Arthur Lira processa Agência Pública por danos morais e pede ‘censura prévia’

Atualizado em 12 de julho de 2023 às 18:21
Presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Foto: Bruno Spada

Publicado originalmente na Agência Pública”

Agência Pública de Jornalismo Investigativo é alvo de uma ação judicial por danos morais movida pelo deputado federal e presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Em nosso entendimento, trata-se de um grave ataque à liberdade de expressão e de imprensa no Brasil. O processo corre na 14ª Vara Cível de Brasília contra a Pública e a ex-esposa, Jullyene Lins.

Lira requereu que fosse determinado às plataformas de redes sociais que derrubassem, sob pena de multa, o conteúdo da reportagem “Ex-mulher Arthur Lira o acusa de violência sexual”, publicada em 21 de junho deste ano, além de pedir que a Pública fosse impedida de veicular outras publicações com o mesmo teor, também sob pena de multa. Por fim, requereu a condenação da Agência Pública ao pagamento de indenização no valor de R$100 mil reais, além de custas e honorários advocatícios.

O pedido de “tutela de urgência” apresentado por Lira na ação foi indeferido pelo juiz Luiz Carlos de Miranda, que entendeu que a reportagem atende ao interesse público e visava informar os leitores. Na matéria, a Pública trouxe com exclusividade uma entrevista com Jullyene Lins, que disse pela primeira vez que Lira a teria violentado sexualmente. Ela contou ainda ter sofrido violência física e psicológica do ex-marido. 

Pública se debruçou sobre o processo judicial baseado na lei Maria da Penha, procurou as principais testemunhas citadas e teve acesso ao laudo do corpo de delito, que originou o processo sobre a suposta violência física. O caso, iniciado em 2007, foi concluído nove anos depois, com a absolvição de Arthur Lira pelo Supremo Tribunal Federal (STF). 

Agência Pública considera que Arthur Lira tenta agora censurar o trabalho jornalístico de notável interesse público. “Não é demais lembrar que o autor, por ser figura pública e política de inegável importância no cenário brasileiro, desperta legítimo interesse quanto aos seus atos de governo, mas também quanto à sua vida pessoal”, disse o magistrado em sua decisão. 

Além de pedir a retirada da reportagem do ar, Lira solicitou uma indenização de R$ 100 mil e pede que tanto a Pública quanto Jullyene Lins não falem mais sobre este assunto, o que é censura prévia: “Pede como tutela de urgência (…) e às Requeridas, Pública – Agência de Jornalismo Investigativo e Jullyene Cristine Santos Lins que se abstenham de veicular outras publicações com o mesmo teor, sob pena de multa por descumprimento”, diz o pedido de Tutela de Urgência, também negado pelo juiz Luiz Carlos de Miranda. Lira solicitou ainda que o processo corresse em segredo de justiça, o que também foi indeferido pelo juiz da ação. 

Em sua decisão, o magistrado destacou o direito constitucional à liberdade de expressão, “um dos meios que garantem ao homem a livre manifestação de opiniões, ideias e pensamentos sem que com isso sofra retaliações ou censuras por parte de governos ou autoridades públicas”, destacou. “Alisando detidamente a matéria veiculada no portal eletrônico, observo que a Agência Pública não se descurou de seu dever de informar, ao contrário citou textualmente a decisão do STF, e indicou que houve a sua absolvição. Apresentou o relato da ex-esposa na noite em que ocorreram os fatos apurados pelo STF, e indicou quem estava na casa naquele momento”, acrescentou. 

Logo da Agência Pública. Foto: Reprodução

Ainda segundo Miranda “é evidente que a matéria não se mostrou, em nenhum momento, dirigida apenas contra o autor, posto que deu espaço à investigação que fez sobre os fatos de quase 2 décadas atrás, como também apresentou ao leitor dados sobre a decisão do STF e também sobre as pessoas envolvidas no que ocorreu naquela fatídica noite”. “Em resumo, a matéria permite ao leitor de inteligência média chegar à sua própria conclusão, seja por acreditar no que relatou Jullyene, seja por não acreditar, inclusive sobre a inovação contida na reportagem, que envolve a alegação de estupro”, concluiu Miranda na decisão. 

O juiz ainda reitera em sua decisão: “Ainda, o exercício concreto da liberdade de imprensa assegura ao jornalista o direito de expender críticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero ou contundente, especialmente contra as autoridades ou os agentes do Estado, que pela própria qualidade de pessoas públicas, estão mais suscetíveis a fortes críticas. Dessa forma, a crítica jornalística, pela sua relação de inerência com o interesse público, não é aprioristicamente suscetível de censura.”

Além da Agência Pública, Lira também está processando o ICL Notícias que publicou entrevistas com Julyenne e outros conteúdos. A ação corre na 24ª Vara Cível de Brasília para retirada do ar do programa, além de outros 42 vídeos do ICL Notícias no Youtube; o parlamentar pede ainda indenização de R$ 300 mil por dano moral em referência a conteúdos em que ele é citado.

Nota da direção 

Agência Pública reitera o conteúdo da reportagem e repudia a tentativa de intimidação judicial com pedido de censura prévia. 

Diante deste cenário, a direção da Pública informa que todas as investigações jornalísticas são feitas com base na apuração rigorosa de fatos de interesse público. Nossos repórteres trabalham proximamente com editores e assessoria jurídica, e seguem os procedimentos do jornalismo profissional de busca de fontes, checagem de fatos e pedidos de resposta, com objetivo de dar espaço e voz a todas as pessoas citadas na matéria. 

A reportagem foi feita com base em documentos judiciais e fontes que deram seu depoimento sobre os fatos. Os pedidos de entrevista com as pessoas retratadas foram realizados com total lisura, ética jornalística e respeito à privacidade, com contatos por telefone e pessoalmente. 

Quanto à figura pública, o presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira, recebeu os questionamentos referentes à reportagem e a Pública esteve à disposição para esclarecimentos. O deputado, porém, optou por enviar a seguinte resposta por sua assessoria de imprensa, que foi publicada: “não responderá”. 

Ataques à reputação do premiado e reconhecido jornalismo feito pela Agência Pública e ao trabalho de excelência realizado pela repórter Alice Maciel, após a publicação da reportagem com amplo direito de resposta, são uma tentativa de intimidação e censura, o que é lamentável e inadmissível. 

A atitude de Arthur Lira contra à atividade jornalística representa uma ameaça frontal à liberdade de expressão, direito garantido pela Constituição de 1988 e pilar do Estado Democrático de Direito vigente.

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