Chico Buarque: perderam o pudor. Por Marcelo Auler

Atualizado em 25 de outubro de 2020 às 11:19
Chico

Publicado originalmente no blog do autor

Ao comparar os tempos da ditadura militar (1964/1985) e o que a sociedade brasileira vive hoje com a ascensão do bolsonarismo, Chico Buarque sinalizou a regressão que sofremos. Embora ele admita que com os militares vivemos debaixo de torturas e da violência nos porões, lembrou que na época, mesmo com a existência de grupos de direita como o Comando de Caça aos Comunistas – CCC, “ninguém torturava ninguém na rua, ninguém saía com taco de beisebol para matar mendigo na rua“.

Hoje, entende que “esse governo, essas pessoas que estão no poder e às margens do governo são paranoicas. São doentes, completamente doentes, e alguns poucos se orgulham da violência.” Em seguida falou da perda da compostura pela “extrema direta e a extrema da extrema direita”:

Esse sujeito foi eleito presidente da República, um cara que exalta a tortura, não é? Então, não há mais vergonha da tortura, não há mais vergonha de se assumir como partidário da tortura, da violência contra os mais fracos, contra os moradores de rua, contra os indígenas, o racismo explícito… (Na ditadura militar) existia. Tudo isso existia lá, mas era abafado, entende? Era como se houvesse um certo pudor“.

O diagnóstico de Chico foi ao produtor musical Marcelo Cabanas e ao jornalista Beto Feitosa. em uma conversa gravada no dia 19 de setembro – data do aniversário do educador Paulo Freire – e postada na página do conjunto vocal MPB4 do Facebook, no dia 30. Trata-se de um projeto que Cabanas e Feitosa estão fazendo com gravações semanais sobre a vida do quarteto vocal. O pequeno trecho da conversa em que Chico faz a comparação está editado abaixo.

“Esta democracia é frágil”

Chico admite que as agressões à esquerda, ou como lembrou, “aos comunistas e adversários do regime” já existiam, mas eram dissimuladas, não se assemelham com o que vivenciamos hoje. Muito provavelmente, por conta da internet e das redes sociais, que na época não existiam.

É curioso, esse tipo de agressão já existia, estamos vendo uma espécie de repeteco…, mas era diferente. Bom, não havia as redes sociais, essa coisa toda, não havia essa estupidez disseminada dessa forma“. Na sua análise, lembrou que “os ataques aos supostos comunistas, aos adversários do regime e tal eram velados (…) Mas não havia isso na rua“.

Ele lembrou do CCC, que chegou a fazer ataque a artistas que resistiam. Como foi o caso da peça “Roda Viva”, escrita por ele em 1967 e que ao ser apresentada em julho de 1968, no teatro Ruth Escobar, em São Paulo, foi alvo de um ataque do grupo da direita, com agressões aos artistas e depredação do cenário. Em setembro do mesmo ano a peça estreou no Rio Grande do Sul, a violência se repetiu e o espetáculo acabou proibido pela censura. Como Chico lembrou, ele próprio chegou a ser ameaçado, através de telegramas que diziam que ele seria “a próxima vítima”.

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