Caiu a blindagem de Delfim Netto, um fenômeno de sobrevivência desde a ditadura. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 9 de março de 2018 às 14:56
Temer e Jucá com Delfim

Um dos alvos de busca e apreensão da Polícia Federal na operação que investiga contratos da construção de Belo Monte é Delfim Netto.

Ele é suspeito de receber 10% dos valores que as empresas teriam pago de propina pelo contrato. Os outros 90% seriam divididos entre PMDB e PT.

De acordo com o Ministério Público Federal, até agora já foram rastreados pagamentos superiores a R$ 4 milhões a Delfim, de um total de R$ 15 milhões.

A grana teria vindo de Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Odebrecht, OAS e J. Malucelli.

Quanto terá roubado Delfim ao longo de mais de meio século?

Ele era, provavelmente, um dos maiores casos de blindagem da história e um exemplo de sobrevivência política impressionante.

Levou tempo para aceitar depor na Comissão da Verdade. Esteve lá em 2013. Na versão paulista da comissão, repetiu seu velho refrão quando perguntado sobre os abusos do regime: não sabia de nada.

“Havia a mais absoluta separação. No meu gabinete nunca entrou um oficial fardado”, disse. “Não existia nenhum vínculo entre as administrações”.

Delfim não era um contínuo. Assinou o AI-5 quando era ministro da Fazenda de Costa e Silva. “Direi mesmo que creio que não é suficiente”, afirmou na ocasião.

Ao chancelar o ato, estava ajudando a suspender o habeas corpus para crimes políticos e contra a segurança nacional, o que foi fundamental para a indústria da repressão.

Ocupou esse mesmo cargo entre 1969 e 1974, sob Medici. O “Gordo” virou uma celebridade com o “milagre econômico”.

O general Geisel se livrou dele, trocando-o por Simonsen. Depois foi ministro da Agricultura e do Planejamento com Figueiredo. Declarou que “Geisel quebrou o Brasil”. Não ele.

Nos anos Figueiredo, tornou-se uma figura meio pop. Jô Soares tinha um quadro em que metia uns óculos de lentes de fundo de garrafa, um terno apertado e o imitava.

Em convescote com o empresário Henning Boilesen (centro), cabeça da Oban

Numa entrevista para o documentário “Muito Além do Cidadão Kane”, Roberto Civita, da Abril, conta que, em 1980, quando o grupo tentou uma concessão de TV, ele tinha a seu lado “Golbery e Delfim, os dois homens mais importantes do governo naquela época”.

Declarou não ter conhecimento da OBAN, apesar de sua proximidade com gente como Henning Boilesen, o dinamarquês que presidiu a Ultragás e financiou a tortura.

Mesmo com a imprensa sob censura, o cidadão medianamente informado tinha noção do que acontecia. Era um segredo de polichinelo.

E Delfim, repito, não era um contínuo. Depois da redemocratização, foi cinco vezes deputado federal, virou colunista de jornais e revistas, conselheiro de Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula e Dilma.

Temer foi beijar sua mão ao lado de Romero Jucá.

Albert Speer era chamado de “o bom nazista”. Arquiteto do Terceiro Reich, depois ministro do Armamento, querido de Hitler, sempre negou ter ideia do extermínio em massa dos judeus.

Foi julgado em Nuremberg e preso em Spandau. Publicou uma ótima autobiografia que virou best seller e doou parte dos lucros para instituições judaicas de caridade.

Trinta anos após sua morte em 1981, documentos revelaram não apenas que ele conhecia os campos de concentração como participou de roubos de obras de arte de judeus.

Não há, hoje, um único edifício ou viaduto de Speer de pé em Berlim. A obra de Delfim está aí.