Armínio Fraga: ‘guru anticrise’ ou ‘vassalo dos mercados’?

Publicado na bbc.

Fraga

O ano era 1999 e o economista Armínio Fraga, participava de uma sabatina no Congresso antes de assumir a presidência do Banco Central (BC).

“Então quer dizer que você é o ‘gênio do mal’?”, perguntou o senador Saturnino Braga. “Não sou gênio, mas sou do bem”, garantiu o economista, com a calma fria que lhe é característica.

Na época, Fraga era a aposta do governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) para tentar evitar uma volta à hiperinflação, após a desvalorização do real e abandono do regime de câmbio fixo.

Seus críticos, porém, destacavam o fato de ele ter trabalhado nos Estados Unidos com o investidor George Soros – que ganhou fama por especular com moedas estrangeiras.

“Será uma raposa tomando conta do galinheiro”, diziam uns. “Um vampiro guardando o banco de sangue”, atacou o senador Lauro Campos, do PT.

Quinze anos depois, a reputação e as propostas de Fraga voltam ao centro do debate nacional.

O candidato do PSDB a presidência, Aécio Neves, já anunciou que, se vencer, o ex-presidente do BC será seu ministro da Fazenda. Ou seja, nesse caso recairá sobre seus ombros a tarefa de retomar o crescimento da economia.

O anúncio, porém, também fez com que Fraga se tornasse alvo da campanha da presidente Dilma Rousseff, do PT, que o retrata como um inimigo dos programas sociais e do pleno emprego, ou um “vassalo” do mercado financeiro.

“Com ele no comando do BC, as taxas de juros chegaram a 45% ao ano, a inflação passou dos 12% e o Brasil foi duas vezes de joelhos pedir dinheiro ao FMI”, diz uma propaganda petista, antes de arrematar: “Armínio Fraga: Aécio quer, mas ninguém merece.”

Em resposta, o candidato tucano acusou Dilma de ter “obsessão” por Fraga no debate da última quinta-feira.

“Felizmente eu já tenho um nome, o que sinaliza para a previsibilidade e credibilidade da nossa política econômica. Tenho o meu futuro ministro da Fazenda e a senhora tem apenas um ex-futuro ministro, porque conseguiu demitir no cargo o atual ministro (Guido Mantega)”, disse Aécio.

Fraga nunca foi filiado a partidos políticos e em 2008 chegou a assessorar Fernando Gabeira, do PV, na disputa pela prefeitura do Rio.

De certa forma, é visto como um conciliador: no final do governo Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, chamou os principais candidatos à presidência para conversar sobre a situação financeira do país.

Oscilando entre o setor público e o privado – e sempre com um pé no mundo acadêmico – o ex-presidente do BC teve uma carreira fulminante, que lhe conquistou respeito dentro e fora do Brasil, além de detratores ferrenhos.

Após a passagem pelo BC, por exemplo, ele foi cotado até para presidir o Banco Central americano e o prêmio Nobel Joseph Stiglitz chegou a sugerir seu nome para a presidência do Banco Mundial.

Filho de uma americana com um dermatologista brasileiro, Fraga frequentou o colégio Santo Inácio, um colégio de elite do Rio. É amante de golfe e hoje vive em um condomínio de luxo no Leblon.

Na juventude, chegou a se matricular em uma faculdade medicina, mas na última hora optou pelo curso de economia da PUC-Rio – frequentado também por boa parte dos economistas ligados ao Plano Real.

Casou-se com uma colega de faculdade e teve dois filhos – Mariana e Sylvio, que acabou seguindo um ramo bem diferente do pai: é poeta e músico.

Na universidade, Fraga sempre teve uma atuação destacada. Fez doutorado na Universidade de Princeton, nos EUA, e chegou a dar aula na Universidade de Columbia e na Wharton School, nos EUA, além de na PUC e na FGV.

Depois de formado, começou a trabalhar no Banco de Investimentos Garantia e em dois anos já era vice-presidente da Salomon Brothers, em Wall Street.

A associação com Soros ocorreu após um período como diretor de assuntos internacionais do Banco Central, no início dos anos 90, e ajudou o economista a amealhar uma vasta fortuna.

No total, Fraga passou seis anos como diretor-gerente no Soros Investment Fund, em Nova York, de onde foi chamado às pressas para presidir o Banco Central.

Assumiu o cargo em 1999 e ficou até 2003, quando Lula chegou à presidência. Desde então, está a frente da Gávea investimentos, da qual é sócio-fundador, embora o controle da empresa tenha sido vendido para o JP Morgan em 2010 – por mais de R$ 1 bilhão.

