Exclusivo: nos inscrevemos na “academia” do MBL, com curso de fake news, e contamos o fiasco. Por Zambarda

Atualizado em 14 de março de 2021 às 16:57
Academia MBL, o curso que pretende ser referência na direita repetindo o que ela faz de ruim. Foto: Divulgação

Na primeira semana de março, o Movimento Brasil Livre deu início a uma série de cursos de formação de lideranças que chama de “Academia MBL”.

A grande imprensa noticiou de maneira pouco aprofundada o evento. A coluna Painel e a da jornalista Mônica Bergamo na Folha de S.Paulo apenas ressaltaram que a tal academia daria curso sobre “processo de criação de fake news” e “aula sobre PT e partidos de esquerda”.

O Estadão deu uma reportagem mais completa no dia 3 de março. O jornal explica que uma das aulas da disciplina “Fundamentos de Memística e Redes Sociais” é baseada em vídeo publicado pelo jornal The New York Times no qual o ex-agente da KGB, Yuri Bezmenov, explica como nasceu o processo de criação de “fake news” na então União Soviética.

O DCM inscreveu-se na Academia MBL, fez parte do grupo do WhatsApp e acompanhou as aulas magnas. Contamos como o curso que pretende ser referência na direita foi um fiasco.

Curso sobre fake news dado por propagadores de fake news

O curso “Fundamentos da Memística e Redes Sociais”, que será dado por Pedro D’Eyrot, ex-vocalista do grupo Bonde do Rolê e um dos fundadores do MBL, vai tratar sobre criação de mentiras nas notícias e desinformação, do ponto de vista de construção dessas fake news. Fontes disseram ao DCM, na condição de anonimato, que essa matéria é baseada em estudos do que se define internacionalmente como “prebunking”.

Prebunking, no entanto, não é “combate às fake news” e sim trabalhar na internet e nas redes sociais contra a desinformação num sentido mais amplo. O conceito é o oposto do “debunking” – traduzindo diretamente do inglês, seria algo como “ação reativa” -, que é mais comum em agências checagem de fatos com veículos de comunicação. O prebunking, portanto, trabalharia na formação do indivíduo para que ele saiba identificar, com mais facilidade, o que é fato, opinião, exagero ou pura mentira.

O assunto é discutido em publicações internacionais como a Science Daily, que publicou uma pesquisa da Universidade de Cambridge sobre o assunto, desde 2019. Não é, portanto, uma grande novidade no campo das ciências humanas. Mesmo assim, o MBL vende seu curso de “criação de fake news” como se fosse algo inédito.

Em agosto de 2018, pouco antes do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vencer as eleições, o Movimento Brasil Livre teve 196 páginas e os 87 perfis deletados pelo Facebook por disseminação de fake news.

Ou seja, antes do gabinete do ódio e de Carlos Bolsonaro, o MBL já estava na vanguarda das notícias mentirosas e distorcidas. No momento em que eles se voltam contra o atual governo e lançam um curso de formação de lideranças, os militantes que se orgulham de ter aplicado um golpe em Dilma Rousseff tentam passar uma borracha no passado.

Como surgiu a Academia MBL?

O Diário do Centro do Mundo noticiou, no dia 29 de janeiro, que o vereador Fernando Holiday se retirou do MBL numa despedida amigável no meio do expurgo de cerca de 150 membros. História que foi escondida pelo fundador do movimento, Renan Santos, por problemas profissionais e de remuneração de colaboradores. Cobrando transparência do próprio Renan, os dirigentes regionais ameaçaram denunciar alegados desvios de conduta dentro do Movimento Brasil Livre.

Áudios publicados pelo DCM mostram que a expulsão de integrantes ocorreu em meio a uma troca de acusações mútuas. O expurgo afetou as coordenações do estado de São Paulo, cidade de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais e localidades até da região Nordeste.

