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Divulgação da reunião de Bolsonaro: choque entre sigilo e publicidade. Por Fernanda Valente

Jair Bolsonaro e Sérgio Moro. Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil

Publicado originalmente no site Consultor Jurídico (ConJur)

POR FERNANDA VALENTE

Decidir que trechos de uma reunião entre presidente da República e ministros podem ou não ser divulgados é escolha nada trivial — e algo talvez inédito na história democrática brasileira, como é o caso do encontro entre Jair Bolsonaro, o vice-presidente Hamilton Mourão e vários ministros de Estado, ocorrido em 22 de abril.

Caberá ao decano do Supremo Tribunal Federal, ministro Celso de Mello, relator do inquérito 4.831, a intrincada solução jurídica para esse caso concreto.

O inquérito 4.831 investiga as acusações feitas pelo ex-ministro da Justiça Sérgio Moro ao pedir demissão da pasta. Segundo ele, nesse meeting de 22 de abril — aniversário de 520 anos do Brasil — Bolsonaro, movido por intenções pouco republicanas, o pressionou para indevidamente trocar o comando da Polícia Federal.

Nesse dilema sobre o que deve prevalecer quando os investigados são membros do alto escalão do governo federal estão, de um lado, a lei da interceptação telefônica (Lei 9.296/96), que limita o conteúdo a ser divulgado; de outro, princípios que norteiam a administração pública, que tem o dever de tornar públicos seus atos (artigo 37 da CF). É nesse diapasão que deve decidir Celso de Mello.

Cada ator institucional defende um lado. A Advocacia-Geral da União sugere que apenas as falas de Bolsonaro devem ter o sigilo levantado. A Procuradoria-Geral da República pediu que não seja divulgada a íntegra do conteúdo da reunião, mas só as falas do presidente relacionadas ao objeto da investigação — notadamente as relacionadas à atuação da Polícia Federal.

Já a defesa de Sergio Moro quer a divulgação ampla para amparar as acusações do ex-juiz federal conhecido por seus vazamentos seletivos e descumprimento à lei das escutas telefônicas. O decano da corte definiu inicialmente que o inquérito tramitaria com ampla publicidade, mas depois impôs sigilo temporário no caso específico da reunião. A gravação da reunião foi enviada à corte e transcrita.

Do ponto de vista político, uma grande curiosidade circunda a todos sobre o conteúdo das discussões na reunião. Segundo advogados, porém, é preciso ponderar o alcance e a repercussão que eventual levantamento de sigilo pode ter.

O constitucionalista Eduardo Mendonça explica que a regra geral é dar publicidade aos atos estatais, mas pondera que ela não abrange todas as reuniões. Ele detalha que a ampla divulgação não encontra precedentes em outros países, além de ser impossível pela natureza estratégica e sigilosa das discussões e dos dados.

“O que for pertinente ao objeto do inquérito deve ser tratado como prova e mantido no processo. Sendo prova do processo, a regra é a publicidade. Só poderia deixar de ser divulgado fundamentadamente, se houver falas entremeadas sobre temas que devam ser mantidos em sigilo por segurança nacional”, afirma.

Excepcionalidades

O que está posto é a justificativa do sigilo em relação a temas não relacionados ao inquérito. E uma das principais motivações para essa excepcionalidade é o conteúdo da reunião, que poderia revelar algum segredo de Estado, causar incidentes diplomáticos ou ainda colocar em risco a segurança nacional.

Mas não é o caso, segundo um dos interessados na divulgação integral do conteúdo, Sergio Moro. Segundo o ex-ministro, o fato de alguns ministros terem feito declarações potencialmente ofensivas não justifica a manutenção do sigilo.

Mesmo diante da possibilidade de ter informações sensíveis, chamou a atenção do criminalista Welington Arruda que o Planalto defenda a divulgação de parte do diálogo entre o presidente e Moro. “Quem garante que durante a reunião, como um todo, não houve manifestação do chefe do Executivo no sentido de interferir na PF, tal qual acusou o ex-ministro, em outros diálogos, que não com Moro?”, questiona.

Segundo o advogado, a reunião faz parte de uma investigação e a lei define que ela precisa ser pública, com exceção de “motivos que garantam o sigilo das informações e de documentos, ou vedar sua publicidade, a fim de evitar dissabores políticos que virão do Planalto”.

Direitos balanceados

A constitucionalista Vera Chemim analisa que o cenário das gravações sobre as tratativas entre agentes públicos remetem inevitavelmente aos princípios constitucionais.

Ela ressalva que os direitos fundamentais individuais não são absolutos e aponta que as informações gravadas dizem respeito à função pública exercida por pessoas físicas. Neste contexto, diz, o artigo 21 do Código Civil prevê o direito à privacidade a pessoa natural e não a função pública de um agente público.

“Portanto, a ‘pessoa natural’ tem direito à vida privada mas, os atos dos agentes públicos, ou seja, as funções públicas exercidas por eles são de ‘interesse público’ e devem ser divulgadas, prevalecendo incondicionalmente sobre o seu direito à privacidade enquanto ‘pessoa natural’, ainda mais num contexto permeado de indícios que permitem deduzir que se está diante de ‘desvios de finalidade’ na condução da Administração Pública”, explica.

Diario do Centro do Mundo

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