Pastor Henrique Vieira defende a descriminalização das drogas: “Morre mais gente com tiro que de overdose”

Deputado do PSOL concedeu entrevista à Live da Tarde

Atualizado em 12 de agosto de 2023 às 21:36
Pastor Henrique Vieira
Pastor Henrique Vieira. Foto: Reprodução/DCMTV/YouTube

O pastor Henrique Vieira, deputado federal pelo PSOL do Rio, concedeu uma entrevista à Live da Tarde do DCMTV.

Nascido em Niterói, Vieira foi vereador no Rio de Janeiro e participa de forma incisiva contra bolsonaristas no Congresso. Ao DCM, o deputado disse que acredita que a comissão pode ajudar a processar e condenar os responsáveis pela tentativa de golpe.

Elogiou a participação da também deputada Erika Hilton e falou dos episódios recentes de abusos policiais.

Confira os principais pontos da entrevista.

“Omissão criminosa”

Ganhamos a eleição e estamos iniciando o governo. Fizemos uma posse histórica e vamos criar uma instabilidade contra nós mesmos? Ou seja, não há razoabilidade política para a tese do “autogolpe”. Além disso, na própria na sede dos Três Poderes, eu insisto que a responsabilidade era da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal. 

E o secretário era o ex-ministro de Bolsonaro, Anderson Torres.

Que, no contexto do segundo turno, ao que tudo indica, já tentou criar obstáculos ao próprio processo eleitoral. E veja a Força de Segurança Nacional, que foi convocada no momento em que houve a intervenção do governo federal na Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal. Isso é o que a lei prevê.

Então quem poderia chamar essa força é o governador, que assim não fez, e a jurisprudência para isso que confirma esse entendimento. O ministro Flávio Dino não poderia colocar a Força de Segurança Nacional na rua.

Isso nem é tão fácil de fazer. Reunir a força de segurança. Quando o Flávio Dino fez isso, houve uma intervenção federal na Secretaria de Segurança Pública do DF.

Quando o governo pôde agir juridicamente, ele agiu rapidamente. Na minha opinião, está tudo muito bem comprovado que não houve omissão do governo.

Houve sim uma omissão criminosa ali na secretaria do DF. E quem era o secretário? Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro.

“Anderson Torres abriu as portas para o golpe”

No meu entendimento houve articulação entre Anderson Torres, na época Ministro da Justiça, e Silvinei Vasques, na época diretor da Polícia Rodoviária Federal, no contexto do segundo turno.

Inclusive, no dia 20 de junho, o Silvinei deu depoimento aqui na CPMI e no dia 22 entrei com o pedido de notícia-crime em desfavor dele. Eu e a Erika Hilton.

Porque, com dados do Ministério da Justiça, nós comprovamos que ele estava mentindo. E que houve um número excessivo, sem explicação, de abordagens da PRF no Nordeste no dia 30 de outubro.

Então, no dia 22 de junho de 2023, há mais de um mês, quase dois meses, eu entrei com esse pedido de notícia-crime que foi acatado pela relatora Eliziane Gama.

Essa é uma denúncia que a gente já vem fazendo há algum tempo. Bem perto do dia 30 de outubro do ano passado, Anderson Torres foi até a Bahia e, segundo o delegado Leandro Almada, superintendente da Polícia Federal lá na Bahia, o ex-ministro de Bolsonaro indicou uma ação conjunta da Polícia Federal com a Polícia Rodoviária Federal.

Fez isso para realizar essas intervenções ali na Bahia e na região Nordeste. Foi algo atípico. O que vai se demonstrando é que era uma tentativa de bloqueio ali no dia 30 de outubro.

Bloqueio para dificultar a votação de muitos eleitores. Em sua maioria, eleitores do Lula.

Anderson Torres “abrir a porta” para o golpe é mais relacionado especificamente ao dia 8 de janeiro. É todo um processo de golpe, né? Foram tentativas fracassadas.

Foram tentando ações para que se mantivesse Bolsonaro e o bolsonarismo no poder. Há uma cronologia do golpe que nós estamos entendendo agora.

