Deltan Dallagnol, sobre ordem para soltar Lula: ‘Vou ligar pra PF pra pedir pra não cumprir’

Atualizado em 4 de março de 2021 às 18:05
Deltan Dallagnol. Foto: Reprodução/YouTube

Publicado originalmente no site Jota

POR HYNDARA FREITAS

Em 8 de julho de 2018, o desembargador Rogério Favreto, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), determinou a soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que estava preso desde 7 de abril daquele ano, após condenação no caso do tríplex do Guarujá. Mas conversas do Telegram entre procuradores da Lava Jato de Curitiba mostram uma articulação para descumprir a ordem.

Segundo mensagens juntadas pela defesa de Lula na Reclamação (RCL) 43.007, O procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato, disse aos colegas: “Vou ligar pra PF pra pedir pra não cumprir”. O coordenador da Lava Jato afirmou que Sergio Moro não poderia mais fazer nada para reverter a ordem do desembargador e disse: “Precisamos de uma decisão, qq que seja”.

Foi no âmbito da Reclamação (RCL) 43.007 que o ministro Ricardo Lewandowski determinou que Lula tivesse acesso a todo o material apreendido no âmbito da Operação Spoofing, que teve como alvo os hackers que invadiram celulares de autoridades, como o ex-juiz Sergio Moro e Dallagnol. Em 9 de fevereiro, a 2ª Turma negou recurso da Lava Jato que pedia a revogação do acesso.

As conversas de 8 de julho mostram um intenso debate sobre como reverter a decisão de Favreto. Dallagnol disse que era necessário uma “contraordem de [João] Gebran ou Lens [Carlos Eduardo Thompson Flores Lens]”, ambos desembargadores do TRF4, porque Favreto poderia cassar eventual decisão de Moro determinando nova prisão.

Dallagnol depois diz que falou com Maurício Valeixo, então diretor da Polícia Federal. “Falei com Valeixo agora, seguem segurando. Estão em contato com TRF tbm”.

O procurado da República também afirmou aos colegas que a ministra Cármen Lúcia, do STF, havia conversado com o então ministro da Justiça, Raul Jungmann, para que Lula não fosse solto. “Cármen Lúcia ligou pra Jungman e mandou não cumprir e teria falado tb com Thompson”.

Depois, o coordenador da LJ de Curitiba afirma que Thompson Flores já estava “esperando”: “Falei com [José Osmar] Pumes. Tá fechando. Vai distribuir como petição autônoma. Thompson já tá esperando”. Depois, pergunta: “Alguém confirma que petição foi protocolada?”, ao que a procuradora Maria Emília Corrêa responde: “Só um minuto”. Dallagnol então acrescenta: “Se há dificuldade técnica bom adiantar pro Thompson por e-mail”.

Mais tarde, o procurador Carlos Augusto da Silva Cazarré diz: “Mandei a peça pro Lenz por Whatsapp”, ao que o procurador Januário Paludo responde: “Waleixo ligou. Lenz ligou para ele pedindo para aguardar a decisão dele”.

Dallagnol então diz: “Valeixo falou com Thompson que mandou não cumprir até ele decidir. Isso nos dá mais tempo”. Meia hora depois, Dallagnol acrescenta: “TL ciente e deve decidir em pouco”. Às 19h30, Dallagnol comemora: “É teeeetraaaa. Decisão assinada”.

Lula preso, Lula solto, Lula preso

Naquele dia, houve uma sucessão de decisões relativas à prisão ou soltura de Lula. Tudo começou com a decisão de Favreto, que, durante o plantão judicial, determinou a soltura de Lula, num habeas corpus impetrado pelo então deputado federal petista Wadih Damous. Depois, Sergio Moro proferiu uma decisão, na qual afirmou que Favreto não tinha competência para determinar a soltura de Lula de forma monocrática, como plantonista, porque contrariava decisão da 8ª Turma do TRF4.

O despacho foi encaminhado ao desembargador João Pedro Gebran Neto, “solicitando orientação de como proceder”. Em seguida, Favreto reafirmou sua decisão e novamente determinou a imediata soltura de Lula. O MPF recorreu da decisão.

O relator do processo, Gebran Neto, anulou os efeitos da decisão que determinava a soltura de Lula. Depois disso, o então presidente do TRF4, desembargador Thompson Flores, determinou que a competência para decidir sobre o caso de Lula era de Gebran e não de Favreto, mantendo a prisão do ex-presidente.

Em nota, o Ministério Público Federal do Paraná reafirmou que não reconhece o material e que é legítimo que membros do MP despachem com juízes e desembargadores. Leia a íntegra:

“1. Os procuradores da República que integraram a força-tarefa Lava Jato reafirmam que não reconhecem o material criminosamente obtido por hackers, que tem sido editado, descontextualizado e deturpado para fazer falsas acusações sem correspondência na realidade, por pessoas movidas por diferentes interesses que incluem a anulação de investigações e condenações.

2. É legítimo e legal que membros do Ministério Público despachem com Juízes e Desembargadores, como advogados fazem. Juízes têm obrigação de atender as partes e ouvir seus pedidos e argumentos, conforme previsto no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil e decidido pelo CNJ no pedido de providências 1465 e pelo STJ nos RMS 15706/PA, 13262/SC e 1275/RJ.

3. A decisão de soltura do ex-presidente Lula emitida em plantão pelo Desembargador Rogério Favretto não prevaleceu nos Tribunais, quer quando examinada pelo então relator do caso, quer quando analisada pelo presidente do Tribunal. É absolutamente natural que membros do Ministério Público busquem a reforma de decisões que reputam ilegais. Assim, ainda que as supostas mensagens tenham ocorrido da forma como apresentadas, o que não se pode assegurar, só demonstra o zelo do Ministério Público em defender o interesse público.”