Bolsonarismo criou a síndrome de Zanotto. Por Moisés Mendes

Atualizado em 13 de junho de 2021 às 8:03
Paolo Zanotto. Foto: Reprodução/RedeTV

Publicado originalmente no blog do autor

Todos têm hoje um Paolo Zanotto por perto, por vínculos familiares, convivência no trabalho, demandas profissionais ou de informação ou apenas porque os Zanottos espalharam-se por toda parte.

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Paulo Zanotto, o médico virologista que sugeriu a Bolsonaro a criação do gabinete das sombras, tem similares em todo o Brasil.

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O país tem grupos de palpiteiros de elite, com bons diplomas e históricos, que trabalhariam voluntariamente para Bolsonaro com sugestões para o enfrentamento da pandemia.

Zanotto, professor da USP, considerado brilhante, é apenas o mais vistoso desses palpiteiros. Teve seu momento de celebridade efêmera ao discursar num evento com Bolsonaro em setembro do ano passado. Foi quem resumiu ao líder a posição do grupo que estava ali: pode deixar que nós vamos bordar seus desatinos com belos argumentos científicos.

É como se um professor respeitadíssimo, agora acolhido pelo bolsonarismo, se submetesse aos protocolos do submundo da extrema direita. Agora é nóis, mano.

Os Zanottos são em maioria da área da saúde, mas estão espalhados por todas as atividades. Dão suporte moral, científico e retórico ou apenas dão palpites e apoio de forma anônima ao que o bolsonarismo pensa e defende em relação à Covid-19.

Paolo Zanotto, respeitado no meio acadêmico, é talvez a figura mais talentosa recrutada por Bolsonaro para exaltar os milagres da cloroquina.

Por isso a surpresa de colegas e amigos, como mostrou reportagem da Folha no sábado. Como o Zanotto que sempre admiramos virou defensor das teorias científicas de Bolsonaro?

Olhe em volta e constate que o nosso entorno de classe média está cheio de Zanottos. Não são necessariamente pesquisadores e cientistas, mas são os que propagam o que os ‘cientistas’ de Bolsonaro dizem.

O próprio Zanotto é de alguma forma um desses Zanottos, porque nem ele fez pesquisa alguma sobre a pandemia, muito menos com a cloroquina que defende. Zanotto reproduz o que diz ter ouvido ou lido de outros Zanottos.

Um Zanotto é diferente de um bolsonarista mediano, de raiz, que fala bobagens sem qualquer lastro. Um Zanotto não é o tio tucano do pavê que virou de extrema direita, ou já era e agora se revelou. Nem o empreendedor suburbano neopentecostal que defende tudo que Bolsonaro diz. Nem o chato e reaça amigo do nosso amigo.

Um Zanotto verdadeiro não é um inculto que fala como papagaio, dando eco aos que os Zanottos dizem. A Síndrome de Zanotto é um fenômeno seletivo.

Ataca médicos, engenheiros, professores, advogados, juízes, arquitetos, promotores, artistas, gente de todas as áreas, mas com alguma base intelectual. Um Zanotto é um cara com diploma, nunca será um ogro. As melhores famílias têm Zanottos.

O sujeito contagiado pela Síndrome de Zanotto não precisa ser entendido em saúde. Precisa apenas ser um cara com boa formação, bom discurso, respeitado na família, na universidade e entre amigos, que de repente vira um pregador bolsonarista.

A Síndrome de Zanotto, que transforma inclusive pessoas pós-graduadas em negacionistas, sofisticou a extrema direita e tem vários níveis e cepas.

Os contagiados podem aderir apenas às teses ditas sanitárias, como podem ir adiante e defender alguma coisa da política e dos costumes. Os Zanottos são os que dão suporte de credibilidade ao que o bolsonarista raso prega.

O médico sanitarista Claudio Maierovitch, ouvido na CPI do Genocídio essa semana, observou que teses contra o isolamento, a vacina e a máscara sempre têm de plantão alguém da área científica que as sustentem.

São os Zanottos que passaram para o outro lado e legitimam Bolsonaro. Tudo o que eles pregavam como base para a verdade científica é contrariado por Bolsonaro. Eles aderem a quem pisoteia o que fizeram até aqui.

Alarmados e constrangidos, os colegas, amigos e parentes exclamam: mas como o Zanotto está dizendo e fazendo o que faz? O que deu no Zanotto?

Pode ser um esforço para finalmente chegar perto do poder, talvez a única chance de chegar. Pode ser um jeito de enfrentar grupos divergentes e, quem sabe, obter uma vitória improvável e espetacular com a cloroquina?

Pode ser uma demonstração de fragilidade intelectual, num vacilo provocado por desalento com a profissão, por cansaço e por desilusões acumuladas.

Pode ser por dinheiro, por um cargo ou uma consultoria bem paga. E pode ser tão somente a liberação de um bolsonarismo reprimido, o que talvez seja o caso da maioria.