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Corte no Bolsa Família pode estagnar ainda mais economia nas periferias, diz economista

Publicado no Sputnik

Bolsa Família

Criado há 15 anos, o programa Bolsa-Família volta a ter filas de espera para quem deseja receber o benefício, sofre ameaças de corte e causa apreensão em quem depende dele para pagar as contas.

A informação de que o programa Bolsa-Família voltou a ter filas foi dada pelo ministro Osmar Terra (Cidadania) a integrantes da CMO (Comissão Mista de Orçamento) do Congresso durante reunião ocorrida em setembro deste ano. As filas para entrar no programa não eram registradas desde 2017.

“Conseguimos terminar com a fila. Agora está voltando a fila de novo em função da nossa dificuldade orçamentária”, disse o ministro. A fila de espera se forma quando as respostas demoram mais de 45 dias.

Até agosto deste ano foram gastos em média R$ 2,6 bilhões por mês no Bolsa-Família. Se esse ritmo for mantido, o montante de R$ 29,5 bilhões reservado pode não ser suficiente até o fim deste ano. Atualmente 13,5 milhões de brasileiros recebem o auxílio do programa.

Medo de cortes causa apreensão em quem precisa do benefício

Rosângela da Silva Sanchez, faxineira, recebe o Bolsa-Família há 16 anos. Ela teme próximos cortes no programa e diz que isso pode afetar muitas famílias que dependem da ajuda.

“Eu trabalho, sou autônoma, então é um dinheiro que entra a mais mesmo para a gente. Eu sei de gente que está em situação bem pior e que só conta mesmo com esse dinheirinho, com esse benefício. Com certeza prejudica e prejudica muito porque é um dinheiro que entra”, contou à Sputnik Brasil.

Atualmente o valor mensal recebido por Rosângela é de 130 reais e é gasto em despesas para o seu filho, de 16 anos.

“Quando ele era pequeno eu usava para comprar alimentação. Agora que ele é adolescente eu uso para pagar o dentista dele, mas aproveito para comprar comida para ele também”, disse Rosângela.

Segundo o economista Cícero Péricles de Carvalho, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que pesquisa o tema, a renda do bolsa família ajuda a aquecer a economia já que dificilmente o dinheiro obtido pelas famílias consegue ser guardado.

“Esse dinheiro que chega nas famílias não faz poupança, ninguém guarda o Bolsa-Família. Pesquisas mostram que ele vai em primeiro lugar para o consumo de alimentos, em segundo transporte, em terceiro medicamentos e vestuário. Esses são os quatro principais blocos onde o dinheiro normalmente é gasto”, disse à Sputnik Brasil.

Cícero Péricles de Carvalho explicou que essa injeção de verba ocorre justamente nas regiões mais pobres do Brasil e que eventuais cortes podem acelerar ainda mais a estagnação econômica dessas regiões.

“Imediatamente quando a pessoa recebe o dinheiro ela vai para o comércio próximo, normalmente no setor de serviços e faz girar a economia”, complementou.

Falta de reajustes e incerteza sobre 2020

O governo do presidente Jair Bolsonaro anunciou que pretende estipular neste ano o que chamou de “13º salário do Bolsa Família”. A ideia é compensar o fato do benefício do programa não receber reajuste desde maio do ano passado.

Para o plano se concretizar, será necessário remanejar o orçamento para cobrir o gasto extra de R$ 2,5 bilhões estimado.

Se este ano está difícil encontrar dinheiro para cobrir os gastos, no ano que vem não será diferente. O projeto de Orçamento elaborado por Bolsonaro prevê a utilização do mesmo montante que em 2019, aproximadamente cerca de R$ 29,5 bilhões.

Cícero Péricles de Carvalho atribui a dificuldade em se aprovar o orçamento para o Bolsa-Família a PEC 55, aprovada pelo ex-presidente Michel Temer.

“A Lei de Gastos aprovada no governo Temer faz com que todos os ministérios estejam sob forte contenção, não somente a área social, mas todas elas. Isso pega todo mundo, incluindo os programas sociais”, disse.

No entanto, para o economista, a dificuldade de se pagar os beneficiários do Bolsa-Família evidencia também que o governo do presidente Jair Bolsonaro não tem como prioridades os programas sociais.

“Evidentemente as áreas sociais não são a prioridade deste momento do governo Bolsonaro, daí a dificuldade que atravessa não só o Bolsa-Família, mas toda política. Veja por exemplo a proposta de Reforma da Previdência, sempre os cortes acontecem nessas áreas”, disse Cícero Péricles de Carvalho.

As propostas de reajuste, bem como a dificuldade orçamentária passam muitas vezes longe de quem precisa do benefício. Vânia da Silva, dona de casa, recebeu um auxílio de 210 reais do Bolsa-Família por 4 anos. Em entrevista à Sputnik Brasil, ela disse que usava o dinheiro para pagar aulas para o filho e ajudar em algumas contas de casa.

“Eu não estou por dentro de qual a mudança que ele quer fazer a respeito do Bolsa-Família. Mas têm muitas pessoas que realmente precisam desse dinheiro e ele ajuda bastante”, contou.

Como funciona o programa

Idealizado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, mas criado durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Bolsa-Família já recebeu elogios do Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial, além de diversos outros prêmios internacionais.

Podem receber o benefício famílias com renda mensal por pessoa de até R$ 89, ou de até R$ 178 se houver crianças ou adolescentes de até 17 anos. Como contrapartida, é necessário que os filhos estejam frequentando a escola e com a vacinação em dia.

A média do valor recebido por família é de R$ 188,63, segundo os dados de agosto deste ano.

“É difícil a classe média compreender a diferença que faz 200 reais nas mãos de uma família muito pobre. Quando você se aproxima e assiste os gastos dessa família você vê o impacto que dá”, concluiu Cícero Péricles de Carvalho.

Diario do Centro do Mundo

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