“Fui boi de piranha”: o destino do deputado que renunciou para abafar o caso da reeleição de FHC

Atualizado em 7 de dezembro de 2021 às 10:18
Veja Narciso Mendes
Narciso Mendes, o Senhor X: a imprensa não o procurou

O DCM fez uma série sobre o escândalo da compra de votos da reeleição de Fernando Henrique Cardoso. É o caso mais explícito de corrupção envolvendo um presidente ainda vivo.

Quem levantou a lebre nesta semana foi o próprio Jair Bolsonaro.

Em 2016 o DCM fez uma reportagem mostrando o destino do deputado que renunciou para se livrar de maiores problemas.

Caso voltou a tona agora. Por esse motivo recuperamos para que vocês não esqueçam.

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O que aconteceu com o deputado na reeleição de FHC?

O líder do DEM na Câmara dos Deputados, Pauderney Avelino, que é do Amazonas, tem se revelado um dos mais ativos políticos no movimento contra a presidente Dilma Rousseff, Lula e o PT. Ele esteve no Supremo Tribunal Federal e protocolou no Ministério Público em São Paulo queixa crime contra o ex-presidente da República.

“O ex-presidente está dividindo o país em nós e eles, mas, na verdade, a maioria da sociedade brasileira desaprova Lula e o governo petista”, disse Avelino. Em outra oportunidade, pontificou: “Um governo que promove a corrupção tem que ser investigado.”

Pauderney fala como se contra ele não tivesse sido feita uma das mais graves acusações de corrupção no Brasil, no final da década de 90, quando veio à tona o escândalo da compra de votos para a aprovação da emenda que permitiu a reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso.

Numa conversa gravada pelo empresário Narciso Mendes, chamado à época de Senhor X pela Folha de S. Paulo, o então deputado pelo Acre João Maia, do PFL, conta que vendeu o voto e explica como era feita a negociação. Segundo ele, era o deputado Pauderney Avelino quem sondava os deputados da região Norte.

Pauderney encaminhava para o então presidente da Câmara, Luiz Eduardo Magalhães, os deputados que aceitavam negociar o voto. Luiz Eduardo conversava com o parlamentar e o despachava para o ministro Sérgio Motta, que era também sócio de Fernando Henrique Cardoso em uma fazenda.

Fechado o negócio, Motta mandava o governador do Estado do Amazonas, Amazonino Mendes, pagar a fatura. “Esse dinheiro é do Amazonino. Promessa do Pauderney aqui. No nosso corredor aqui, falou em 200 paus. Via Serjão”, contou João Maia à época, na fita gravada por Narciso Mendes, que conhecia bem o Congresso, como ex-deputado durante dois mandatos e marido da então deputada Célia Mendes.

Pauderney nunca foi investigado, já que o então procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, arquivou todas as denúncias. Na Câmara dos Deputados, houve uma comissão especial que tratou do caso, mas um pedido de CPI não teve sucesso.

Logo depois que a gravação veio à tona, João Maia renunciou ao mandato, assim como Ronivon Santiago, também do Acre, outro parlamentar que contou em gravação para Narciso Mendes que vendeu o voto para o governo de Fernando Henrique Cardoso, via Sérgio Motta.

Em valores atualizados, os 200 mil reais equivalem hoje a quase 900 mil reais. “O que contam aqui no Acre é que os dois receberam os 200 mil reais para vender o voto e 1 milhão para renunciar”, disse-me um colega de bancada de João Maia e Ronivon Santiago, quando estive no Acre, em janeiro. “A renúncia dos dois era fundamental para abafar o escândalo”, acrescentou.

Ronivon Santiago voltou a se eleger deputado federal e hoje, sem mandato, ainda está na política. Ele é dono de muitos imóveis em Rio Branco e no Distrito Federal, onde também tem residência. Na eleição de 2014, apoiou Aécio Neves para presidente e esteve na comitiva que recebeu o candidato em sua visita a Rio Branco, durante a campanha.

Esteve na comitiva, mas não ficou, como relatou o repórter Luciano Tavares no site AC 24 horas. Márcio Bittar era o candidato a governador pelo PSDB e pediu a um fotógrafo que não registrasse a presença de Ronivon.

Ele viu que havia mais profissionais de imprensa e pediu a um interlocutor que convencesse Ronivon a sair daquela área reservada. “Foi muito constrangedor, mas no final o Ronivon saiu da pista. Não sei que argumento usou, mas ele foi embora, para alívio dos políticos”, contou.

Quando cheguei a Rio Branco, no dia 24 de janeiro, Ronivon tinha viajado na véspera para Brasília, e eu o localizei pelo telefone. Disse que iria para um hospital em São Paulo, onde estaria fazendo tratando contra um câncer e não quis dar entrevista. Diante da minha insistência, encerrou a conversa. “Eu não ganho nada dando entrevista para você”, afirmou.

Também localizei o ex-deputado João Maia, em uma fazenda dele no interior do Acre. João Maia me recebeu na companhia de empregados, que cuidam de cavalos de raça que pertencem ao filho e a um sócio do filho. Era de manhã e estavam todos sentados em volta de um caldeirão onde eram fervidas espigas de milho.

