Como a polícia chegou ao militante de extrema direita que atacou o Porta dos Fundos

Atualizado em 31 de dezembro de 2019 às 13:45
Polícia apreendeu um simulacro de arma, camiseta da Accale, dinheiro e livros na casa de Fauzi (à dir.), que está foragido | Foto: Divulgação/Leonardo Coelho/Ponte Jornalismo

Publicado originalmente no site Ponte Jornalismo

POR LEONARDO COELHO

A Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro identificou um suspeito de participar do ataque com coquetéis molotov à sede da produtora Portas dos Fundos, na véspera de Natal, dia 24 de dezembro. Trata-se de Eduardo Fauzi Richard Cerquize, presidente da FIB (Frente Integralista Brasileira) do Rio de Janeiro e que também é liderança da Accale (Associação Cívica e Cultural Arcy Lopes Estrella), grupo de extrema direita ligado ao movimento neointegralista brasileiro. Fauzi é filiado regular do PSL, ex-partido do presidente Jair Bolsonaro, atualmente sem partido.

Na manhã desta terça-feira (31/12), a polícia realizou uma operação para cumprir mandados de busca e apreensão na casa de Fauzi. Foram apreendidos R$ 119 mil em dinheiro, um simulacro de arma, munição, camisa de “entidade filosófico-política”, como definiu a corporação sobre a camiseta da Accale, livros e computadores. O acusado ainda está sendo procurado e é considerado foragido.

O ataque foi reivindicado pelo grupo Comando de Insurgência Popular Nacionalista que agiu, segundo vídeo postado nas redes sociais, por conta do especial de Natal feito pela produtora e disponível na Netflix, intitulado “A primeira tentação de Cristo“, que retrata Jesus Cristo (Gregório Duvivier) como um gay que namora Orlando (Fábio Porchat).

“Eles se utilizaram de dois veículos no ataque ao Porta dos Fundos. O [Eduardo] Fauzi, após o ataque, saiu de carro e, posteriormente, saiu a pé e nós conseguimos observá-lo ao entrar em um táxi. Nós conseguimos averiguar o taxista, que confirmou”, explicou o delegado Marco Aurélio Ribeiro. Segundo ele, a apuração segue aberta. “Ao longo das investigações iremos apurar se foi um ato isolado de pessoas ou se há ligações com associações, etc”, prosseguiu.

Vídeos divulgados pela Polícia Civil mostram um veículo modelo Ford Ecosport chegando na região do Humaitá, bairro na zona sul do Rio de Janeiro, onde fica a sede da produtora. Em outra imagem, um homem, que seria Fauzi, segundo a Civil, vira a esquina e o mesmo veículo parte. Por fim, a polícia divulgou imagens das molotovs atingindo o prédio do Porta. No entanto, não explicou se imagens da rua flagram o momento exato em que acontece o ataque e o suspeito. A Civil ainda não tem a confirmação expressa de que Fauzi jogou os coquetéis molotovs ou outra pessoa o fez, mas confirma sua participação no ataque.

O delegado solicitou e a Justiça acatou prisão temporária por 30 dias de Fauzi, que não foi encontrado em seus endereços. “Ele está sendo investigado por tentativa de homicídio e crime de explosão”, detalhou Ribeiro, antes de traçar um perfil do homem. “A investigação está muito no início, mas ele é uma pessoa violenta que responde por outros crimes. O Eduardo tem um perfil violento, antagônico. Tem livros relacionados à religião cristã, muçulmana e é muito interessado na Rússia”, explica o delegado.

Ataque à UniRio

O Comando, que reivindicou o ataque, é o mesmo grupo responsável por atacar a UniRio em 2018, quando roubou e queimou bandeiras antifascistas postas em frente à universidade de Direito. No dia 25 de novembro de 2019, Fauzi revelou em postagem feita na rede social Facebook que os responsáveis pelo roubo das bandeiras expostas na universidade eram, em parte, alunos – e até um docente – da própria instituição.

Grupo integralista retirou bandeiras antifascistas da fachada da faculdade de Direito | Foto: Reprodução

A informação foi divulgada por Eduardo Fauzi, um participante ativo da associação no Rio de Janeiro e apontado como liderança da cena. Ele respondeu uma postagem da página Ala Esquerda, que discutia a emergência sobre ações de novos agentes da ultradireita nacional, dentre os quais a própria Accale. Fauzi postou uma imagem e mensagem confirmando a presença de membros do grupo na universidade.

“Essa foto é de um círculo integralista que realizou uma ação direta na UniRio, a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, e é, em boa parte, composta por alunos, e por um professor, que preferiram não serem identificados por conta do viés marxista da reitoria e da decania da Faculdade de Direito, de onde eles vem (em sua maioria)”, escreveu o homem.

Fauzi se referia ao roubo das bandeiras antifacistas que estavam na fachada do prédio da faculdade de Direito, ocorrido em 30 de novembro de 2018. Na ocasião, a Ponte esteve no campus da Universidade e conversou com membros do corpo docente e discente, que confirmaram o ataque. Nenhum dos entrevistados quis se identificar com medo de represálias. Segundo um caderno de registros da segurança do campus, disponibilizada nas redes pelo Diretório Acadêmico de Administração Pública, o roubo ocorreu no meio da tarde do dia 30 de novembro, às 16h08.

Pelo relato, um grupo de três pessoas chegou ao campus e um deles, identificado como subtenente da área, solicitou a retirada das faixas. Quando um dos seguranças deixou a entrada da instituição para informar o decano, professor Benedito Adeodato, os homens teriam arrancado as faixas e deixado o campus às pressas. “Os seguranças têm mais detalhes, mas estão com medo de falar”, disse, à época, uma professora ouvida pela reportagem.

