Como o gabinete do ódio atuou para “limpar” o gesto supremacista de Filipe Martins. Por Zambarda

Atualizado em 3 de abril de 2021 às 10:38
Filipe G. Martins é protegido pelas redes extremistas de Bolsonaro. Foto: Reprodução/Twitter

A audiência pública na Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, que teve a presença do então chanceler Ernesto Araújo como convidado, tornou-se notícia com o assessor internacional do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), Filipe G. Martins, fazendo um gesto de supremacistas brancos dos Estados Unidos.

O “ok” dos extremistas americanos ganhou manchetes dos jornais no dia 24 de março, uma quarta-feira.

O gesto foi uma ação tipo “dog whistle”, ou “apito de cachorro”. É parte da estratégia da extrema direita de saudar e se comunicar com seus apoiadores, reforçando ideias racistas, preconceituosas e xenófobas. E é natural que Filipe G. Martins, especialmente ele, faça esse gesto.

Martins conhece Olavo de Carvalho desde seus 17 anos, quando foi aluno de seu “curso”. Graças à ponte que ele ganhou nos Estados Unidos com o guru, aproximou Eduardo Bolsonaro de Steve Bannon, o ex-estrategista de Donald Trump. O aluno de Olavo conheceu também o empresário Otávio Fakhoury. Os envolvidos aproximaram Olavo de Carvalho em uma palestra com um “especialista em estratégias marxistas” chamado Jeffrey Nyquist em Nova York, no ano de 2017, com o próprio Jair Bolsonaro.

As atividades de Filipe G. Martins na campanha garantiram-lhe o cargo de assessor especial no novo governo. E ele estava ali no Senado para defender Ernesto Araújo, o então chanceler que espalha as teorias de conspiração que ele acredita nas Relações Exteriores – com ataques à China, ao globalismo e ao que eles definem como “comunismo”.

Mesmo incitando os grupos extremistas em redes como Twitter e Facebook com o gesto, o apito de Martins não deu certo: Araújo foi exonerado no dia 29 de março e ele mesmo quase perdeu o emprego.

Assim como o gesto “dog whistle” serviu para atiçar as redes bolsonaristas, esse mesmo grupo tratou de protegê-lo no Twitter atacando a própria direita.

Articulação para reduzir a repercussão

Enquanto o gesto de Martins ganhava a capa de jornais e telejornais, incluindo a própria Globo, o chamado “gabinete do ódio” se organizou para tentar esvaziar o gesto de significado.

Desde maio de 2020, o DCM publica reportagens sobre a rede bolsonarista de ataques no Twitter utilizando um documento de 124 páginas enviado para CPMI das Fake News. O organograma do arquivo elenca alguns dos atores que agem favoravelmente ao governo Bolsonaro, espalhando teorias da conspiração, negacionismo científico na pandemia, entre outros temas.

O organograma que está com a CPMI das Fake News. Foto: Reprodução

Um dos personagens dessa rede chama-se “Leitadas de Loen”. Ele é próximo de outro perfil anônimo chamado Let’s Dex. Os dois organizam e repercutem muitos dos ataques, hoje representando mais deputados como Eduardo Bolsonaro, a nível federal, e Gil Diniz, o Carteiro Reaça, em São Paulo.

Leitadas não é o mesmo perfil conhecido como “l0en” – esse último é o publicitário Leonardo Oliveira, que apoiou Bolsonaro na campanha ao lado de figuras como o falecido Ênio Mainardi, o pai de Diogo Mainardi do Antagonista. O Leitadas de Loen surgiu dos memes e da repercussão do próprio l0en nas redes sociais. É uma conta que faz trollagens na rede, executa ataques no Twitter e cumpre atividades específicas.

E o alvo, dessa vez, foram figuras da própria direita. Especialmente a direita que hoje se alinha ao Doria e ao MBL e não aos extremistas de Bolsonaro.

No dia 27 de março, Fakhoury, fiel a Bolsonaro, postou o seguinte tuíte:

“A marida do Verdevaldo [o marido de Glenn Greenwald, o deputado do PSOL David Miranda], sem querer ou querendo, acaba de escancarar a estratégia da esquerda: primeiro pressionam o presidente Jair Bolsonaro a legitimar as acusações contra Filipe G. Martins, demitindo-o, para depois promoverem o impeachment dele utilizando o mesmo elemento. JB não pode cair nessa!”.

Leitadas endossou o post e escreveu o seguinte:

“É bem isso mesmo. Apesar de eu achar que o Bolsonaro deve ter achado que era referencia a Cu nesse video kkkkkkkkkk”.

O jornalista Guga Noblat postou o seguinte no Twitter no dia 31 de março:

“Gabinete do Ódio tá pistolinha comigo. Filipe Martins espalhando uma imagem de vídeo meu no exato momento que minha mão lembra o gesto supremacista que ele fez no Senado. E post curtido pelo Tercio Arnaud, o assessor pago com dinheiro público para atacar críticos do governo”.

