Boulos ‘radical’ e o mito de que o MTST invade a casa das pessoas. Por Hellen Alves

Atualizado em 24 de novembro de 2020 às 13:16

Por Hellen Alves 

Guilherme Boulos

Na disputa pela prefeitura de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), candidato à reeleição, tem adotado duas táticas de campanha: esconder seu vice, Ricardo Nunes; e apontar seu adversário, Guilherme Boulos (PSOL), como ‘radical’. 

“A esperança venceu os radicais no primeiro turno e vai vencer os radicais no segundo turno”, disse Covas em discurso ao lado de João Doria após apuração dos votos indicarem que ele concorrerá ao 2º turno.

“Não é radical ter uma trajetória na periferia e lutar por direitos básicos. Isso não é ser radical. Radical é a cidade mais rica do país ter gente revirando lixo para comer”, afirmou Boulos sobre seu suposto ‘radicalismo’. 

Covas apela para o senso comum em uma tentativa de deslegitimar a candidatura de Boulos devido à sua atuação no Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST), uma vez que, muitas pessoas desconhecem o trabalho do movimento e acreditam que terão suas casas invadidas por militantes.

“Não tenho a menor dúvida que hoje criminalizar o MTST tem um motivo político. Bruno Covas hoje utiliza do MTST para tentar deslegitimar a figura de Guilherme Boulos e a capacidade que ele tem de governar essa cidade com o povo, com a Luiza Erundina que foi uma das melhores prefeitas que essa cidade já teve, uma prefeita que não fez para a periferia, mas que construiu políticas com a periferia”, avalia Jussara Basso, coordenadora do MTST na ocupação da Vila Nova Palestina e integrante da chapa Juntas – Mulheres sem teto.

Jussara e Boulos conversam com um homem na ocupação Vila Nova Palestina – Foto: Reprodução

Jussara reforça que não há radicalismo no MTST, crítica o discurso a ação do Estado que fala “mais sobre os deveres do que direitos” e o discurso da grande mídia que desinforma a população sobre a ação do movimento. “Radicalismo é você ter 25 mil pessoas em situação de rua e ouvir a primeira dama do Estado [Bia Doria] afirmar que as pessoas moram na rua porque gostam, porque querem e se acomodaram“, pondera.

Ela relembra que antes de conhecer o MTST “comprava a ideia do senso comum” e “não acreditava na legitimidade de luta por moradia, porém o MTST foi ao encontro das minhas expectativas políticas”. Jussara também aponta que o MTST ‘retira a venda’ dos olhos das pessoas que passam a entender o que é a luta por moradia e por que essa luta é legítima. 

“Essa história que o MTST ocupa a casa dos outros é mito, as pessoas precisam conhecer o movimento. O MTST ocupa terrenos que estão irregulares, que não estão cumprindo a função social e a população vem para lutar por sua própria moradia”, explica Erivaldo Silva, 43 anos, morador da ocupação Vila Nova Palestina, no Jardim Ângela, desde 2012. Estima-se que ali morem mais de 7.000 pessoas. 

Ocupação Vila Nova Palestina – Foto: Reprodução

Moradia na gestão Doria-Covas

Alexandre Padilha, deputado federal (PT-SP), afirmou via redes sociais que Boulos entregou mais casas que a gestão ‘BrunoDoria’.

Essa declaração é confirmada por Benedito Barbosa, o Dito, que é advogado e coordenador da Central de Movimentos Populares (CMP). Dito avalia a política de habitação do governo de João Doria, ex-prefeito e atual governador; e de Bruno Covas da seguinte forma, em entrevista ao Brasil de Fato:

“Esta foi uma gestão, desde seu início, profundamente antidemocrática, antipopular, antipovo e antipobre. A pior área foi, com certeza, a de habitação. Nada foi feito. O Programa Pode Entrar foi aprovado na Conselho Municipal de Habitação, depois não contratou uma casa sequer. A PPP da moradia vai despejar mais gente do que deve construir moradias. Foram cinco secretários diferentes. Isso paralisou a política habitacional, inviabilizando a continuidade de projetos e contratação de novas obras”.

Em comparação, em 2019, o MTST entregou 410 apartamentos no condomínio Novo Pinheirinho e 500, no condomínio Santo Dias; ambos em Santo André, no ABC Paulista.  As moradias populares foram entregues após 7 anos de reivindicações e construídas por meio do programa federal Minha Casa Minha Vida – Entidades. Muitos dos integrantes trabalharam na obra da sua própria casa.

Cada apartamento possui 54m² e os condomínios contam como elevadores, quadra, churrasqueiras, vagas de garagem – sendo que os próprios militantes participaram ativamente do processo de decisão no projeto.

O que é o MTST (Movimento dos Trabalhadores sem Teto)? 

O Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST) foi fundado em 1997 e trata-se de uma versão urbana do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Embora possuam siglas semelhantes e diversos pontos em comum, é possível diferenciá-los, pois um luta por moradia e o outro por terra para habitar e cultivar. 

Formado por trabalhadores que se encontram sem moradia ou que não conseguem pagar o alto custo dos aluguéis, o MTST ocupa imóveis de grandes proprietários, em geral, com dívidas milionárias com o Poder Público. Esses imóveis são ocupados porque estão em situação ilegal, por não cumprirem a função social exigida pela Constituição e o Estatuto das Cidades.

“A ação do MTST é para pressionar o Estado a cumprir essas leis e destinar as áreas para moradia social”, explica Boulos em texto intitulado ‘Entenda o que é o MTST: eles não vão invadir sua casa’

Ocupação Vila Nova Palestina – Foto: Reprodução

Direito à moradia, propriedade privada e função social

O Artigo 6º da Constituição de 1998 determina que a moradia como um direito social:

São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Além disso, afirma que todo cidadão tem direito à um salário mínimo que seja suficiente para garantir sua moradia e também reafirma o dever do Estado com relação ao direito à moradia:

Art. 23 É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

IX – promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico.

Já o direito à propriedade é garantido pelo Artigo 5º da Constituição, mas está condicionado à função social da propriedade. Ou seja, para ter seu direito de propriedade, ela precisa exercer sua função social. 

Embora a Constituição não trata sobre a função social da propriedade urbana, o Estatuto da Cidade, de 2001, determina que uma propriedade cumpre sua função social desde que respeite as diretrizes do Plano Diretor da cidade. 

Quando uma propriedade não cumpre o que o plano diretor estabelece, ela está sujeita a um processo de desapropriação, perdendo o direito de propriedade sobre a terra ou imóvel. 

“São áreas que estão desocupadas há décadas, a gente é um movimento que luta contra a especulação imobiliária, que reivindica que a Constituição seja cumprida no artigo que indica que toda terra tem que cumprir sua função social. São essas áreas ociosas que a gente indica e reivindica para moradia popular”, resume Jussara. 

Ela também explica que as moradias não são de graça, pois os militantes irão pagar pela construção das casas ou apartamentos, além do valor referente à posse daquela área.

Jussara fez parte da ocupação do Novo Pinheirinho, em Embu das Artes. Após 9 anos de reinvindicações, ela tem a perspectiva de que sua casa começará a ser construída em 2021.