Ciclovias são mérito da gestão Haddad e Ibirapuera não deve ser privatizado, diz liderança do PSDB. Por José Cássio

Atualizado em 13 de outubro de 2016 às 13:23
Fernando Guimarães, coordenador do grupo Esquerda pra Valer, do PSDB
Fernando Guimarães, coordenador do grupo Esquerda pra Valer, do PSDB

 

Engana-se quem pensa que a bancada “esquerdistas” na câmara de vereadores eleitos em São Paulo está reduzida a 11 parlamentares – nove do PT e dois do PSOL.

A estes, some-se cinco – acredite – tucanos.

É o que garante o sociólogo Fernando Guimarães, coordenador nacional do Esquerda Pra Valer, principal corrente esquerdista do PSDB.

O movimento, que nas prévias apoiou a candidatura de Andrea Matarazzo contra João Doria, diverge do prefeito eleito em diversos pontos.

Um deles é em relação às ciclovias.

“Não há como não reconhecer que foi um grande mérito da gestão Haddad”, diz Guimarães. “A sociedade deve se mobilizar para manter essa conquista, e ampliá-la, principalmente nas periferias, onde ela é mais necessária”.

Outro ponto de discordância é quanto a privatização do Ibirapuera.

“Discordo veementemente”, diz o coordenador do EPV. “Um parque é essencialmente um espaço de natureza pública. Deve ser administrado com a perspectiva de espaço público”.

Confira a entrevista.

DCM –  Quem são e o que pretendem os cinco vereadores do Esquerda Pra Valer na Câmara municipal?

Fernando Guimarães – Dos atuais vereadores que integram o movimento, foram reeleitos a Patrícia Bezerra, aliás a mais votada entre as mulheres, e o Gilson Barreto. Outras três lideranças do PSDB Esquerda Pra Valer vão estrear na Câmara: Daniel Annenberg, Adriana Ramalho e Aline Cardoso.

O primeiro suplente tucano, Quito Formiga, também integra o EPV.

Todos eles assumiram cinco princípios fundamentais para o exercício do mandato: compromisso com a democracia participativa; com a descentralização dos serviços públicos; com as políticas de direitos humanos e minorias; com o combate à desigualdade social; e com o conteúdo programático do PSDB.

DCM – Como conciliar a pauta de parlamentares de esquerda num governo notoriamente de direita como o que será adotado por João Doria?

FG – Antes é preciso reconhecer que João Dória foi transparente durante a campanha quanto ao seu programa de governo.

De modo que a população deu a ele, nas urnas, legitimidade para como prefeito apresentar a sua pauta. Compreendido isso, o caminho será o diálogo e a ponderação, e essa responsabilidade caberá especialmente à Câmara Municipal por reunir os representantes do povo. O processo democrático não se encerra com as eleições, e tampouco se restringe ao parlamento.

Consideramos fundamental a manutenção e ampliação dos mecanismos de democracia participativa, tais como os conselhos de representação, os mecanismos de orçamento participativo e o diálogo permanente com os movimentos sociais.

DCM – Entre vários com perfil conservador, a Câmara terá um vereador, Fernando Holiday, que propaga claramente a doutrina liberal de direita, defendida pelo MBL. Qual a sua opinião sobre Fernando Holiday?

FG – Fernando Holiday é um político de direita no DEM. Vejo coerência no seu posicionamento. Acho saudável para a democracia. Agora é natural que como social democrata, eu divirja diametralmente das suas posições, embora as respeite.

Vivemos em um dos 15 países de maior desigualdade social em um mundo onde as 64 pessoas mais ricas possuem a mesma riqueza que as 3,5 bilhões mais pobres.

Já dizia Lacordaire, que entre os fortes e fracos, entre ricos e pobres, é a liberdade que oprime e a lei que liberta. Nesse sentido, nós de esquerda, ao contrário dos liberais, acreditamos que as pessoas são iguais por natureza e em seus direitos, que a desigualdade é provocada por distorções sociais que devem ser corrigidas, que cabe ao Estado e a sociedade enfrentar essa desigualdade, através da adoção de impostos progressivos, do acesso universal aos serviços públicos de qualidade, e de políticas de distribuição de renda.

Não tenho simpatia alguma pelo MBL, pois fizeram da negação de algo, ainda que por vezes pertinente, a sua principal bandeira.

Aprendi na escola de Franco Montoro que devemos transformar em bandeiras nossas proposições, não negações.

