Se você achava que o caso Antonov era o fundo do poço, a CNN cavou um alçapão. De acordo com uma “reportagem”, um paciente com câncer terminal teve remissão total da doença após tratamento desenvolvido por um brasileiro nos EUA.
Foi resultado da “tecnologia BTT, que consiste na indução de proteínas de choque térmico por meio de aumento da temperatura, de maneira controlada, pelo cérebro”.
A matéria cita o pesquisador brasileiro Marc Abreu, “especialista em termodinâmica cerebral e frequências termorregulatórias formado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)”. Abreu teria apresentado o caso “nesta quarta-feira (26) na 38ª edição do Congresso Anual da Society for Thermal Medicine, em San Diego, nos EUA”.
Na Revista Questão de Ciência, o editor-assistente Cesar Baima aponta que Abreu se declarou capaz de tratar uma série de doenças neurodegenerativas para as quais não existem curas comprovadas, como Alzheimer, Parkinson e esclerose múltipla.
O tal “tratamento BTT” não passa de uma promessa vazia, afirma Baima. “Buscas em bases de dados de publicações médicas não encontram o médico brasileiro como autor de qualquer artigo sobre o tema, tampouco de sucesso no uso de seu suposto mecanismo de ação, as tais proteínas de choque térmico, no tratamento destas doenças”, diz.
“Também chama a atenção na apresentação de Abreu na reunião anual da Sociedade de Medicina Termal americana seus supostos colegas na pesquisa. Identificados como os também médicos David G. Silverman e Victor H. Spitz, ambos aparecem como afiliados à Escola de Medicina da Universidade de Yale, uma das mais prestigiadas dos EUA. Mas enquanto o primeiro de fato consta do diretório da instituição como professor emérito de seu Departamento de Anestesiologia, o segundo não é mencionado em nenhuma página ou documento da universidade”.
“Buscas pelos nomes de ambos em bases de dados de publicações médicas também não retornam nenhuma pesquisa ou publicação relacionada a tratamentos de câncer, proteínas de choque térmico ou hipertermia, sendo que Spitz novamente sequer aparece como autor de qualquer estudo. Embora não seja o caso agora, Abreu é muitas vezes apresentado como ‘pesquisador da Universidade de Yale’. O que ele de fato foi no início dos anos 2000, mas atualmente a instituição nega qualquer vinculação com o médico brasileiro, ou ter qualquer informação sobre seu paradeiro e atuação”, prossegue.
Nas redes sociais, o oncologista Bruno Filardi também dissecou a cascata da CNN. “A quantidade de desinformação assusta”, escreveu. “Numa população sempre haverá público para os picaretas. Sempre haverá quem embarca num esquema de pirâmide financeira e sempre haverá o golpista”.
A farmacêutica Laura Marise, sobrevivente de câncer, pesquisou sobre o “tratamento” e constatou que ele tem 20 anos. “Nada de publicação provando os resultados? Já dá pra bater o martelo que não se trata de algo com fundamentação científica”, diz.
“Prometer curar todo tipo de doenças e males usando uma mesma substância ou procedimento, sejam óleo de cobra, toques de mãos ou pílulas de açúcar embebidas em soluções “potencializadas” pela diluição infinita, é uma característica comum do charlatanismo”, alerta Baima.
E a busca trouxe um total de ZERO artigos sobre o assunto
20 anos de "descoberta" e nada de publicação provando os resultados?
Já dá pra bater o martelo que não se trata de algo com fundamentação científica pic.twitter.com/kFHimtDmAS
— Laura Marise 🧁 (@lauramarise) April 28, 2023
Ricardo Amorim (influenciador com milhões de seguidores) replicou “notícia” da CNN atribuindo cura de câncer terminal a um método criado por brasileiro.
A quantidade de desinformação assusta. Em 10min de pesquisa fica claro o absurdo.
1 – ele não consta como integrante de Yale pic.twitter.com/lzSntOCPCB
— Bruno Filardi (@mab_sp125) April 28, 2023