João Maia teve derrame e perdeu a fala. Mas se comunica por escrito, por sons e por acenos com a cabeça. Depois de algumas horas, toquei no assunto reeleição. Respondendo a perguntas com aceno, ele sinaliza que foi traído e que o escândalo destruiu sua vida. Considera que foi “bode expiatório”, “boi de piranha”. Mas prefere não revirar o passado.

No início dos anos 60, João Maia estudou filosofia na Universidade de Montreal, no Canadá e, mais tarde, se tornou dirigente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). Natural de Santa Branca, interior do Estado de São Paulo, foi para o Acre nos anos 70, em um compromisso da Contag.

Diz que se apaixonou pelo estado e nunca mais saiu de lá. Fundou o Sindicato dos Seringueiros, juntamente com Chico Mendes. Depois do escândalo da compra de votos e do derrame, se divorciou da mulher com quem teve dois filhos e uma filha. Um dos filhos, casado, mora com ele na fazenda.

Após me servir milho e café, trazidos por uma das duas empregadas, uma delas enfermeira, João Maia me convida para entrar na área reservada da casa. Numa sala, chama a atenção uma foto ampliada, em que ele está ao lado de Chico Mendes e de Lucélia Santos, presente do PC do B, em homenagem ao homem que é apresentado como libertador dos seringueiros.

João Maia caminha com uma toalha na mão, constantemente levada à boca, por não conseguir segurar a saliva. Ele usa chapéu e está de bermuda. A enfermeira diz que é muito lúcido. A dificuldade é a fala. Tem pouco movimento nas mãos e, por isso, sua escrita não passa de alguns garranchos.

Tento mais uma vez falar da reeleição e cito Pauderney Avelino, apontado pela Folha de S. Paulo como aliciador de parlamentares, no balcão da emenda da reeleição. João Maia me olha fixamente e faz um gesto negativo com a cabeça. Ele não quer falar.

Mas não há nada que João Maia possa fazer para apagar o registro que ficou na fita da gravação de Narciso Mendes, o Senhor X, dono da retransmissora do SBT em Rio Branco, seu amigo na época.

Na fita, Narciso comenta:

— O Pauderney em cima. O aliciamento começou com ele?

João Maia responde:

— Pelo que eu sei bem é o seguinte: eram os 200 do Serjão, via Amazonino, que era a cota federal aí do acordo… Ele (Pauderney Avelino) falou pra todo mundo aí, meio mundo aí. Eu falei com o Luís Eduardo. O Luís Eduardo marcou uma audiência com o Serjão. Daí o Serjão marcou com o Amazonino. Acho que foi na quinta, à noite. E, depois, na segunda, fui lá falar com o Amazonino. Só que tinha chegado o Orleir (Cameli, então governador do Acre), e nesse tempo o Orleir acabou pegando a gente lá… Sabe? E volta de novo… E aí deu aquela coisa. Eu disse: não, senhor. São duas coisas distintas. Tem aí os nossos acertos, os nossos atrasados. E também tem essa coisa aqui que é federal. Ele falou: eu não acredito, não sei o quê. Eu disse para ele: tem os atrasados. E ele: não, não sei o quê. Daí ele mandou entregar. Isso foi na segunda de manhã. Não, foi na terça…

Traduzindo: Pauderney aliciou, Luís Eduardo intermediou, o ministro Serjão prometeu pagar, Amazonino pagou, mas com dinheiro de Orleir Cameli.

A participação do banqueiro Olavo Setúbal

Há outro texto de Joaquim de Carvalho sobre o assunto:

A emenda foi comprada, com a participação de um grupo de grandes empresários, entre eles o dono do Banco Itaú, Olavo Setúbal, segundo denunciou o ex-deputado Pedro Corrêa, um dos líderes da Câmara dos Deputados na época, hoje prisioneiro da Operação Lava-Jato.

Dezessete anos depois, os vencedores de então, que alteraram a Constituição e instituíram a reeleição, voltaram ao centro do poder, ao aprovar no mesmo Congresso Nacional o impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Michel Temer é um caso à parte. Foi governo sob Fernando Henrique Cardoso e também sob Lula e Dilma, mas, antes de assumir a presidência da República, o grande salto que havia dado na política foi a eleição para a presidente da Câmara dos Deputados em 1997. Para chegar lá, o compromisso que assumiu foi aprovar a emenda da reeleição.

E ele pagou a fatura logo no começo. Um dos seus primeiros atos na presidência da Câmara foi colocar a emenda para votação em segundo turno – ela há havia sido aprovada na gestão de Luís Eduardo Magalhães.

Confirmada em segundo turno, a emenda foi para o Senado, onde também foi votada duas vezes. No dia da aprovação em definitivo, com a consequente promulgação, Temer e o senador Antônio Carlos Magalhaes, presidente do Senado, lideraram uma comitiva de líderes partidários que atravessou a pé a Praça dos Três Poderes e foi até o Palácio do Planalto para entregar uma cópia da emenda.

Era um gesto simbólico, já que, em casos de emendas constitucionais, o presidente da República não tem papel algum.  Não sanciona nem veta, apenas cumpre. Com esse gesto, entretanto, Temer e ACM pareciam dizer: missão cumprida.

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