Como meu pai me norteia nas discussões com outros jornalistas

Atualizado em 15 de janeiro de 2013 às 10:24

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Poucas coisas me incomodam tanto quanto desonestidade intelectual numa discussão.

Lembro sempre uma passagem de meu pai. Ele estava debatendo com o candidato da chapa oposta – Rui Falcão – à presidência do Sindicato dos Jornalistas, em 1980. O palco era a Assembléia Legislativa de São Paulo, lotada.

Eram tempos nervosos no país. Os sindicatos eram importantes. Faziam pressão pelo fim da ditadura militar, liderados pelos metalúrgicos do ABC, à frente dos quais já se destacava o jovem Lula.

Meu pai respondeu a uma pergunta.

Um integrante da chapa adversária, Zé Américo, posteriormente deputado pelo PT, pediu então a palavra. “O companheiro Emir blablablá blablablá …” Ele foi lentamente distorcendo o que meu pai dissera.

Na platéia, eu senti uma imensa raiva. Teria talvez chamado Zé Américo para a briga, se as circunstâncias fossem mais favoráveis para o pugilato. Confesso que teria gostado de sentir o contato de minha mão com o rosto sorridente de Zé Américo.

Meu pai, um cigarro entre os dedos amarelados pela nicotina, esperou pacientemente que Zé Américo terminasse de falar. Depois, olhou por instantes para baixo, como era seu hábito, e respondeu em sua voz clara, precisa. Papai falava como se lesse um texto muito bem escrito. Dominava, como raras vezes vi em alguém, a palavra escrita e falada.

“Eu já pago um alto preço pelas bobagens que falo, Zé Américo. Não posso também pagar pelas bobagens que você diz que eu falo.”

Tenho para mim que papai ganhou as eleições naquele momento.  Recebeu aplausos de pé.

Enfrentei discussões com jornalistas mais de uma vez na minha carreira. Não que eu goste delas, mas elas fazem parte da carreira quando você não se esconde. Fiel ao que aprendi com meu pai, sempre fiquei no limite das idéias. Jamais torci palavras, inventei situações ou apelei para coisas pessoais.

Lembrei disso tudo porque nestes dias um daqueles meus leitores que adoram me odiar – lêem cada texto que escrevo apenas para poder se encher de raiva – teve uma atitude intelectualmente desonesta num pequeno debate travado no Facebook.

Eu postei um texto de Noam Chomsky que critica a execução sumária de bin Laden. Meu leitor, para me contestar, disse que o “gorro andino” que uso na foto deste blog não é elegante. Que Londres não é o centro do mundo, como se eu tivesse dito que é. E que eu estava fazendo “apologia do terrorismo” ao dizer que bin Laden foi fruto de circunstâncias – a política predatória dos Estados Unidos no Oriente Médio.  Isso depois de eu haver dito que o terrorismo, tal como exercido por bin Laden,  é “indefensável”.

Ora.

Papai, com mamãe e os três filhos mais velhos

Eça de Queiroz tinha uma frase muito boa. Certas coisas são fruto, dizia ele, ou da “obtusidade córnea ou da má fé cínica”. Eu diria que às vezes há uma conjunção das duas coisas.

Me pareceu este o caso do leitor desagradável que invadiu meu espaço no Facebook. É como alguém que entra sem ser chamado na sala de sua casa e se sente no direito de gritar com você. Ora. Cadê, antes que tudo, os bons modos?

Não é a primeira vez que enfrento isso, e nem será a última. Lembro que, uma vez, Reinaldo de Azevedo escreveu que eu era a favor da Record – e consequentemente contra a Globo, para a qual eu trabalhava na  área das revistas – porque eu incluíra na lista das 100 pessoas mais influentes do Brasil o bispo Edir Macedo.

Reinaldo de Azevedo – que curiosamente eu cogitara colocar na lista – estava fazendo a defesa, não sei por que, de Diogo Mainardi.  Mainardi fora listado, mas não gostou do que eu escrevi sobre ele,sobretudo quando avaliei seu estilo como precário, e conseguiu fazer uma coluna toda sobre mim para tentar mostrar que não ligara para o que eu falava e, mais que isso, como ele era mais importante que eu. Claro que Mainardi desrespeitou o limite do debate de idéias para invadir o campo pessoal. Sem saber que a informação já era de domínio público, revelou em seu artigo que eu era Fabio Hernandez.

Gosto de saber que, nas discussões que tive, sempre honrei meu pai. Jamais recorri a coisas pessoais. Fiquei no plano estrito das idéias. Não falei em roupa, não falei em peso, não falei em cabelo, não falei em orientação sexual. Nada. Idéias, apenas.

Não posso dizer que recebi o mesmo.

Numa briga com Juca Kfouri, por exemplo. Eu criticara, num artigo na Vip, sua obsessão com cartolas, e a influência que em determinado momento isso tivera sobre a imprensa esportiva. Ele retrucou, em sua coluna na Folha, dizendo que meu pai “se envergonharia” de mim se estivesse vivo. Falou de meu cabelo, também. Eu o raspara, e ele dizia que isso me dava ares fajutos de enfant terrible. Numa falsificação grosseira da verdade, me acusara de ser a “favor” dos cartolas porque ousara criticar a ele, Juca.

Nestes momentos, lembro sempre da frase sábia com que mei pai, de improviso, levantou a platéia na Assembléia Legislativa.

Já pago um preço alto pelas bobagens que digo. Não posso pagar também pelas bobagens que dizem que digo.