O chargista de direita André Guedes endossou Guga na rede social:

“Eu duvido acharem uma foto de qualquer pessoa no mundo ajeitando a lapela daquela maneira”.

Leitadas postou uma imagem do humorista Danilo Gentili, de direita e próximo do MBL, arrumando a gravata e insinuando que o gesto de Martins não tinha nada a ver com supremacistas brancos. Publicou a mensagem rindo no dia primeiro de abril.

O que esse perfil anônimo fez é o que se chama de “tática troll”. Eles tentam afirmar que não existiu o gesto de extrema direita de Filipe G. Martins, acusando a esquerda (ou a “nova esquerda” do direitista Gentili) de fazer teoria da conspiração, de mentir e de fazer paranoia com o assunto para prejudicar o governo federal.

O que é a trollagem dos apoiadores de Bolsonaro?

Rodrigo Nunes, professor de Filosofia Moderna e Contemporânea na PUC-Rio, deu uma definição objetiva para a tática troll em uma entrevista para a BBC Brasil.

“Você perguntava para as pessoas qual era o atrativo dele e a conversa era sempre ‘Ah, ele fala o que todo mundo pensa’. Aí você apontava para alguma coisa que ele tinha dito, dizia que era grave, e recebia como resposta: ‘Ah não, mas ele está só brincando’. Ou seja, é a figura que ao mesmo tempo fala o que todo mundo está pensando e está só brincando, a figura do troll, justamente, que está sempre nesse jogo dúbio, entre o que é brincadeira e o que é sério”, ele resume.

“Ele [o troll, que pode ser Bolsonaro ou seus apoiadores] está sempre introduzindo temas que são ‘polêmicos’ — que na verdade são comentários racistas, homofóbicos ou machistas etc. —, e a reação [de indignação] provocada atrai atenção para ele, lhe dá visibilidade”.

Nunes é autor do livro ‘Organisation of the Organisationless: Collective Action after Networks’ (“Organização dos sem organização, ação coletiva após as redes”, em tradução livre) e rebate, em parte, a teoria de que declarações controversas de membros do governo Bolsonaro sejam tentativa de criar uma “cortina de fumaça” para ocultar ações do Planalto.

“Pelo contrário, esse tipo de declaração, que pode parecer meio absurda, meio ridícula, é exatamente o que mantém esses 15% do núcleo duro do bolsonarismo fidelizados. Eles querem justamente um presidente e ministros que estejam dando declarações desse tipo, que estejam fazendo piadas homofóbicas, dando declarações sexistas etc. Isso faz parte da identificação deles e não é absolutamente acidental. A identidade do bolsonarismo se constrói aí”.

Com essas definições, isso permite entender porque Filipe G. Martins fez o gesto, como uma pressão contra as críticas que provocaram a demissão de Ernesto Araújo que existiram no Senado. Depois da repercussão negativa, um perfil anônimo que tem milhares de seguidores, já foi banido do Twitter algumas vezes e é próximo de Eduardo Bolsonaro, tenta esvaziar sua mensagem de extrema direita.

E faz esse tipo de tática atacando um dos alvos favoritos dos bolsonaristas: Danilo Gentili.

Importante notar um detalhe no post do Leitadas de Loen. O próprio Filipe G. Martins o retuitou, conforme print acima.

De onde vem o gesto de Filipe G. Martins?

O gesto feito por Filipe G. Martins foi classificado como “expressão da supremacia branca” por uma organização dos EUA que monitora crimes de ódio, a Liga Antidifamação (ADL, na sigla em inglês).

É um sinal de “OK” com os dedos para baixo. Esse gesto é classificado como uma tática para a “extrema direita” enviar uma “mensagem codificada”, segundo Paul Stocker, historiador especializado em movimentos de extrema direita. Em entrevista à Radio 1 Newsbeat, da BBC, esse pesquisador explicou ser comum a apropriação de sinais conhecidos por grupos extremistas para distorcer o significado: “O processo de encontrar símbolos acelerou com a extrema-direita. Eles operam principalmente online e usam linguagem codificada e memes que podem parecer inócuos, mas se você pesquisar, têm significado”.

Ele se dá, portanto, dentro do contexto de tática troll de internet. Martins nega a ligação do gesto com a extrema direita e se declarou como judeu.  Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, decidiu iniciar o procedimento de investigação do ocorrido. O gesto, feito durante sessão plenária da qual participava o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, provocou diversos protestos dos senadores presentes e nas redes sociais.

Enquanto isso, no Twitter, os memes e os virais das redes bolsonaristas com gestos extremistas de grupos similares aos dos Estados Unidos mantém a base fiel de Bolsonaro – mesmo em uma pandemia com mais de 320 mil mortos.