A democracia passa pelo diálogo, pela mobilização, pela construção de uma maioria que seja capaz de avançar contemplando a minoria, jamais pela tentativa de aniquilar quem está no outro campo político ou aos seus ideais.

Se por um lado acho interessante a ideia de que um movimento que atua em redes sociais tenha conseguido eleger como seu representante um jovem de 20 anos, vejo no discurso de Holiday, e na sua crítica vociferante e desrespeitosa aos movimentos reais, de empoderamento das minorias sociais, uma profunda contradição.

Tenho esperança que a sua participação no parlamento abra para ele novas perspectivas de compreensão e de respeito às lutas históricas, justas e necessárias da diversidade sexual, dos negros, das mulheres, da juventude, entre outros, que buscam ampliar sua representação. Para fazer voz contrária a sociedade já oferece o bastante.

DCM – Muitos paulistanos entendem as ciclovias, os corredores de ônibus e a redução da velocidade nas marginais como uma pauta mais coletiva, que se encaixa numa doutrina mais à esquerda. Qual é o posicionamento do EPV em relação a essas iniciativas?

FG – O EPV não tem uma posição deliberada especificamente sobre esse tema da velocidade nas marginais.

Mas, considero importante a redução da velocidade em vias por onde circulem ciclistas e pedestres, só não pode ter o viés da indústria da multa, e sim o de salvar vidas.

Já no caso da via expressa das marginais, por onde circulam apenas automóveis, acho que a redução da velocidade não faz sentido. Ela faz com que a marginal por vezes deixe de ser uma opção atrativa de rota e induzindo a maior tráfego pelas vias do centro expandido.

Quanto as ciclovias, não há como não reconhecer que tenha sido um grande mérito da gestão Haddad. A sociedade deve se mobilizar para manter essa conquista, e ampliá-la, principalmente nas periferias, onde ela é mais necessária.

No que diz respeito aos corredores de ônibus, essa é a melhor forma de democratizar as vias públicas. O transporte público deve ser prioritário e nesse sentido o Esquerda Pra Valer defende a tarifa zero.

Claro que essa deve ser uma política construída gradativamente, e vemos com muito bons olhos o compromisso do prefeito João Dória de congelamento da tarifa na sua gestão.

Vale lembrar que cerca de um terço da população paulista não tem acesso a se locomover nem por automóveis, nem por transporte público.

DCM – A privatização é uma pauta de perfil liberal. O prefeito eleito já anunciou que pretende passar à iniciativa privada o autódromo de interlagos, o estádio do Pacaembu e o Anhembi. Qual na sua opinião deve ser o posicionamento dos membros do EPV frente a essas matérias?

FG – A privatização se entendida como um objetivo em si é uma pauta liberal.

Já a social democracia não tem um axioma na discussão privatização versos estatização. Ambos os caminhos são possíveis.

Cada caso é um caso. Da mesma forma que se pode comprovar necessário aumentar em um determinado setor a participação privada, mantendo o papel regulador do Estado através de agências, pode se considerar estratégico em outro aumentar a participação pública.

O PSDB foi responsável por significativas privatizações no Governo FHC, mas criteriosamente, sempre em áreas que a participação do Estado não era sua atividade fim.

Um bom exemplo foi o setor de telefonia, que era estatal, mas atendia apenas uma parcela muito pequena da população. Logo não era público e com a privatização o setor recebeu investimentos e ocorreu uma democratização do acesso.

No que tange especificamente aos equipamentos municipais mencionados, entendo que eventualmente algum tipo de parceria público privada possa ser salutar, como é o caso da manutenção da pista do autódromo, mas sou contrário à privatização.

O Autódromo de Interlagos, além de colocar São Paulo no calendário do turismo desportivo, constitui necessária alternativa de parque para a população da zona Sul.

Destaco a importância imaterial do Pacaembu, sua relevância como equipamento desportivo, e suas possibilidades de uso e incentivo à pratica de esportes amadores. Está presente ali uma finalidade direta do Estado: o apoio à prática desportiva.

O Anhembi é um importante equipamento promotor de turismo de negócios na cidade. Tem um papel estratégico. É verdade que demanda modernização e investimentos, mas isso pode ser resolvido com boa gestão e parcerias. No mínimo seria adequado buscar esse caminho antes de privatizar.

