CPI nunca termina em Pizza. Por Jacqueline Muniz

Atualizado em 26 de outubro de 2021 às 18:09
Veja Jacqueline Muniz
Professora Jacqueline Muniz. Foto: Reprodução/Twitter

A professora Jacqueline Muniz escreve sobre a CPI da Covid. Ela é é doutora em Antropologia, é professa adjunta da Universidade Cândido Mendes e membro do Grupo de Estudos Estratégicos da Coppe/UFRJ. Foi Diretora de Pesquisa, Análise da Informação e Desenvolvimento de Pessoal da Senasp, MJ, e Coordenadora de Segurança Pública, Justiça e Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro.

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O que diz Jacqueline Muniz sobre a CPI?

Nenhuma CPI dá em pizza. A CPI é um dispositivo político para produzir efeitos políticos. Há muito que se pode produzir com uma CPI que não seja a esperada destituição ou prisão de políticos e governantes. A discussão de sua criação e debate de sua abertura já produzem efeitos no tabuleiro governamental, nas regras da sociedade e nas peças do xadrez do mercado. Serve como uma advertência latente de que o governante e seu governo não estão podendo tudo e que precisam (re)dividir o bolo, repensar suas estratégias de poder e de articulação política.

Sua instauração, ainda que só como jogo de cenas para não ir a frente, serve a um teatro que obriga o governante e o governo a negociassem, atendendo a agendas ocultas, acenando com ofertas partidárias e fazendo agrados pessoais. Afinal, a CPI pode, a todo momento, deslocar a Espada de Dâmocles para diversas cabeças, levando a oferta de ovelhas aliadas e cordeiros governamentais ao sacrifício para salvar a pele a ser tosquiada do governante. Com isso, inaugura-se temporadas de renegociações de emendas parlamentares, marcos legais, mudanças constitucionais, projetos, cargos e outros recursos da máquina governamental.

A gestão da CPI, isto é, a rotina de sua condução, que pode se estender por meses, têm um efeito publicitário continuado de desgaste, servindo como um comercial negativo diário que reforça, ao mesmo tempo que cria, se oportuno politicamente, imagens negativas sobre o governante – “É um genocida, um mentiroso!” – e seu governo – “um pandemônio na pandemia” – de modo a antecipar e redefinir o quadro da disputa eleitoral com testes de novos candidatos, criação de vias alternativas, etc. Aqui a CPI serve para fabricar e/ou reverberar o esvaziamento parcial ou integral da caneta BIC do governante e fazendo-o ceder as pressões internas e externas e a tentar recompor, a qualquer custo, sua governabilidade já repartida.

A CPI também funciona como um reality show que opera como um catalizador da opinião pública e um imã de percepções difusas sobre o governo, o governante e, principalmente, sobre as coreografias feitas por seus aliados e seus oponentes. Permite uma política Big Brother de animação de auditório, onde já se oferta antecipadamente à plateia, o espetáculo midiático de um paredão plebiscitário que possibilita que ela decrete suas sentenças morais e condenações públicas e satisfaça seu apetite de justiça com elas. Alimenta-se a audiência e prestígio do seriado político sem que o público possa intervir no seu enredo e performance. A CPI é uma vitrine para fortalecer e visibilizar políticos e ampliar seu capital para que eles ganhem ou mantenham um assento nas mesas de negociação e possam, desta forma, garantir que as representações dos seus interesses públicos e privados sejam consideradas.

A CPI da pandemia pode, de fato, vir a produzir responsabilizações civis e criminais na cadeia de comando governamental e, até mesmo, trazer o impeachment como uma ameaça para ser mantida em aberto, como um moeda de troca política ou espada política de corte. Isto depende mais das “movimentações internas” do que da chamada “pressão popular” vinda das ruas.

Tudo isso para dizer que CPIs nunca terminam em pizza, mesmo que seus resultados políticos sejam de gabinete, tramados nos tabuleiros invisíveis do poder. Não há tempo político perdido com a CPI. Há produtos eleitorais produzidos que servem a distintos representantes, mercadores e coaches do voto popular.

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