E como o MBL solucionou seu próprio problema? Lançando sua “Academia” como um curso anual para se capitalizar e formar novas lideranças. O próprio Renan Santos falou sobre o assunto em diferentes momentos nas lives da semana de aulas magnas. Ele disse: “Não temos mais coordenadores no MBL. Os coordenadores do movimento farão a Academia MBL para prosseguirem com seus trabalhos e pretendemos formar novos líderes”.

“A gente destruiu a forma antiga do movimento e estamos criando a nova. De um movimento que derreteu”, disse Renan neste vídeo de 10 de março, no minuto 29.

Convidados ilustres e lives maçantes

Fernando Henrique Cardoso no curso do MBL. Foto: Reprodução/YouTube

Renan Santos, fundador do MBL que acumula mais de uma centena de processos com sua família, é conhecido nos bastidores do movimento por ter contato próximo do ex-presidente Michel Temer e nos meios tradicionais da política partidária. Ele trouxe para a Academia MBL nomes de peso da direita brasileira: O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o ex-presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e o presidente do Partido Novo, João Amoêdo.

Mesmo assim, os convidados não empolgaram.

No dia 1º de março, Renan Santos e Ricardo Almeida abriram uma live para tirar dúvidas dos inscritos na Academia. O fundador anunciou que havia 25 mil inscritos no curso. Na transmissão ao vivo havia apenas 800 pessoas acompanhando. Renan ainda se irritou com a presença de bolsonaristas na live.

“Não, o curso não custa dois mil reais! E se você continuar insinuando isso, vou te bloquear da live!”

Eles anunciaram então as aulas magnas. No dia 3 foi com FHC, enquanto o dia 4 mostrou Meirelles e o último dia, 5 de março, foi com Amoêdo.

Das três lives, a que concentrou mais audiência foi a de Fernando Henrique Cardoso. Acompanhado pelo político Andréa Matarazzo e visto por uma audiência de 10 mil pessoas simultâneas, FHC falou longamente dos seus dois mandatos como Presidente da República, sobre as privatizações dos seus governos e sobre o Plano Real. Nenhuma novidade numa palestra sonolenta com risadas de Renan Santos.

Meirelles na Academia MBL. Foto: Reprodução/YouTube

A live de Meirelles empolgou menos, com cerca de seis mil pessoas assistindo e perguntas de Renan sobre a diferença do trabalho dele com o ex-presidente Lula e com Michel Temer. Por fim, a transmissão com João Amoêdo, que teve a companhia do deputado youtuber Arthur MamãeFalei (Patriota-SP) e do deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), foi fraca com cerca de quatro mil pessoas e a imagem congelada do presidente do Partido Novo no monitor.

Amoêdo chegou a ficar com a tela congelada na Academia MBL. Foto: Reprodução/YouTube

Os vídeos da Academia MBL, mesmo na semana gratuita, foram ocultados no canal do movimento no YouTube. No Twitter, a repercussão é pífia. A mensagem com média maior de curtidas foi do humorista de extrema direita Danilo Gentili, que teve mil curtidas falando sobre as casas do curso do Movimento Brasil Livre. Os tuítes do próprio MBL e do seu veículo MBLNews tiveram apenas algumas centenas de curtidas.

É uma repercussão muito fraca para um movimento que tem milhões de inscritos no YouTube e no Facebook, além de ser um dos principais atores do impeachment fraudulento de Dilma Rousseff.

O preço do curso e o fracasso das inscrições

“O preço vai caber no seu bolso. Você vai poder parcelar. Mas tem que querer fazer e tem que pagar”, disse Renan Santos, começando a campanha agressiva para conseguir alunos pagantes. De acordo com ele, havia 25 mil pré-inscrições pelas aulas, ainda sem pagar pela Academia MBL. Os alunos serão separados em três casas: Alexandria (Conhecimento), Esparta (Organização) e Atenas (Comunicação).

Em um dos grupos dos pré-inscritos no WhatApp que o DCM teve acesso, pelo menos 100 pessoas de mais de 200 deixaram a página. Provavelmente a Academia MBL não empolgou.