Vale lembrar que no início do Governo FHC, o setor de telefonia fixa somava pouco mais de 13 milhões de usuários. Três anos depois e ainda antes da privatização, com a capacidade de gestão do ministro Sergio Motta, a Telebrás já tinha se tornado uma empresa saudável e eficiente, saltando para mais de 20 milhões de linhas fixas no país e portanto valorizada.

Outro exemplo é o parque do Ibirapuera, que ao que parece será entregue para a administração privada.

Discordo veementemente.

Um parque é essencialmente um espaço de natureza pública. Deve ser administrado com a perspectiva de espaço público.

Achei curioso recentemente um artigo que argumentava que o Parque Central em Nova York é administrado por uma organização social – o artigo só não menciona que essa entidade capta 83% do orçamento do parque.

No Brasil a maioria das OSs capta nada ou muito pouco e faz a administração apenas a partir dos recursos do próprio Estado, e via de regra custa mais caro.

Então qual é a vantagem?

Prefiro apostar na capacidade do prefeito de nomear bons gestores.

DCM – Nas prévias do PSDB, o EPV apoiou Andrea Matarazzo. Como foi a participação do grupo na campanha e o que se pode esperar a partir da posse de Doria, em janeiro? 

FG – Sim, nas previas o EPV deliberou por consenso o apoio ao Andrea Matarazzo. Foi um processo natural, por que ele era uma das lideranças atuantes no movimento e por consequência tinha compromisso com a maioria das nossas pautas.

Uma vez definida a candidatura de João Dória, ela passou a ser a candidatura de todo o partido, de modo que praticamente todos contribuíram, alguns de forma mais direta se integrando as ações da campanha, outros através da campanha dos nossos candidatos a vereador que traziam o nome dele.

Quanto ao novo governo, esperamos que ele faça uma boa gestão, até por que o PSDB é um partido de bons quadros políticos e técnicos que poderão contribuir muito, a começar pelo vice, Bruno Covas.

Sua plataforma tem boas propostas como o fortalecimento das prefeituras regionais, as viradas culturais regionais, o congelamento da tarifa de ônibus e os mutirões habitacionais.

Acima de tudo desejamos que o exemplo de Franco Montoro inspire o futuro prefeito para uma gestão realmente democrática e participativa.

A etimologia de cidade, vem do latim “civitas” que significa “conjunto de cidadãos”, e cidadão, por sua vez, é o sujeito empoderado pelos seus direitos civis e políticos. Ou seja, todo cidadão é um político e a sua cidade o seu espaço político. Não podemos perder essa perspectiva.

DCM – Em relação ao ideário do PT, o EPV está à esquerda, mais ao centro ou à direita?

FG – O EPV ergue três das quatro doutrinas que deram origem ao PSDB: a social democracia, o socialismo democrático e a democracia cristã. Apenas não trazemos conosco as teses dos liberais progressistas.

Ou seja, temos raízes muito próximas as que constituíram o PT. Convergimos na luta pelos direitos humanos, assim como os petistas, os deputados que integram o EPV votaram contra a redução da maioridade penal.

Convergimos também na luta pela justiça social. Um dos nossos maiores orgulhos foi o governo FHC ter realizado a maior reforma agrária da história, ter universalizado o ensino médio no país e implementado o Bolsa Escola.

Mas é preciso destacar que ambos partidos tomaram rumos diferentes: o PT se apresentava como bastião da ética, acima do bem e do mal, mas apostou em um projeto de permanecer no poder a todo custo, e fraturou a sua alma de esquerda.

Lula perdeu o brilho que tinha nos olhos ao se aliar as forças mais reacionárias do país, abraçando Sarney, Collor, coronéis e banqueiros. Surgiu uma triste página da nossa história com a democracia do mensalão seguida pelo petrolão.

Seus militantes assistiram a tudo isso passivamente, inertes, conformados. Mas também perderam muitos quadros que deram assim origem a outros partidos.

O PSDB por sua vez também vive as suas contradições.

Vem se distanciando do seu programa, onde se lê que em um conflito entre o capital e o trabalho, sempre estaremos ao lado dos trabalhadores.

Não foi isso que aconteceu no ano passado na votação da terceirização da atividade fim.

Internamente a bancada estava dividida até o último momento, mas acabou votando majoritariamente pela terceirização e se distanciando do compromisso da social democracia.

Enfim, há uma crise de representação irrestrita, uma desconfiança justificável da sociedade em relação aos partidos políticos que não estão dando conta de serem coerentes sequer consigo mesmos, quanto mais de representarem a sociedade.

