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Decreto do governo Bolsonaro permite esconder informações do público, o que facilita a corrupção. Por Joaquim de Carvalho

Antes da lei de acesso à informação, em 2012, o trabalho da imprensa era muito mais difícil. Qualquer burocrata de plantão podia definir o que poderia ou não ser divulgado.

Esta é uma das razões pelas quais se tinha a percepção de que as coisas funcionavam melhor e não havia corrupção.

Com a lei de acesso a informação, a transparência passou a ser a regra no serviço público, como deve ser.

O fundador do Wikileaks, Julian Assange, diz que sua organização surgiu a partir da convicção de cidadãos têm direitos, mas o Estado não.

Portanto, é direito do cidadão saber o que os agentes de Estado estão fazendo e ao Estado, salvo raríssimas exceções, cabe o dever de dar divulgação a todos os seus atos.

Com o decreto do governo federal divulgado hoje, volta-se ao tempo em que qualquer burocrata de plantão poderá decidir o que deve ou não ser levado ao conhecimento público.

Para isso, basta que ele apenas carimbe determinados atos como “ultrassecretos”.

O decreto foi assinado pelo presidente em exercício, Hamílton Mourão, mas reflete uma estratégia de governo de Jair Bolsonaro.

Da boca pra fora, o capitão fala em abrir a caixa preta do BNDES, que a rigor nunca existiu, mas, na prática, está criando caixas pretas em toda a administração.

Se este decreto já estivesse vigorando quando da elaboração da lista do trabalho escravo, um chefe de seção do Ministério do Trabalho poderia considerar o trabalho dos fiscais ultrassecreto e garantir que os dados só fossem divulgados 25 anos depois.

Antes, essa classificação dos documentos só podia ser feita pelo presidente e vice-presidente da República, ministros de Estado e autoridades equivalentes, além dos comandantes das Forças Armadas e chefes de missões diplomáticas no exterior.

O decreto do governo Bolsonaro estanca um processo de transparência na administração que vinha se desenrolando desde 2000, ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso, quando foi promulgada a lei de responsabilidade fiscal.

Em 2003, no governo Lula, foi criado o Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção e, ao mesmo tempo, entrou em atividade a Controladoria-Geral da União.

Como fruto da atuação dessas duas instituições, surgiu o Portal da Transparência e se tornou obrigatória a divulgação rotineira de dados antes sonegados do público.

Manoel Galdino, diretor da Transparência Brasil e membro do Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção, diz que foi pego de surpreso com a medida do governo Bolsonaro.

“Precisamos pedir esclarecimentos ao governo de quais são as razões. É problemático que uma medida de alteração do que é sigiloso seja feita sem discutir com a sociedade civil. Eles não tiveram transparência para alterar um decreto justamente sobre o tema”, diz.

A regra desse governo é o obscurantismo, não a transparência, e o decreto publicado hoje confirma o movimento regressivo em vigor.

Quem votou em Bolsonaro acreditando que estava combatendo a corrupção pode dizer com segurança: “fui enganado”.

A falta de transparência é irmã siamesa da corrupção.

Joaquim de Carvalho

Jornalista, com passagem pela Veja, Jornal Nacional, entre outros. joaquimgilfilho@gmail.com

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Joaquim de Carvalho

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