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David Bowie é o triunfo do artista apolítico. Por Kiko Nogueira

Nos tempos do personagem Thin White Duke

 

Idiotas da objetividade resolveram criticar David Bowie por sua “alienação” e por não ter “agenda política”. Isso seria um problema no conjunto de sua obra. Uma diminuição e um pecado.

Em 1977, numa entrevista ao jornal Melody Maker, Bowie se definiu: “Sou apolítico. Quanto mais eu viajo, menos certeza tenho de qual filosofia política é recomendável. Quanto mais sistemas de governo eu vejo, menos me sinto legitimado de dar meu apoio a um grupo de pessoas qualquer, então seria desastroso para mim adotar um ponto de vista definitivo ou apoiar um partido”.

Músicos fazem arte de boa ou má qualidade, independentemente de seu engajamento político. Vale para David Bowie, vale para Chico Buarque, Elvis ou Geraldo Vandré.

No caso de Bowie, isso significou uma liberdade que ele não teria se estivesse comprometido com qualquer ideologia. Ars gratia artis, a arte pela arte. A arte engajada não salva ninguém da mediocridade.

Há quarenta anos, na ânsia de enquadrá-lo, quiseram tacha-lo de fascista quando se interessou por memorabilia— roupas e objetos — do nazismo. Foi durante o tempo em que incorporou um personagem chamado Thin White Duke, o magro duque branco, no auge de seu vício de cocaína.

Um aceno para fãs numa estação de trem foi classificado pelos tablóides como um “sig heil”. Bowie levou anos explicando que estava dando tchau.

Quando abordava um tema político, era de maneira oblíqua. O disco “Diamond Dogs” fala de uma distopia inspirada no “1984” de George Orwell. Em seu exílio dourado em Berlim, compôs “Heroes”, sobre dois amantes separados pelo Muro.

Recentemente, se manifestou contra a emancipação da Escócia no referendo, pelo que foi mandado de volta para Marte por muitos escoceses.

Mas a verdade é que Bowie não foi apolítico. Na década de 70, ele desafiou estereótipos de sexo e gênero de uma maneira inédita. O cantor Jarvis Cocker lembrou da importância de sua mensagem de como era normal ser diferente.

“Suas personas andróginas puseram visões conservadoras de cabeça para baixo e ampliaram os limites do que era aceitável na sociedade”, escreveu.

Suas primeiras aparições na TV britânica foram marcantes. “Ele me fez acreditar que podia fazer qualquer coisa. Você pode ser um garoto da classe trabalhadora, mas criatividade é liberdade. A habilidade é a riqueza do homem pobre”, afimrou o comediante Ricky Gervais.

David Bowie foi, nesse sentido, tão revolucionário quanto os Beatles. O máximo a que a banda de Liverpool chegou, nesse sentido, foi quando Lennon pediu em “Revolution” para ser deixado de fora e que tudo daria certo — ou não, já que ele não tinha muita certeza.

Fez diferença no tamanho deles para a cultura?

O negócio era transcender — e essa missão foi cumprida. Bowie derrubou barreiras, quebrou tabus e abriu avenidas para as pessoas pensarem sobre o mundo. Pode haver algo mais político do que isso?

 

Kiko Nogueira

Diretor do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.

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