Nesse sentido o EPV é um movimento de resistência. Franco Montoro dizia: “Não podemos deixar cair nossas bandeiras”. Mario Covas, por sua vez: “Sou um subversivo em meu partido”.

O EPV representa e resgata esse legado, esse compromisso, aliando as nossas bases doutrinárias a um modo democrático de fazer política, elaborando teses contemporâneas que são construídas em um largo e permanente processo de construção de consensos.

Resultado: se compararmos o programa do EPV ou o programa do PSDB de 1988, ao que foi posto em prática no governo Lula e Dilma, estamos muito à esquerda.

Mas é uma comparação difícil pois não somos uma esquerda populista, somos uma esquerda de valores republicanos.

E isso é muito significativo. Mas apesar das diferenças reconhecemos a importância do PT para as pautas progressistas e sua conexão com os movimentos sociais. Não embarcamos na tese do antipetismo, dos que desejam antidemocraticamente o fim do PT. Ao contrário: seria bom para a política brasileira que eles também tivessem humildade de fazer a autocrítica, de reconhecer perante à sociedade seus erros e se reconectarem com os valores da sua origem.

DCM – A que você atribui a boa votação dos integrantes do EPV na eleição?

FG – Os candidatos que apresentamos são ideologicamente muito consistentes no debate político e levantaram as propostas do movimento. Isso é um fator importante: o engajamento dos militantes do EPV também contribuiu muito, mas o mérito acima de tudo é de cada um deles. Eleição é um processo difícil que exige determinação e sacrifício pessoal.

Importante destacar que 50% de todos os eleitos que integram o EPV são mulheres.

Só em São Paulo, três dos cinco vereadores do EPV são mulheres. Em Piracicaba o EPV estará representado na Câmara pela agora vereadora Nancy Thame, que preside o PSDB Mulher no estado.

Há outras vitórias significativas: em Aguái, com o Alexandre Araújo, eleito com cerca de 77% dos votos.

Nesse segundo turno, nossa maior expectativa é a eleição do deputado Max Filho para a prefeitura de Vila Velha – ES, uma cidade de quase 500 mil habitantes.

DCM – Qual a sua opinião sobre a Câmara que toma posse em janeiro, e o que os paulistanos podem esperar?

FG – Lamentavelmente, a Câmara teve uma renovação de apenas 40%, abaixo do padrão histórico superior a 50%.

São 22 novos vereadores, dos quais quatro já tiveram passagem pela casa. Temos assim apenas 18 parlamentares estreantes. Muito disso se deve a redução do período de campanha de 90 para 45 dias.

O aspecto a ser comemorado é a significativa ampliação da representação feminina, ao contrário do que ocorreu em outras cidades da grande São Paulo.

Na capital todas as cinco vereadoras foram reeleitas e se somaram a elas outras seis.

Ou seja, um total de 20% das cadeiras totais, e 28% das novas cadeiras, o que ainda está muito longe do ideal que seria o equilíbrio.

Aliás, uma ideia interessante e progressista seria uma composição paritária de homens e mulheres na mesa da Câmara.

Outras mudanças de perfil podem ser identificadas na participação de evangélicos que passaram de 8 para 14 muito por conta da considerável vantagem de comunicação com suas comunidades em uma campanha curta. A surpresa foi a bancada da bala: passou a ter apenas um representante.

O PSDB ampliou de 8 para 11 cadeiras e é o principal partido.

O PT perdeu apenas uma cadeira, graças a expressiva votação do Eduardo Suplicy.

Mas analisando friamente, não vejo razões para grandes expectativas dos paulistanos enquanto não tivermos significativas mudanças no sistema eleitoral como a adoção do voto distrital misto e do financiamento público exclusivo de campanha, bandeiras essas que o EPV ajudou a serem aprovadas no último Congresso Estadual do PSDB-SP em 2013.

Só assim reduziríamos essa fragmentação insana de 55 cadeiras distribuídas em 18 partidos políticos, teríamos maior fiscalização e identificação entre eleitor e eleito através do voto distrital, e ampliaríamos a presença de mulheres, negros, jovens, lgbts e defensores de causas através da lista fechada.

Acima de tudo a mensagem para os paulistanos é de que ao invés de esperar por algo, devem se mobilizar e acompanhar de perto o dia a dia do trabalho dos seus representantes. As redes sociais hoje contribuem muito como instrumentos de fiscalização e de pressão popular.