Ciro Gomes se transformou na caricatura de Jair Bolsonaro: bate em Lula e no PT para ocupar espaço na mídia. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 13 de setembro de 2019 às 12:52

Há duas semanas, quando esteve em Fortaleza na Caravana Lula Livre, Fernando Haddad publicou uma foto com Ciro Gomes e comentou: “Revi meu amigo”.

Ciro Gomes devolveu a gentileza de Haddad com uma frase amarga, dita em entrevista que a BBC Brasil está publicando hoje.

“O Haddad é uma fraude cuja origem eu denunciei ancestralmente, porque foi transformado num vice, convidou a Manuela para ser um terceiro não sei de quê de uma candidatura do Lula”, disse ele.

É impossível explicar a frase de Ciro Gomes pela lógica da política — com declarações como esta, ele não conquista apoio entre os 47 milhões de eleitores que votaram em Haddad no segundo turno das eleições de 2019.

Também não ocupa espaço no campo da direita, congestionado pelas candidaturas de Bolsonaro, João Doria e Sergio Moro, além de Luciano Huck, que corre por fora.

O ressentimento explica o comportamento de Ciro Gomes. Mas não só.

Ciro Gomes certamente sabe que a única maneira de conquistar espaço na mídia é dando o que ela quer: uma língua para bater no PT e no seu ex-candidato.

Ciro Gomes não tem mandato, não ocupa cargo público, não preside partido, não tem ocupação profissional conhecida. Na entrevista à BBC, ele disse que é advogado e dá palestras.

Diz que seu partido quer que seja candidato a presidente em 2022. Até lá, toca a vida e, para não ser completamente esquecido, dá entrevista.

E para que ela tenha alguma repercussão, bate no PT. E agora bate abaixo da linha da cintura. Não só contra Haddad, mas contra Lula. O que ele disse:

“O Lula se corrompeu. Desculpa, é doído dizer isso, mas o Lula se corrompeu. Ele virou sabe o quê? Um caudilho sul-americano. É o culto à personalidade. Toda a agenda do país agora é refém do egoísmo do Lula.”

No TRF-4, onde um cartel confirmou a condenação de Moro, a frase de Ciro Gomes deve ter sido recebida com brindes de taça de espumante.

Lá, em janeiro de 2018, se disse algo parecido.

É uma colocação injusta.

Se fosse caudilho, Lula teria se deixado seduzir pela tentação do terceiro mandato em 2010, com a repetição do que Hugo Chavez fez na Venezuela e Evos Morales, na Bolívia.

Se fosse caudilho, Dilma Rousseff não teria sido candidata à reeleição em 2014, já que era grande o número de pessoas que queriam que ele concorresse à presidência.

Aos que o procuravam, inclusive grandes empresários, Lula dizia que só seria candidato se Dilma dissesse que abriria mão da reeleição.

“É direito dela se candidatar”, disse mais de uma vez.

Se fosse caudilho, Lula não teria nomeado adversários ideológicos para o Supremo Tribunal Federal.

Se fosse caudilho, teria feito como Bolsonaro e ignorado a lista tríplice da Associação Nacional da Procuradoria da República para a indicação do chefe do Ministério Público.

Um caudilho não daria autonomia à Polícia Federal.

Lula pode ser criticado por várias razões, inclusive por excesso de republicanismo.

Pode ser criticado também por não ter instituído sob seu governo a tributação sobre lucros e dividendos, como lembra Ciro na entrevista — nesse ponto, ele está certo.

Mas acusá-lo de caudilhismo — ainda que o termo não seja necessariamente pejorativo — é desonesto.

Lula não impôs sua liderança — até porque isso não é possível.

Ele conquistou espaço com uma estratégia inteligente, gestada desde que era líder sindical.

Empenhou-se na fundação de um partido, de uma central de trabalhadores e ocupou espaço gradativamente, crescendo de baixo para cima.

Queria chegar à presidência, como Ciro Gomes, mas se colocou como produto de um projeto coletivo.

É isso que Ciro Gomes e outros políticos profissionais não perdoam: Lula está conectado a raízes sociais como nenhum outro líder no Brasil.

E é por isso que, mesmo preso, continua com apoio no mundo todo e conta ao lado do cárcere com uma vigília que talvez seja a mais longa da história.

Atacar Lula por sua liderança, na tentativa de desqualificá-lo, não levará Ciro Gomes a lugar nenhum.

Ou melhor, a um ponto apenas:

Com esse espaço na mídia, no futuro ele terá de disputar com Jair Bolsonaro o posto de quem xinga mais o ex-presidente, que concluiu seu mandato com índice de aprovação jamais visto no país: 87% de brasileiros consideraram sua gestão ótima ou boa.

Deve ser doído para outros políticos encarar um fato destes.