O grupo age baseado em uma doutrina de extrema direita, cujos fundamentos são o nacionalismo, a defesa de valores tradicionais, a religião e é ligado ao fascismo e nazismo na época da Segunda Guerra Mundial. Na época, 11 integrantes fizeram um vídeo vestindo camiseta preta com a bandeira do Brasil no peito e faziam a saudação Anauê, símbolo dos integralistas da década de 1940 e similar ao que os nazistas alemães se direcionava a Adolf Hitler.

Segundo o delegado Ribeiro, as investigações deste crime estão sob responsabilidade da Polícia Federal e não fez ligações entre os dois ataques. Sobre Fauzi ser uma liderança de extrema direita, adotou cautela. “Nós temos a confirmação de que ele participou de eventos da Accale, mas se ele é membro, etc, nós ainda iremos verificar”, afirmou.

Comentário de Fauzi sobre ação de integralistas na UniRio | Foto: Reprodução/Facebook

No dia 10 de dezembro de 2018 começou a circular um vídeo que mostra 11 homens mascarados dispostos com camisas pretas e bandeiras do Brasil na região do peito. Ao final, os membros do grupo fazem a saudação “Anauê”, símbolo dos integralistas e similar ao que os nazistas alemães se direcionava a Adolf Hitler. Em meio a discursos de ódio, o grupo vandaliza as três flâmulas com pisões e chutes, terminando por incendiá-las.

A foto postada por Fauzi no último dia 25 de novembro de 2019 faz parte justamente do frame desse vídeo propaganda divulgado pelos autoproclamados responsáveis pelo ataque à UniRio, que se autointitularam como Comando de Insurgência Popular Nacionalista e que fariam parte de uma corrente integralista.

A fala dessa liderança da Accale abre espaço para que se questione inclusive se membros do grupo que roubou as bandeiras estão envolvidos no recente atentado ao estúdio do grupo de comédia Porta dos Fundos, ocorrido no último dia 24 de dezembro e divulgado de maneira similar por um grupo de mesmo nome.

Após o ataque, feito com coquetéis molotov durante a madrugada, um vídeo começou a ser divulgado, nomeando os responsáveis também como parte do mesmo autointitulado Comando de Insurgência Popular Nacionalista.

Segundo o site “Notícias do Sigma”, que lista os portais integralistas existentes no Brasil, Eduardo Fauzi alcançou a liderança da seção fluminense da FIB em 2018. A associação, contudo, nega que ele seja liderança formal. “A função do Eduardo Fauzi é de um participante ativo”, disse o grupo à Ponte. “Mas podemos afirmar que ele e nem ninguém é ‘presidente’ da Accale, pois não adotamos esse formato”, prossegue.

Fauzi, contudo, é conhecido também da imprensa carioca. Em novembro de 2013 ele agrediu o secretário de ordem pública Alex Costa. Ele foi condenado em 2019 a quatro anos de prisão, mas recorreu.

A Ponte tentou contatar Eduardo Fauzi através de seu e-mail e através de seu perfil pessoal no Facebook, mas ele apagou seu perfil no dia 27/12. As perguntas mandadas pela reportagem foram mandadas diretamente para o seu Instagram pessoal. Até a publicação desta reportagem não recebemos resposta para as seguintes perguntas:

  • Você confirma autoria do que você escreveu no seguinte link?
  • Você conhece os membros desse círculo? Quem são eles?
  • Quem é o professor da UniRio que faz parte desse grupo?
  • Você faz parte do círculo integralista que você cita na postagem?
  • Esse círculo na foto que você postou é o intitulado Comando de Insurgência Popular Nacionalista?
  • Você conhece o Comando de Insurgência Popular Nacionalista? Como ele funciona?
  • Uma vez que foi praticado um crime ao roubar as bandeiras, você compartilhou o que você sabia para a Polícia Federal, que investigava o caso?
  • Você tem conhecimento de membros desse grupo de alunos da UNIRIO que tenha participado do ataque ao Porta dos Fundos no último dia 24 de dezembro de 2019?

A Associação Cívica e Cultural Arcy Lopes Estrella, por sua vez, divulgou no dia 26/12 uma not em que desmente qualquer relação da Accale com o caso. “Como muitos já sabem, circula pela internet um estranho vídeo em que três homens encapuzados, supostamente Integralistas, reivindicam a autoria do ataque à sede da empresa Porta dos Fundos. Informamos que não temos, em absoluto, nenhuma relação com o ocorrido”, garante.

Conhecida por atos como queimar bandeiras comunistas e promoverem sessões de pisoteamento destas flâmulas, a associação foi procurada para repercutir a fala de Eduardo Fauzi, uma de seus participantes mais ativos. A reportagem mandou as perguntas também para a página da Accale no Facebook, uma vez que não há e-mail disponível.

A associação respondeu à Ponte durante a madrugada do dia 28, reiterando que a Accale não têm ligação com o grupo que assumiu o atentado ao Porta dos Fundos.

A Polícia Civil do Rio de Janeiro foi procurada para averiguar se ela está investigando membros da Accale e se ela já averiguou a veracidade dos vídeos como sendo de autoria do grupo integralista. A PCERJ disse em nota que não comenta casos em sigilo, mas afirmou ao jornal “O Globo” que ainda que a FIB tenha negado a autoria, o delegado não descartou que os agressores façam parte de um grupo independente, formado por pessoas com perfil parecido, que tenha simpatia pela organização política integralista.