Foram testadas hipóteses para primeiro tumultuar o processo eleitoral e invalidá-lo. Até mesmo impedir a votação de eleitores do Lula. E, depois, uma tentativa de deslegitimar o resultado. Uma tentativa de fazer uma intervenção no STF ou no TSE.

E depois fizeram uma tentativa de causar um caos no próprio governo Lula, para assim legitimar uma intervenção. Foram muitas tentativas para tentar impedir a normalidade democrática.

Nossa democracia é muito frágil. Mas é a que temos e que precisamos preservar e aperfeiçoar.

Anderson Torres, quando deixou de ser ministro da Justiça no dia 2 de janeiro, foi nomeado e empossado secretário de Segurança Pública do Distrito Federal. E, por previsão constitucional, o policiamento aqui do DF é uma responsabilidade desta secretaria, a Secretaria de Segurança Pública.

Bem no dia 6 de janeiro, Torres viaja para os Estados Unidos sendo que as férias dele só começariam no dia 9. Já começa algo estranho, porque ele acaba de tomar posse e já entra de férias uma semana depois.

Poucos servidores públicos têm esse privilégio. Ele não viaja na segunda-feira, dia 9. Ele viaja na sexta-feira, dia 6. Com vários alertas de um ato chamado “Tomada do Poder” de bolsonaristas.

Esses alertas estavam aparecendo e isso fez com que fosse assinado um plano de ação integrada, que é como se fosse um plano de responsabilidade da Polícia Militar do DF, sobre coordenação da Secretaria de Segurança Pública do próprio DF. Era basicamente garantir a manifestação e impedir violência ou a desordem.

Os alertas foram crescendo e esse plano não foi cumprido. Foi tudo caótico. Só tinham 300 e poucos policiais. Mais de 170 eram alunos do curso de formação. Era um efetivo muito abaixo do padrão, o restante da tropa não estava nem de prontidão. 

Não estavam nem no quartel. Várias lideranças e vários coronéis de férias. Ou seja, tudo indica que, intencionalmente e de maneira criminosa, se abriu a porta.

Abriram para que aqueles manifestantes golpistas fizessem o que fizeram. Qualquer pessoa sabe que foi muito atípico o que aconteceu. Nem era tanta gente assim para chegar com aquela facilidade nas sedes dos Três Poderes.

Aquilo aconteceu por falhas graves nessa estrutura subordinada ao Anderson Torres, que na minha opinião agiu de forma conveniente e estratégica. Ele já estava fora do Brasil.

Essa é a tese que eu defendo. Ele abriu a porta para essa tentativa final de desestabilizar o governo Lula e provocar caos institucional e social.

“Não dá pra comparar uma falha na segurança com golpe”

Vamos pensar aqui uma coisa. Isso é omissão dolosa e intencional que, na minha opinião, aconteceu na Secretaria de Segurança Pública. Agora, vamos lá, quero deixar isso evidente, acho que houve alguma falha no sistema do governo, da defesa ali do Palácio do Planalto, por exemplo.

Se houve alguma falha da Câmara dos Deputados, não é só o governo Lula que não defendeu o seu prédio. Se houve alguma falha da segurança do STF, também não.

Deu para entender? Comparar uma falha no sistema de defesa em termos de gravidade com uma tentativa deliberada de golpe não faz sentido. Você poderia dizer: Nossa faltou competência e mais energia e rapidez para o governo se defender.

Ok. Uma falha tem um peso. Outra coisa é um esquema para tentar desestabilizar um governo eleito, provocando causa social.

O nome disso é crime contra o Estado democrático de Direito. Portanto, nem nessa hipótese as coisas podem ser comparadas na minha opinião.

“É improvável que Bolsonaro não esteja envolvido”

O que a gente observa do que vem sendo apresentado pela Polícia Federal é  que esse processo das blitz para alterar e influenciar no resultado eleitoral veio do Ministério da Justiça, no gabinete de Anderson Torres. E quem executou acabou sendo a Polícia Rodoviária Federal.

