Bolsonarista que abriu temporada de golpismo é preso com 9 meses de atraso. Por Leonardo Sakamoto

Atualizado em 9 de agosto de 2023 às 10:44
Brasília (DF) 20/06/2023 CPMI do 8 de Janeiro ouve ex-diretor-geral da PRF Silvinei Vasques. Foto Lula Marques/ Agência Brasil.

Leonardo Sakamoto

O ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal Silvinei Vasques, que inaugurou a temporada de golpismo bolsonarista, foi preso na manhã desta quarta (9), pela Polícia Federal, em meio a uma investigação sobre a interferência nas eleições. Ele é suspeito de mandar instalar bloqueios em rodovias de regiões do Nordeste onde Lula havia ido bem no primeiro turno para dificultar seus eleitores de irem às urnas no segundo.

Naquele momento, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, o ameaçou de prisão se não liberasse as estradas em 20 minutos. “Ou você para os bloqueios ou você vai para a cadeia”, relata reportagem da revista Piauí que narra o encontro entre os dois no 30 de outubro. O ministro, acertadamente, resolveu a questão evitando celeuma em meio aos ânimos exaltados.

A prisão, que veio agora, 9 meses ou 283 dias depois, ainda tem força didática para ajudar a desbolsonarizar a instituição que operou como polícia política do ex-presidente da República.

Em junho, Vasques tratou os parlamentares da CPMI dos Atos Golpistas como idiotas ao dar justificativas toscas para os bloqueios nas estradas. “É um crime impossível, que não ocorreu, não tem como. Como falaríamos com 13 mil policiais explicando essa forma criminosa sem ter uma conversa de WhatsApp, Telegram, sem uma reunião, sem nenhum e-mail enviado?”, questionou.

Cinismo em estado mais puro, porque, como bem disse o próprio Jair Bolsonaro, em uma entrevista a José Luiz Datena, em março de 2020, “quem quer dar um golpe jamais vai falar que vai dar”. Basta que algumas pessoas da cúpula foquem os bloqueios sem informar a real intenção.

A partir do momento em que o diretor-geral da PRF começou a agir como cabo eleitoral de Jair, ele deveria ter sido afastado de suas funções. Como não foi, a corporação foi usada pelo bolsonarismo em duas tentativas de golpe.

Na primeira vez, emperrou o transporte de eleitores mais pobres, principalmente no interior do Nordeste. Através da força armada de uma polícia sob o seu comando, Bolsonaro operou para tentar conseguir pela sujeira o que, de fato, não foi capaz de obter nas urnas.

Pelos depoimentos veiculados nos dias seguintes, a ação constrangeu eleitores que ainda não haviam saído de suas casas e acabaram desistindo de votar.

Na segunda vez, a PRF fez vistas grossas aos protestos golpistas que trancaram rodovias em todo o país nas semanas seguintes à vitória do petista, deixando que bloqueios se instalassem, mentindo que precisava de uma decisão judicial para desobstruir as vias. Vídeos em que policiais rodoviários passavam pano para golpistas viralizaram nas redes levando a engrossar os bloqueios.

Precisou a Justiça Federal emitir uma série de decisões e o próprio STF intervir com ameaça de multa contra Vasques para a cúpula da corporação se mexer de fato. Faltou vontade, sobrou seletividade. Afinal, quando indígenas fecharam uma rodovia por algumas horas, em São Paulo, em maio deste ano, para protestar contra o marco temporal, tomou bomba e bala de borracha no lombo.

Um dia antes da eleição, Silvinei Vasques já havia publicado em suas redes sociais um pedido de voto em Bolsonaro. Provavelmente para dirimir dúvidas de seus subordinados a respeito de quem ajudar na reta final. Depois, com o recado dado, apagou. Também deveria ter sido afastado, mas não foi.

A PRF, que sempre fez um excelente trabalho em ações de combate ao trabalho escravo e ao tráfico de seres humanos, alinhou-se à ideologia extremista do presidente e passou a transmitir a imagem de uma instituição que servia para a contenção dos mais vulneráveis e para ações golpistas.

Exemplo disso foi a morte de Genivaldo de Jesus Santos, negro, desarmado, que dirigia uma motocicleta velha e vivia com uma doença mental, assassinado por policiais rodoviários federais que o trancaram em um porta-malas de uma viatura junto com uma bomba de gás em Umbaúba (SE).

Desde que assumiu, Bolsonaro atuou para sequestrar instituições de monitoramento e controle. Sem ter conseguido garantir o apoio irrestrito da Polícia Federal, apelou à sua irmã. Inclusive a PF foi solicitada a ajudar a PRF nos bloqueios, mas não topou. Transformada em polícia política da extrema direita, a PRF teve papel fundamental, ajudando a colocar a República em estado de alerta.

O processo de desbolsonarização da corporação não ocorrerá da noite para o dia. Mas uma investigação rigorosa e uma punição firme a Silvinei Vasques podem ajudar no processo de reestabelecimento do lugar previsto para a instituição na Constituição.

Originalmente publicado por Uol

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