Defesa, um campo minado, encerra escolhas dos grupos na transição. Por Denise Assis

Atualizado em 19 de novembro de 2022 às 9:47
Fachada do Ministério da Defesa – Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

Por Denise Assis

Nunca, antes, na história… Uma transição foi tão escrutinada quanto a atual, reunindo 16 legendas, próximo de 300 integrantes (anunciados até 17/11), sendo 66 do PT – partido do presidente eleito -, Luiz Inácio Lula da Silva, que tem dominado o cenário político nacional e internacional, depois de sua ida ao Egito para a Cop27. Nem se nota que ainda há um presidente no cargo. E o seu silêncio, mais que deixar um vácuo preenchido por Lula com competência, denota a vocação do “sainte” para a conspiração e o golpe, com o qual nunca deixou de sonhar ao longo desses quase quatro anos na presidência. Até agora, praticamente todos os grupos já foram montados. Não por acaso, falta um: a Defesa.

Ninguém quer arriscar nomes antes do retorno de Lula ao Brasil, (ainda que minimizem o adiamento), como fez o coordenador dos grupos temáticos da transição, o ex-ministro Alosísio Mercadante, ao jornalão: “A Defesa é uma instituição secular, organizada. Não há maiores preocupações com essa agenda.” Mais tarde, numa coletiva no Centro Cultual Banco do Brasil, onde acontecem os trabalhos das equipes, afirmou que o presidente Lula colocará um civil na função.

No quadro político atual essa é uma agenda que se impõe. Basta uma lida rápida na nota emitida pelos três comandos: Exército, Aeronáutica e Marinha, após a divulgação do relatório sobre as urnas, entregues ao TSE, que de tão pífio foi solenemente ignorado pelo ministro e presidente da instituição: Alexandre de Moraes. Na nota, os três comandos atribuíam à “liberdade de expressão” os arroubos golpistas da horda de fascistas que atua, desde fechando estradas e vias públicas, até distribuindo socos aos opositores que ostentem opinião ou símbolo petista, próximo às suas “manifestações”. Conivência é o nome disso, apenas para não sair aqui discorrendo sobre a legislação que proíbe militares de se manifestarem, sob pena de estarem incorrendo em crimes contra a democracia.

Fato é que os militares entraram em cena no golpe de 1889 – a Proclamação da República – e nunca mais deixaram de influir na cena política, contrariando os princípios do regimento. Na introdução do seu livro: “A Política nos quartéis – Revoltas e protestos de oficiais na ditadura militar brasileira”, a historiadora Maud Chirio escreve que sob o regime militar instalado pelo golpe de 1964, a intromissão de praças e oficiais na vida política “tornou-se simplesmente insustentável” e, a fim de conciliar a exigência do afastamento do tema e a ação política dos militares, “foi implicitamente admitido no discurso oficial que, para proteger a instituição, apenas a elite hierárquica se imiscuiria nos assuntos de Estado. A massa dos oficiais e a tropa deviam ser resolutamente mantida a distância”. Mas de pouco adiantou a criação dessa regra.

Ao fim da ditadura (1964/1985) o destino das tropas foi o retorno aos quartéis, mas aparentemente.

Para o também historiador Paulo Ribeiro da Cunha, autor de “Militares e Militância – uma relação diametralmente conflituosa”, “essa relação não se extinguiu em 1985”. Sim, eles deram a entender que estavam quietos, embora nunca tivessem mesmo abandonado a cena política. Trataram de bombardear a sociedade democratizada com nota virulentas, disparadas da trincheira do Clube Militar e formar quadros civis de direita em cursos na Escola Superior de Guerra (ESG), a fim de estarem prontos para o dia em que retornariam, desta vez pelo voto. Foi assim, a bordo do projeto de Jair Bolsonaro, (que não relutaram em abraçar), que se viram de novo no Planalto.

Necessário dizer que quem abriu caminho para eles foi Michel Temer e sua sanha golpista. Ao arrebanhar a sua corriola – Romero Jucá, Eduardo Cunha e outros -, buscou ajuda também no colo dos generais Eduardo Villas Boas e o primo da mulher dele, o general Sergio Etchegoyen, para a sua conspiração contra a ex-presidente Dilma Rousseff.

Como prêmio, ofereceu, perigosamente, a Etchegoyen, um cargo em seu governo, o de Ministro-Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência. Estava aberta a porteira por onde passaria logo depois o general Joaquim Silva e Luna, o primeiro militar depois da redemocratização a ocupar o cargo de ministro da Defesa.

A pasta da Defesa foi criada em 1999 por Fernando Henrique, com o acordo tácito de sempre se preenchê-la com um civil. Um recado à sociedade de que as Forças Armadas, longe de ser um poder moderador tinham, isto sim, como dever, a defesa da pátria, sob o poder civil. Ao chamá-los para o seu projeto golpista o que Michel fez foi reaproximá-los do poder. Pelo feito, Michel chegou a ser agraciado com o bastão de comando, que lhe foi entregue pelo general Villas Boas, em encontro solene.

Quem vai conseguir colocar o diabo de volta para dentro da garrafa? Há nomes sendo ventilados. Todos com “senões”. Os que passaram pelo cargo não aceitarão, nessa quadra confusa, em que grupos de fascistas se amontoam na porta dos quartéis, contando com um silêncio obsequioso por parte dos comandos e o imobilismo quanto a retirá-los de lá.

Um ponto fica patente: é preciso que um decreto varra dos cargos – no mínimo os de primeiro escalão -, antes da chegada de Lula, os generais e seus agregados, que no ainda governo somam oficialmente em torno de seis mil, (há quem fale em algo perto de 11 mil). Uma enormidade. Para se dimensionar a rapidez como se aninharam no poder, basta saber que em 21 anos de ditadura eles ocuparam 15 mil cargos na administração pública direta e indireta. Em quatro anos, já são o que são, e ligados diretamente ao Planalto.

Na ditadura, em termos concretos, o envolvimento das Forças Armadas com o poder resultou nas seguintes atribuições: ser governo; administrar a nação; constituírem-se em verdadeiro partido e exercer a função de guardiães da ordem.

No governo que finda, essas funções foram restauradas, incluindo a presença deles na de “inteligência”. Naquela época, a da ditadura, as tarefas citadas eram acrescidas da coerção: “polícia política”, e a função ideológica, de doutrinação das elites, cujo alcance se procurou estender a outros setores sociais. Principalmente uma parcela significativa do empresariado. Foram eles os principais doadores do Ipês. Era assim que se mantinha o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais, a célula conspiratória que trabalhou tendo o general Golbery à frente, pela a derrubada de Jango. Com doações de empresários. Qualquer semelhança com a lista do agronegócio divulgada pelo ministro Alexandre de Moraes não é mera coincidência. É cópia do modus operandi.

Nesta sexta-feira, o coordenador dos grupos de transição e ex-ministro Aloizio Mercadante adiantou que já tem os nomes do grupo de transição na área da Defesa e que este deve ser anunciado na próxima segunda-feira (21).

“Será um grupo “representativo para essa tarefa que é o diálogo com as Forças Armadas”. Mercadante o classificou de “muito bem construído”, por sua “composição”, pela “representatividade, pela estatura das pessoas que vão participar”, adiantou. “Vai ser uma excelente solução”, aposta.

Esperemos os ecos das fileiras. Um ponto é certo: o diálogo com os comandos deve ser conduzido pelo grupo. Lula, como prometeu em campanha, cuidará do social.

Publicado originalmente em Jornalistas pela Democracia

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