As inscrições abriram no dia 8 de março, às 6h da manhã. Um dia antes, Renan Santos abriu uma live no Instagram para tirar dúvidas. Apareceram pessoas no vídeo, convidadas pelo MBL, bajulando o movimento – sem tirar dúvidas sobre o curso. “Renan tá puto”, resumiu um internauta atento.

Somente 25% das vagas foram preenchidas em 24 horas. Só com cinco dias de vagas abertas, o contador da Academia MBL chegou em 50%. Não chegou nem perto de esgotar.

A Academia MBL custa R$ 1.136,40 por aluno para a sua primeira turma.

No WhatsApp, o MBL apela para tentar esgotar seu curso. Postaram a seguinte mensagem, acompanhada por memes:

“VANGUARDISTAS

Vocês são a vanguarda da Academia MBL. Fizeram a inscrição antes de todos os outros e já estão no nosso grupo de whats. É essa pró-atividade que precisamos nas equipes que iremos formar.

Se você ainda não fez sua matrícula mais do que nunca precisamos que entre na Academia JÁ. As vagas estão acabando e não queremos que os mais pró-ativos, que já estão conosco, fiquem de fora. Nosso objetivo é conseguir as pessoas mais enérgicas e assertivas do país para a grande renovação política que temos em mente.

Como já dissemos várias vezes, esse não é um curso online. É uma formação integral para novos líderes políticos. Ganhamos mais urgência agora que um dos maiores corruptos do país, Lula, está se organizando para tentar ser o próximo presidente do Brasil. É um pesadelo.

Você vai deixar o Brasil nas mãos de Lula ou de Bolsonaro? Não? E se não tivermos outro nome que vá pro segundo turno? É o que está cada vez mais próximo de ocorrer.

O grande problema que essa situação mostra é a ausência de bons líderes políticos. Jornalistas, intelectuais, comunicadores, ativistas, parlamentares – precisamos formar esses quadros. E a forma que encontramos de fazer isso é a Academia MBL. As mudanças mais profundas são feitas no longo prazo. Precisamos começar AGORA a formação de novos quadros para renovar o sistema corrompido e apodrecido. E esse novo quadro É VOCÊ.

Faça sua matrícula na Academia MBL, mude seu futuro e ajude a mudar o futuro do seu país. Estamos fazendo tudo, absolutamente tudo o que é possível para melhorar o Brasil. Venha pro nosso time. A porta de entrada está aqui: academia.mbl.org.br Faça sua matrícula URGENTEMENTE.

Academia MBL”.

Eles também convocaram uma aula magna nova, que não estava nos planos, para movimentar as inscrições. Chamaram o filósofo conservador Luiz Felipe Pondé, que hoje pede o impeachment de Bolsonaro.

Outro lado

O DCM entrou em contato com o MBL para pedir os seguintes esclarecimentos:

– Vocês acreditam que a Academia MBL foi um sucesso com apenas 25% das inscrições no primeiro dia?
– A criação da Academia está relacionada com a expulsão de cerca de 150 integrantes do Movimento Brasil Livre?
– Por que o MBL está cobrando mil reais em um curso para reestruturar gestores e, mesmo assim, trocou sua sede da Vila Mariana para um imóvel no Morumbi com aluguel estimado entre R$ 4 mil até mais de R$ 10 mil?
– Por que a Academia MBL só abriu a divisão entre as casas Alexandria (Conhecimento), Esparta (Organização) e Atenas (Comunicação) e não o conteúdo de conhecimento de professores e alunos?
– Por que o MBL quer fazer um curso sobre fake news depois das denúncias envolvendo mentiras propagadas por vocês?
– Quem dará o curso sobre PT e partidos de esquerda na Academia MBL?

Novo imóvel do MBL no Morumbi. Foto: Reprodução/Google Street View

Até o momento desta publicação, não obtivemos resposta.