“Essa parte de sua carreira, em que ele atuou junto a investidores e agentes financeiros, sempre foi alvo de críticas, mas também lhe permitiu ter um conhecimento profundo sobre como funcionam os mercados – o que é útil tanto no BC como na Fazenda”, opina Otto Nogami, professor de economia do Insper.

André Biancarelli, economista da Unicamp, é mais crítico. Para ele, o ex-presidente do BC de fato é muito associado ao mercado financeiro, o que faz com que possa adotar políticas “que não respondem a interesses industriais ou do setor produtivo como um todo”.

No Banco Central, a passagem de Fraga foi marcada por turbulências. Em 1999, quando ele foi convidado para assumir o cargo, o governo havia acabado de permitir a flutuação da moeda, o que provocou sua desvalorização.

O real circulava há apenas cinco anos e até então o câmbio fixo fora usado como garantia de sua estabilidade.

O sistema, porém, começou a ruir em função de problemas na balança comercial e da redução das reservas – sucumbindo na esteira das crises provocadas pelas moratória da Rússia (em 1998) e de Minas Gerais (início de 1999).

À frente do BC, Fraga foi um dos arquitetos da adoção do regime de metas de inflação, que funcionou como um novo garante da estabilidade.

E o resultado de sua gestão pode ser considerado um sucesso ou um fracasso, dependendo de quem analisa a questão.

Por um lado, de fato conseguiu-se evitar uma volta da hiperinflação e o descontrole cambial. Foi só depois de superada essa crise que muitos se convenceram da sustentabilidade da nova moeda.

Por outro, os instrumentos utilizados para impedir uma desestabilização foram amargos – alguns diriam, amargos demais.

Como ressalta a campanha de Dilma, os juros de fato chegaram a 45% ao ano na gestão Fraga. E o aperto, certamente não favoreceu a criação de empregos no curto prazo.

“Mas a medida também precisa ser analisada em seu contexto, já que foi uma tentativa desesperada de atrair dólares em um momento em que as reservas estavam historicamente baixas”, opina Nogami.

Para o cientista político Carlos Melo, também do Insper, em função desse histórico, pode ter sido uma estratégia arriscada do PSDB dar tanta ênfase a Fraga na campanha.

“Mas para entendermos essa escolha é preciso lembrar que ela foi feita em um momento em que Aécio disputava com o PSB (de Eduardo Campos e Marina Silva) a simpatia dos mercados e empresários.”

Hoje, entre as propostas de Fraga para a economia estão uma redução da meta de inflação de 4,5% para 3% – que seria alcançada por meio de um ajuste fiscal e monetário.

O economista critica o que considera um abandono do tripé composto por metas de inflação, câmbio flutuante e superavit primário. E propõe um “choque de credibilidade” para estimular o crescimento.

Com o desaquecimento da economia, a receita vem sendo apoiada por muitos economistas e associações empresariais. Mas está longe de ser unanimidade.

Biancarelli, por exemplo, admite que a campanha de Dilma “está exagerando um pouco” em suas críticas a Fraga, “como é típico de confrontações eleitorais”.

“Mas se o PSDB chegar ao poder e tentar replicar essa solução de juros altos e cortes de gastos para fazer um ajuste na economia, não haverá como evitar um aumento do desemprego e ainda correremos o risco de acabar de vez com o dinamismo do mercado interno.”

Para ele, os tucanos estão confiando demais que o “choque de credibilidade” será suficiente para impulsionar os investimentos.

“Ninguém investe simplesmente porque a inflação está dentro da meta. Os empresários investem quando sabem que haverá consumidores e se há desemprego as pessoas não compram”, diz.

O argumento dos que estão ao lado de Fraga não é que o ajuste não vai gerar desemprego, mas que terá de ser feito uma hora ou outra para que o crescimento possa ser retomado – e adiá-lo apenas faz com que seus custos aumentem.

Como prova da “deterioração” do cenário econômico atual, eles mencionam, além da desaceleração do PIB, a piora nas contas públicas e o fato de a inflação já estar no teto da meta definida pelo BC (mesmo com o que consideram uma represa de preços administrados).

“Nos últimos anos, crescemos impulsionando a demanda e agora temos de fazer reformas que ampliem a oferta no médio e longo prazo. Não dá mais para empurrar com a barriga”, diz o economista da FGV Samuel Pessoa, que vem assessorando o PSDB.

“Por outro lado, é totalmente falso dizer que isso significa que precisamos cortar programas ou gastos sociais. A agenda de combate a pobreza é da sociedade brasileira, não desse ou daquele partido.”

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