‘O país sabe o que acontece no Brasil’, diz político italiano que quer cassar a cidadania de Bolsonaro

Atualizado em 15 de fevereiro de 2022 às 17:08
Angelo Bonelli em live no canal DCN TV
Bonelli: a cidadania a Bolsonaro é uma peça de propagamda política

Angelo Bonelli, presidente do PV italiano, é um homem de coragem e bons princípios. Defende direitos humanos e civis, numa Europa cada vez mais dividida por causa dos prós e contras a imigração.

O norte da Itália – ele é de Roma – é um caso típico, em que o sectarismo floresceu entre as lideranças locais. É a região que abriga o Liga Norte, partido de extrema-direita comandado pelo senador e ex vice-primeiro ministro italiano, Matteo Salvini.

Nesta região também se localiza Anguillara Veneta, cidadezinha de 4,5 mil habitantes que há três meses concedeu um título de cidadão a Bolsonaro sem que o mandatário brasileiro nunca tivesse posto o pé na cidade.

Por defender que tudo não passa de grossa propaganda política, Bonelli capitaneou o movimento que decidiu pedir na Justiça a revogação da honraria ao genocida.

“Além de nunca ter feito nada, Bolsonaro é uma figura controversa, com acusações de genocídio e devastação da Amazônia”, diz.

Nesta entrevista, Bonelli traz uma boa notícia: como acontece no Brasil, na Europa a extrema-direita também apresenta sinais de esgotamento, seja por falta de respostas aos problemas sociais ou pela crescente onda de enfrentamento político de grupos rivais do campo progressista.

Confira a entrevista:

DCM: O que justifica essa batalha pela revogação do título de cidadão italiano de Bolsonaro?

Angelo Bonelli: Promovemos a ação popular na Justiça Civil da Itália, que é um instumento planejado do nosso ordenamento jurídico, porque Bolsonaro não atende aos requisitos para o título.

A cidadania, pelo regulamento municipal de Anguillara, deve ser dada às personalidades que se destacaram por promover a cidade.

Bolsonaro não só não fez nada, mas é uma personalidade polêmica, controversa, que foi denunciado por genocídio, responsável pelo desmatamento selvagem da Amazônia e pela violação dos direitos humanos.

Que outros interesses estão envolvidos?

A cidadania foi conferida como uma política de propaganda, com objetivo claro de ocupar a mídia. Lembrando que a prefeita de Anguillara Veneta, Alessandra Buoso, é do partido de Matteo Salvini, o Liga Norte, uma sigla de extrema-direita que se destacou por sua política dura contra os imigrantes.

Salvini fala na mídia italiana que é muito amigo do filho do presidente, Eduardo, e do próprio Bolsonaro. Não tem problema. Ele pode ter toda amizade que quiser, a questão é que a Itália precisa defender os direitos humanos e a personalidade de Bolsonaro é muito controversa.

Além da amizade com Salvini, notadamente uma figura poderosa da politica italiana atual, Bolsonaro recebeu recentemente a deputada da extrema-direita alemã, Beatrix von Storch, causando  alarde no país. A extrema-direita está ampliando na Europa ou são casos isolados? 

Não são casos isolados. Na Itália, e também na Europa, os fenômenos de extrema-direita são muito difundidos. Por exemplo eu, em particular, sofri ameaças de grupos fascistas e nazistas e agora estou sob proteção da polícia. Especificamente no norte da Itália existe uma presença muito forte da extrema-direita.

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Por que a extrema-direita na Itália é forte?

A explicação tem relação com toda a Europa. Está aumentando o consenso das políticas contra os imigrantes e contra os direitos civis. Eles vão num lugar onde há crise social, carência de trabalho, e fazem propaganda contra os imigrantes. O discurso é:

– Está chegando gente do norte da África para pegar o nosso trabalho. É a posição política dessa gente. Na cidades grandes, como em Roma e Milão, há vários grupos de jovens com relação com a extrema-direita.