A concepção dessa ação foi no gabinete do Ministro da Justiça. Acho muito improvável que o Bolsonaro não esteja envolvido nessa articulação para tentar reverter ainda o resultado eleitoral no dia 30 de outubro.

Acho que foi a primeira tentativa deles. Vejo aí um encadeamento. Não estou julgando todos os agentes e todos os trabalhadores da PRF em hipótese alguma.

A gestão do Silvinei teve uma tentativa de cooptar ideologicamente a PRF. Para essa lógica bolsonarista, a PRF começou a ter um alto índice de letalidade e participação em ações letais na segurança pública. Foi para além do policiamento nas rodovias, foi feita num decreto ampliou a margem de competência da PRF.

A letalidade das ações violentas é reflexo da bolsonarização. Uma instituição importante de Estado deve ser respeitada. Quando nós fizemos a notícia-crime, concluímos que a região Nordeste concentra 27,2% dos votantes, com cerca de 42 milhões de eleitores.

“Morre mais gente com tiro do que de overdose”

A comunidade negra do nosso país vive praticamente um projeto de extermínio. Quando atinge jovens de 13 anos, crianças que estão morrendo nessa guerra. 

De fato não é uma crise momentânea. É uma crise estrutural. É um projeto mesmo de contenção de encarceramento, de eliminação. É a gestão penal da miséria. É a criminalização da pobreza e do povo negro. É genocídio. É assassinato em massa.

É fruto desse racismo e desse elitismo entranhado na estrutura da política brasileira. Não é só frase de efeito na ponta. Isso é uma família destruída. São mães chorando lágrimas inconsoláveis. São crianças assassinadas, são adolescentes assassinados, são jovens assassinados, são escolas fechadas.

É o terror normalizado sobre o nosso povo pobre e negro nessa bandeira do combate ao crime, do combate às drogas. O que se vê são vidas caindo ao chão, inclusive a vida de policiais. Importantes fazer esse registro: a polícia que mais mata é a que mais morre no mundo.

Quem acha que esse modelo está dando certo não entendeu isso. Falei isso na comissão de Segurança Pública aqui da Câmara, que eu sou membro titular, e quero cada vez mais falar desse debate junto ao governo, ao Ministro Flávio Dino.

Porque é um tema complexo. Vou falar de maneira muito resumida. Não tem resposta fácil e rápida. Se tiver, ela está errada para um problema complexo. Penso como fruto de acúmulo coletivo em alguns caminhos que nós precisamos percorrer para tirar essa engrenagem da morte.

Primeiro, é preciso mudar a política de drogas, o dispositivo de criminalização não reduz o uso, não reduz a demanda, não reduz o uso abusivo e destrutivo. E ativa uma máquina de guerra que, em nome desse combate, todos os dias mata alguém morre, mata mais gente de fuzil do que de overdose.

Então eu defendo como política de Segurança Pública a discriminalização das drogas, regulação para tratar como questão de saúde pública. Para que, quando o uso for destrutivo e abusivo, ter acolhimento e rede para a pessoa numa situação de profundo sofrimento, destruição de si, e das relações.

Não estou aqui de maneira ingênua romantizando. Peço que as pessoas me entendam. Só estou dizendo que essa política de combate não é combate às drogas. Acaba sendo combate ao povo, aos pobres, contra a periferia, contra a favela.

E o tráfico em geral continua altamente lucrativo. Todos os fuzis e os caveirões estão voltados para o varejo desse setor que está na favela.

Outra política de drogas significa outro modelo de Segurança Pública. Uma sociedade armada é uma sociedade mais insegura. Quanto mais armas circulando no mercado legal, mais desvio alimentando as organizações criminosas.

Uma forma de asfixiar as organizações criminosas é restringir mais o comércio de armas e munições.

Um terceiro pilar urgentíssimo é reformar e refundar as nossas polícias, desde a estrutura valorização salarial até a sua formação. É um risco fatal para a democracia as polícias que agem fora da ordem e à margem da lei, que são autonomizadas e não respondem a mais ninguém.

