mudar a história por meio do autoritarismo messiânico de seu “mito”.

Como em todo regime autoritário, programas partidários são irrelevantes – e Bolsonaro nem partido tem. O que interessa é a palavra do “mito”, que muda ao sabor das circunstâncias, tornando irrelevante até mesmo a assinatura de Bolsonaro em leis e decretos que ele não se envergonha de renegar ou esquecer quando lhe é conveniente.

Até aqui, Bolsonaro dedicou-se a criar um discurso em que todos são responsáveis pelos problemas, menos ele. E, como se trata de ideologia, pouco importa se o discurso é baseado em falsas premissas, como quando reitera a mentira segundo a qual não tem responsabilidade no combate à pandemia porque o Judiciário a atribuiu a Estados e municípios. O que importa é disseminar a impressão de que não o deixam governar, numa imensa conspiração.

Para que esse discurso funcione, é preciso desqualificar a imprensa profissional, que trabalha para revelar fatos concretos, e valorizar as redes sociais, que criam “fatos” sob encomenda. É o que Bolsonaro faz a todo momento. Nesse ambiente, todo aquele que é capaz de pensar e questionar torna-se automaticamente suspeito. Nada do que a experiência científica oferece é válido, pois tudo o que é preciso saber será revelado pelo “mito”, de acordo com a lógica de suas, digamos, ideias.

Nas 17,5 mil horas desse pesadelo que ainda temos pela frente, é preciso que a sociedade e as instituições democráticas impeçam Bolsonaro de completar sua obra deletéria. Se não se pode esperar que Bolsonaro se emende, ao menos é possível tentar reduzir os danos de sua catastrófica passagem pelo poder.