Bolsonaro e a prefeita Alessandra Buoso
Bolsonaro e a prefeita Alessandra Buoso: jogada para promover a extrema-direita na Itália

Não deixa de ser mais uma má notícia, afinal os jovens serão os tomadores de decisões num futuro próximo. 

O outro lado é que tem também um outro grupo de jovens com forte mobilização contra os grupos nazistas e fascistas.

Essa é uma esperança, mas aqui na Itália temos de ter muita atenção para darmos respostas sociais aos problemas sociais.

Existe uma crise ligada ao trabalho, que a pandemia amplificou, então a política precisa também refletir sobre isso e ser mais efetiva na resolução dos problemas.

Em 2018, o Brasil foi surpreendido pela força da extrema-direita, mas aqui tudo leva a crer que essa noite de terror tem data para encerrar.

É fato que esse movimento cresceu, mas tem relação também com a crise de partidos tradicionais da esquerda, no Brasil, na França, na Alemanha e também na Itália. Isso é que provocou a ascensão da extrema-direita.

Eu acho que um dos motivos da vitória do Bolsonaro é a crise do PT. O povo brasileiro precisava de uma alternativa. Pegou uma alternativa de soberania de um cara que utilizava as redes sociais, o Facebook, da mesma forma que o Salvini faz aqui, com forte influência de fake news.

Os partidos tradicionais da esquerda estavam em crise. Mas eu acho que está mudando.

O Salvini, por exemplo, está em crise porque não tem propostas para governar pensando nas crises sociais. Eu espero que o Brasil mude a página, coloque Bolsonaro na história como aconteceu nos EUA com Trump.

É preciso fazer política perto do povo

Os partidos progressistas precisam fazer política perto do povo. É necessário se debruçar sobre os problemas do povo, sejam econômicos ou sociais.

cidade italiana
Cidade Anguillara Veneta

Qual a chance da Justiça italiana cassar a cidadania de Bolsonaro?

Meus colegas estão otimistas, mas eu prefiro ser prudente. Essa homenagem tem implicação política internacional, diplomáticas.

Afinal, estamos falando do presidente do Brasil.

Eu acho que tem muita oportunidade do ponto de vista jurídico, mas vamos aguardar. É claro que se decidir pela cassação será uma vitória de todos que lutam pelos direitos humanos, civil e pela democracia.

Qual a opinião do morador de Anguillara Veneta sobre essa polêmica?

Bolsonaro chegou em Anguillara Veneta cercado de um suporte grande. A polícia presente para dividir quem protestava dos que o suportavam.

Eu acho que a população está indiferente, e refletindo.

No geral, acho que a população da Itália tem uma sensibilidade muito forte sobre o que está acontecendo no Brasil, na Amazônia. A acusação de genocídio que o Bolsonaro pegou no tribunal internacional penal, a pandemia, entre outras coisas. Agora vamos aguardar para ver como a Justiça vai reagir.

Por que a cidadania a Bolsonaro é uma peça de propaganda política?

É uma propaganda para chamar a atenção da mídia e para o Liga Norte, de extrema-direita de Mateo Salvini, que é também o partido da prefeita.

O conferimento da cidadania foi uma operação política porque o Bolsonaro não tem nenhum reconhecimento que justifique a cidadania. Nunca pisou na cidade, nada fez. O regulamento é muito preciso sobre isso.

Vocês confiam que a Justiça será feita?

Eu sou confiante, mas com relação ao recurso estou prudente. Cidadania ao presidente do Brasil, implicação política internacional, tudo isso será levado em consideração, mas tenho confiança que vai ficar neutra e objetiva.

Você vive sob proteção policial por causa dos frequentes ataques que recebe de grupos fascistas e nazistas: como é sua rotina? 

Agora estou morando em uma cidade longe de Roma e quando vou à capital ligo para a políticia e ela me acompanha. Quando volto para minha cidade é vida normal.

Eu espero que isso pare rapidamente para poder retomar minha vida dentro da normalidade. É muito triste.

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Jose Cassio
JC é jornalista com formação política pela Escola de Governo de São Paulo