Que são controladas por uma lógica política e ideológica. O tiro final na nossa democracia serão polícias autonomizadas sem controle social. Que não respondem nem mais ao [Poder] Executivo.

Precisamos refundar e reformar a polícia para agir dentro da lei. Investindo mais na inteligência de mediação de conflitos, investigação, formação em Direitos Humanos.

Operadores de Segurança Pública precisam entender o que é racismo. O que é machismo. O que é misoginia. O que é intolerância religiosa. Não pode entrar numa lógica de agir sem entender esses mecanismos históricos de violência no nosso país.

E, por fim, redução de desigualdade, garantia de direitos, dar previsão e possibilidade de vida e futuro para nossa juventude. Para nossos adolescentes e para nossas crianças.

Não tem outra política de drogas sem controle de armas, sem refundar as polícias, sem corrigir desigualdade. Ao não fazer isso, a gente vai enxugar gelo e contar corpos.

E é continuar vendo carnificina acontecer. Barbárie, banho de sangue, mãe chorando, famílias destruídas e crianças sendo assassinadas em nome do combate às drogas.

Prefiro um caminho difícil com a mobilização de toda a sociedade num pacto de paz com políticas de resultado em médio prazo. Para daqui a 20 anos a gente não continuar ouvindo choro de mãe perdendo o seu filho nas mãos do próprio Estado.

Quero falar do Thiago Flausino. Tudo indica que ele foi executado aos 13 anos. A família se revolta e vai para a rua com a comunidade da Cidade de Deus para protestar no Rio.

Daí vem a polícia e joga bomba na manifestação. Nem direito ao luto essa mãe tem. Depois vem o velório.

Eu recebi uma ligação dizendo que, no velório desse menino, tinha ronda policial ao redor. É um nível de desumanidade e desprezo com a vida do nosso povo pobre, do povo preto trabalhador.

Desprezo com nossos adolescentes. Eu não estou fazendo um debate moral. A estrutura está falida.

Tem que ter coragem para refundar a Segurança Pública e as polícias no Brasil.

“CPMI traz um bom debate sobre o que é a extrema direita”

Eu estou cada vez mais convicto da importância dessa CPMI do golpe. Porque uma coisa é o rito jurídico, que é muito importante. Outra coisa é o debate público e político que também é muito importante.

Na minha opinião existe um papel pedagógico de trazer esse debate para o campo da política. Para falar o que é extrema direita e quais são as suas consequências.

Quais são as suas arbitrariedades e violências. Mauro Cid foi lá na CPMI. Anderson Torres foi lá. Silvinei Vasques foi lá. O hacker da Vaza Jato deve ir lá.

Traz um debate que a sociedade brasileira precisa saber. E é possível investigar, para além do rito jurídico. Durante muito tempo eu pensei que essa CPMI seria usada pela extrema direita para fazer o seu palco de terror e de horror.

Só que estou percebendo que está sendo um espaço importante para que esses bolsonaristas venham à público. Eles vão receber lá os aplausos da extrema direita, mas vão nos responder e a sociedade e a imprensa vão acompanhar.

E vai ter registro público. Imagina só o relatório robusto que possivelmente virá da senadora Eliziane [Gama]? Será de um bom trabalho investigativo.

Tudo isso, para mim, é ganho. É um ganho da sociedade civil. Vou dar um exemplo rápido para terminar: Silvinei foi preso. Se você pega na imprensa as imagens dele falando, dele dizendo que não teve nenhuma ação irregular da PRF no segundo turno, dele se defendendo e visivelmente mentindo, essas imagens que estão circulando para debate público.

E essas imagens foram ao ar no momento em que ele estava prestando depoimento na CPMI, como Anderson Torres falou publicamente, assim como Mauro Cid.

Estou cada vez mais convicto de que essa CPMI, que é extrema direita queria usar para fazer palco de terror, está servindo de forma pedagógica para mostrar a sociedade o golpismo da extrema direita.

Veja a transmissão na íntegra, na Live da Tarde do DCM.

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