Desacerto entre bolsonaristas e Mandetta faz 1a. vítima: morre paciente que não conseguiu ser atendida no Hospital de Bonsucesso

Atualizado em 11 de abril de 2020 às 12:54
Dona Nair em dois momentos: em casa aguardando o atendimento do Bonsucesso que não veio e na UPA, já com o quadro de insuficiência renal agravado

Aconteceu o que os médicos e demais profissionais de saúde do Hospital Federal do Bonsucesso, no Rio, alertaram: morreu um transplantado que não consegui atendimento no hospital, que teve o setor de nefrologia desativado contra orientação do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.

É dona Nair Paula da Silva Ferreira, de 78 anos, cuja história dramática foi contada em reportagem publicada no DCM.

No dia 11 de março, dona Nair deveria ter passado por consulta no hospital, mas, por decisão do diretor de programa do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro, Marcelo Lambert, o atendimento foi suspenso por 90 dias.

Indicado para o cargo por Flávio Bolsonaro, Lambert reservou o Bonsucesso para o tratamento do Covid-19, apesar de seu superior hierárquico, Mandetta, ter dito que o hospital não é adequado para esse serviço.

Isso porque faltam equipamentos como respiradores e também porque a mão de obra do hospital é bastante envelhecida e poderia ocorrer ali o mesmo que na Itália, que teria perdido 45% dos profissionais de saúde contaminados pelo coronavírus.

O plano de Mandetta, revelado em coletiva, era estabelecer acordo com as secretarias Municipal e Estadual de Saúde no Rio de Janeiro para que os hospitais federais como o Bonsucesso ficassem, num primeiro momento, fora dos hospitais de referência para enfrentar a pandemia.

Em contrapartida, esses hospitais seguiram no atendimento de suas especialidades e também de outras enfermidades.

“O que a gente tem recomendado lá no Rio de Janeiro e colocado para a secretaria é que esses hospitais possam estar funcionando para as milhares de pessoas que terão necessidades hospitalares, mas de doenças que não sejam ligados ao coronavírus”, afirmou, ao ser questionado. Veja o vídeo com a entrevista de Mandetta.

Era o caso de dona Nair. Por ter recebido um rim no hospital — no caso dela, há 22 anos —, deveria ter seu estado de saúde acompanhado pelo Bonsucesso até seu último dia de vida.

No fim de semana passado, uma dor nas costas que já a vinha incomodando se intensificou, e ela procurou por atendimento. No hospital, entretanto, já com seus serviços suspensos, ela não foi recebida.

Acabou em uma UPA do Jardim Iris, em São João do Meriti, na Baixada Fluminense, onde reside.  Mandada para casa, ela teve o quadro agravado e acabou internada na UTI da Lagoa, outro hospital da rede federal.

Na madrugada de hoje, faleceu, com insuficiência renal e septicemia provocada pelo quadro de pneumonia — bacteriana, não a provocada pelo Covid-19.

Para sua filha, Janete, a morte poderia ter sido evitada. “Se ela tivesse passado na consulta do dia 11, isso não tinha acontecido”, comentou.

Além de Janete, dona Nair deixa três filhos. Até onde se sabe, é a primeira vítima da falha no planejamento estratégico do Ministério da Saúde para enfrentar a pandemia no Rio de Janeiro.

É preciso saber por que o apadrinhado de Flávio Bolsonaro tomou decisão que contrariou orientação explícita de Luiz Henrique Mandetta.

E também por que Mandetta manteve num posto tão importante como o de diretor de programa do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro um servidor não alinhado às diretrizes centrais.

Essa morte pode ser colocada na conta da politicagem comandada por uma família sem compromisso com a saúde pública, a de Bolsonaro, e também na fraqueza política do chefe do Ministério da Saúde.

Parece cada vez mais claro que, com Bolsonaro na presidência e sabotando o trabalho dos técnicos do Ministério da Saúde, será muito mais difícil vencer o vírus, e também as consequências de decisões equivocadas, como esta de desativar serviços de um hospital importantíssimo para tratar pacientes da Baixada Fluminense.