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Criticar o bolsonarismo sem denunciar o golpe que afastou Dilma é só hipocrisia. Por Luis Felipe Miguel

Dilma Rousseff. Foto: AFP

Publicado originalmente no perfil de Facebook do autor

POR LUIS FELIPE MIGUEL, cientista político

Há três anos, o Senado Federal consumou o golpe, determinando o afastamento definitivo da presidente legítima do Brasil, Dilma Rousseff.

Eu estava em Belo Horizonte, no encontro da Associação Brasileira de Ciência Política. À noite, participei da mesa de análise de conjuntura. A derrota de Dilma era mais que esperada, era certa, mas ainda assim o clima era de tensão.

Sabíamos que a incompleta construção da democracia brasileira, que vinha desde os anos 1980, tinha sofrido seu mais duro baque.

O que estamos vivendo hoje é a consequência direta daquele golpe. Os atores políticos que se dizem horrorizados com o desgoverno Bolsonaro devem, em primeiro lugar, refletir sobre o momento em que a Constituição descarrilhou, em 2016.

Dilma foi derrubada com base em acusações falsas e insustentáveis. Mesmo os apoiadores do golpe reconheciam isso. Justificavam o impeachment com o argumento vago: “conjunto da obra”.

Como se o cumprimento do mandato que as urnas tinham dado a ela fosse significar uma catástrofe irremediável.

Não significava.

Dilma não era uma boa presidente. No início de seu segundo mandato estava sendo, na minha avaliação ao menos, uma péssima presidente.

Ruim pelo caminho que propunha e pior ainda pela sabotagem sistemática que a oposição de direita lhe fez.

Mas tinha a legitimidade do voto popular. Não conspirava contra as instituições. Permitia o funcionamento dos mecanismos de controle. Mantinha de pé a Constituição e os direitos.

Por que o argumento que derrubou Dilma não é mobilizado contra Bolsonaro?

Mesmo juristas e políticos conservadores reconhecem que o ex-capitão, nos seus oito meses no cargo, já cometeu dezenas de crimes de responsabilidade – verdadeiros, não inventados.

Mais do que isso, é um governo abertamente dedicado à destruição do país – da Constituição, do Estado, do meio-ambiente, dos direitos, do povo. Um governo a serviço da violência e da ignorância.

O governo Bolsonaro é a catástrofe em implantação. Ele justifica ações excepcionais, para salvar o país. Se tivéssemos um povo menos passivo e uma elite menos odiosa, isso já estaria em curso.

Bolsonaro não era o projeto do golpe de 2016, pelo menos não de seus principais chefes. Mas foi a destruição do jogo democrático, a instrumentalização do judiciário, a exacerbação do enviesamento da mídia e a mobilização do ódio que abriram caminho para ele.

Em 2018, diante da opção entre uma recomposição pactuada, com uma esquerda tão moderada que chega quase a ser frouxa, e a barbárie, a nossa elite não hesitou: escolheu a barbárie.

E ainda hoje, com a barbárie já fazendo seus estragos, permanece incapaz de agir para estancá-la. A ambição inicial – excluir o campo popular do jogo político, deslegitimá-lo como interlocutor – continua falando mais alto.

Criticar o bolsonarismo sem denunciar o golpe que culminou com o afastamento de Dilma, três anos atrás, é só hipocrisia.

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