Com Lula preso, esquerda rachada perde rumo e o bonde da história. Por Ricardo Kotscho

Atualizado em 23 de julho de 2018 às 16:39
Pré-candidatos e candidatos de esquerda e centro-esquerda: Boulos, Ciro, Lula e Manuela. Foto: Divulgação/Fotos Públicas/Reprodução/YouTube

Publicado no Balaio do Kotscho

POR RICARDO KOTSCHO, jornalista

Em fevereiro deste ano, as fundações de estudos políticos do PT, PDT, PSOL, PCdoB e PSB lançaram um manifesto propondo a formação de uma frente de esquerda em torno de programa mínimo comum.

O tempo passou e, de lá para cá, nada aconteceu. Cada um tomou seu rumo, cada vez mais distante um do outro.

Com Lula preso há mais de cem dias e o PT se recusando a discutir qualquer outra opção de candidato comum, não havia acordo possível para a formação de uma frente.

Do outro lado, a direita, também dividida, não conseguia encontrar um candidato competitivo para enfrentar a esquerda e o outsider Jair Bolsonaro, da extrema-direita de manicômio.

Na semana passada, tudo mudou. De uma hora para outra, percebendo o perigo, a direita se uniu em torno do tucano Geraldo Alckmin, que venceu o leilão do Centrão de Michel Temer e Eduardo Cunha.

Numa só tacada, Alckmin fez strike:  isolou Bolsonaro e Ciro Gomes, o candidato mais bem colocado da esquerda.

Ambos vinham cortejando os partidos fisiológicos em busca de alianças para aumentar seu tempo de televisão.

E a esquerda o que fez? Nada, nenhum movimento para reagir à ofensiva da direita unida.

Sem nenhum partido aliado e sem vice, Ciro se lançou oficialmente numa convenção esvaziada, em que procurou dar um cavalo de pau para a esquerda, depois de fracassar na guinada à direita.

Guilherme Boulos, do PSOL, o jovem líder do Movimento dos Sem Teto (MST), também foi lançado no fim de semana, mesmo não tendo nenhuma chance eleitoral, só para marcar posição.

Ao mesmo tempo, o Comitê Central do PCdoB, reunido no domingo, reiterou a manutenção da candidatura de Manuela D´Ávila, também só para marcar posição.

Único partido a ainda insistir na formação de uma frente de esquerda, o PCdoB conclamou os demais partidos a “construírem a unidade, já no primeiro turno, para vencer as eleições, derrotar a agenda neoliberal e neocolonial de Alckmin, Temer e Bolsonaro e retirar o Brasil da crise”.

Muito bonito, mas agora é tarde. Acabou o tempo para construir essa unidade da esquerda.

Já avisando que o PT “irá com Lula até onde der”, e repetindo que não há qualquer outro plano, Fernando Haddad anunciou o programa de governo do PT.

Entre os principais pontos, Haddad destacou que o partido irá atacar como prioridade a concentração dos meios de comunicação (leia-se Grupo Globo) e do sistema bancário, para mudar o perfil tributário do país, aliviando a carga sobre os pobres e cobrando mais dos ricos. Nada de novo.

Em resumo: os outros partidos de esquerda têm candidatos sem programa, apenas algumas vagas ideias e o PT continua sem candidato.

Esquecem-se todos que só faltam 76 dias para as eleições e o prazo para o registro de coligações termina no dia 15 de agosto.

E a campanha na televisão foi reduzida este ano para apenas 35 dias.

Sobra muito pouco tempo para o PT tornar competitivo um candidato capaz de herdar os votos de Lula, que não abre mão da sua candidatura e continua empenhado mais no front jurídico do que no político.

Desta forma, o PT também não conseguiu fechar nenhuma aliança até agora nem se mostra disposto a bancar nenhuma candidatura de outro partido.

Sem esperanças de conseguir o apoio do PT e sem fechar com o PSB, que deverá se manter neutro na eleição, Ciro ficou falando sozinho.

Em resumo: a esquerda desunida está entregando de bandeja a eleição para a direita unida e perdendo o bonde da história.

Depois de chegar ao poder em 2003, liderando uma frente de centro-esquerda, e ser derrubado pela ampla aliança golpista em 2016, o PT corre o risco de pela primeira vez ficar de fora do segundo turno.

Do jeito que as coisas andam, não será impossível que o segundo turno seja disputado entre a direita e a extrema direita como aconteceu na França de Macron.

Agora que a direita encontrou um candidato, pelo menos já não corremos o risco de melarem as eleições de outubro.

Mas, em compensação, poderemos ter apenas a continuidade do governo de Michel Temer, sem Temer.

Vida que segue.