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Como um comediante e ex-drogado se tornou uma das vozes mais instigantes da política

 

Russell Brand.

Conhece?

Brand é um comediante inglês com um passado complicado de sexo, drogas e rock’n’roll. Foi viciado em tudo, passou por vários rehabs, casou com a cantora pop Katy Perry, terminou com ela por mensagem de texto, atuou em alguns filmes, gravou algumas canções.

Brand está sendo chamado de Beppe Grillo britânico. Poderia ser uma espécie de Lobão, só que bem equipado intelectualmente e realmente anti-establishment. Realmente.

Na festa do “Homem do Ano” da revista GQ, Brand subiu ao palco para receber o prêmio de “Oráculo”. Nos agradecimentos, deu primeiro uma cacetada no prefeito de Londres, Boris Johnson, por apoiar um ataque à Síria. Estendeu o cumprimento à GQ, que agora pode ficar feliz por “representar genocidas”. Em seguida, apontando para o patrocinador do evento atrás dele — a Hugo Boss –, mandou bala: “Queria lembrar que a Hugo Boss fez os uniformes dos nazistas. Aliás, eles ficavam fodidamente fantásticos neles”. Saiu dando passos de ganso como um oficial da SS.

Foi expulso do coquetel pelo editor. Afinal, a Hugo Boss colocou 250 mil libras naquilo.Num excelente artigo para o jornal The Guardian, explicando suas razões, Brand escreveu sobre todo o fausto, o tapete vermelho, as moças bonitas e inertes enfeitando o ambiente, a falsidade generalizada. “Eu não quero passar por algum tipo de Francisco de Assis ou homem do povo, mas eu simplesmente não acreditava naquilo. É diversão fabricada. Uma visão que pessoas caretas têm do que acham que é bacana”.

Quem saiu queimado não foi ele. Aliás, o contrário. Virou um voz ativa e lúcida. Sua turnê, claro, está lotada.

Numa entrevista para a BBC, o entrevistador Jeremy Paxman tentou transformá-lo num tolo. Com um ar esnobe, exalando superioridade, quis ridicularizar Brand e seu discurso. Tomou um nó. Um dos vídeos da conversa tinha no YouTube mais de 2 milhões de views.

Brand falou que nunca votou. Que não acredita em políticos. Da importância de movimentos como o Occupy Wall Street. Dos paraísos fiscais das corporações. E de uma revolução. “Mas para fazer o quê?”, perguntou Paxman, irônico.

“Uma revolução socialista, em nome de um sistema igualitário, baseada na dignidade. Estou pedindo uma mudança, uma alternativa genuína. O planeta está sendo destruído, estamos explorando os pobres pelo mundo, enquanto os problemas importantes não estão sendo resolvidos. Vai haver uma revolução, não tenho qualquer dúvida”, disse.

Brand é inteligente e corajoso. Não será mais convidado para os convescotes da GQ, mas sabe que não precisa da chancela de uma publicação de moda. Tem um estilo febril e sem um dedo de cinismo. Pode ser ingênuo às vezes. Burro, jamais. É agressivo e assertivo, mas longe da cafajestice fácil do que se convencionou chamar politicamente incorreto.

É inimaginável algo parecido aqui. Alguém que suba no palco do “Criança Esperança” e faça uma piada com a champanhe da Xuxa e o destino da grana que está sendo arrecadada. Numa paisagem de famosos idiotas cuja preocupação é lamber o saco do poder, Brand sobra. Se eu fosse você, prestaria atenção nele.

Kiko Nogueira

Diretor do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.

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Kiko Nogueira

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