“Dizer que morte de Bruno e Dom é ‘efeito colateral’ é leviano”, diz eurodeputada francesa ao DCM

Atualizado em 25 de junho de 2022 às 12:15
Rivasi
Michele Rivasi em reunião na última semana com representantes da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e europarlamentares.

As declarações de Mourão em que considera as mortes de Bruno e Dom como “efeitos colaterais” provocaram reações internacionais em reprovação à postura do governo. Em entrevista ao DCM, a eurodeputada francesa Michèle Rivasi afirmou que a declaração é insolente. “‘Efeito colateral’ é uma posição leviana”.

Para a ecologista, os assassinatos traduzem o clima atual no Brasil. “Todas as pessoas que questionam, que querem saber, são eliminadas”. Na visão da parlamentar, a insegurança na Amazônia é provocada, violência que ela atribui ao presidente brasileiro. “É uma política criminosa do ponto de vista da biodiversidade e do Estado de Direito.”

Referência para povos indígenas na Comissão de Desenvolvimento do Parlamento Europeu, ela viajará ao Brasil nos próximos meses. Além de povos indígenas, ela deve encontrar congressistas e outros políticos brasileiros, universitários, empresários e ativistas a fim de formar um grupo de trabalho sobre os efeitos do comércio na degradação ambiental no Brasil. Ela aguarda, no entanto, o resultado das eleições.

De antemão, um grupo está vetado de qualquer colaboração. “Todo o grupo de Bolsonaro. Não podemos. Desde que eles chegaram ao poder, eles participam da degradação, do aumento da criminalidade, de ecocídios no Brasil. Essa gente, para nós, está vetada”.

A parlamentar francesa considera que as próximas eleições brasileiros serão de primeira importância. “É preciso reencontrar um regime respeitoso dos humanos e do planeta”.

DCM: Qual a sua reação aos assassinatos de Bruno Pereira e Dom Phillips?

Michèle Rivasi: Eu fiquei bastante chocada ao saber da morte desse jornalista e desse indigenista. Eram pessoas fazendo uma investigação sobre a situação dos povos indígenas. Mais uma vez são defensores que queriam testemunhar e foram mortos de modo selvagem. Isso corresponde ao clima que há neste momento no Brasil. Isto é, todas as pessoas que questionam, que querem saber são eliminadas. É uma política criminosa.

A senhora está afirmando que o governo Bolsonaro conduz uma política criminosa na Amazônia?

Sim. Isso dura há um certo tempo e eu diria que foi acelerado pelas declarações de Bolsonaro e pelo fato de que houve um agravamento do desmatamento, da invasão de terras, uma vontade política com um pacote de destruição que eles querem aprovar no Congresso para penalizar ainda mais os povos indígenas. É uma política criminosa do ponto de vista da biodiversidade e do Estado de Direito.

A reação do governo brasileiro, que disse por meio de seu vice-presidente que as mortes foram “efeitos colaterais”, lhe parece suficiente?

Em primeiro lugar, dizer que é “efeito colateral”, eu acho insolente. Deve-se disponibilizar os meios para que a polícia encontre os culpados. E não são culpados apenas os pescadores, mas os culpados que encomendaram esses crimes.

Por trás desses crimes, há geralmente multinacionais. Há frequentemente grupos de interesse. Se a raiz não for eliminada, haverá sempre afrontamentos como esse. “Efeito colateral” é uma posição leviana.

Isso além da declaração do presidente brasileiro de que os dois se lançaram numa “aventura” num lugar “perigoso”…

Parece-me que o Brasil é um país onde deve-se poder ir aonde se quiser. Nesse caso, isso significa que não se pode ir aonde se quiser. Há um problema de segurança e de insegurança desejado.

A senhora organiza uma viagem ao Brasil para compreender melhor a posição de diversas personalidades sobre o desmatamento, os direitos humanos e o comércio, em especial o acordo de livre-comércio entre a União Europeia e o Mercosul. Com quem a senhora vai se encontrar?

Queremos primeiro encontrar responsáveis pela tomada de decisões, universitários, empresas. Depois, vamos à Amazônia nos encontrar com povos indígenas e políticos e ver o nível de influência sobre a degradação da floresta, seja via o agronegócio, a mineração, a invasão de terras para plantar soja, para a pecuária.

Como haverá eleições nos próximos meses, é interessante saber dos políticos de diferentes partidos quais são suas posições, assim como as ONGs.

A senhora pretende construir futuras colaborações com congressistas brasileiros. Sob que forma?

Vou esperar primeiro o resultado das eleições para ver quem será eleito. Em relação ao acordo de livre-comércio com o Mercosul, vejo que há coisas que podem ser positivas e outras, negativas.

Então é preciso consultar todos os parceiros sobre a influência desse acordo sobre o Acordo de Paris, o estado da Amazônia e as pequenas e médias empresas para ver em que medida através da exportação de soja, de boi, mas também da extração de minas, o comércio tem uma influência sobre a degradação da biodiversidade, dos direitos humanos, etc.

A colaboração será feita em função dos eleitos. É uma boa coisa poder se encontrar e discutir sobre os grupos de trabalho que serão formados sobre o Mercosul. Todos os textos por meio dos quais nós possamos defender os povos indígenas são bons – o fato de que possam sancionar as pessoas que não respeitam seus direitos e os tratados internacionais.

Há possíveis pessoas eleitas com as quais a senhora não deseja trabalhar?

Sim, todo o grupo de Bolsonaro. Não podemos. Desde que eles chegaram ao poder, eles participam da degradação, do aumento da criminalidade, de ecocídios no Brasil. Essa gente, para nós, está vetada.

A senhora faz referência a todo o grupo ruralista.

Sim. Por outro lado, eu sou favorável a encontrar as empresas europeias. Não pode haver dois pesos e duas medidas. Eu vou citar o (grupo) Casino. Eles se atribuem uma boa imagem, mas compra o boi de uma empresa enormemente criticada por participar do desmatamento da Amazônia.

Enquanto eurodeputada, eu não tenho poder sobre uma empresa brasileira. Em relação às empresas europeias, eu sou favorável ao “name and shame”. Nós podemos identificar e denunciar na Europa o que elas fazem no Brasil.

A senhora é a eurodeputada de referência para os povos indígenas. Como a Europa reage às reivindicações dos povos indígenas?

Segundo diversos relatórios internacionais, 4% (5%) das populações indígenas gere 80% da biodiversidade do mundo. Afirmam que os povos indígenas são os guardiões da preservação da biodiversidade.

Os europeus são muito conscientes de que se os povos indígenas desaparecerem, a biodiversidade desaparecerá, de que haverá o desaparecimento de toda uma cultura muito importante para garantir o fato de que defendem ecossistemas e espaços onde todo mundo tem seu lugar.

A Europa é uma grande consumidora de produtos que colocam sob tensão as terras dos povos indígenas e da Amazônia. O acordo de livre-comércio negociado com o Mercosul não vai nessa direção?

Justamente. Não assinaremos esse acordo com o Mercosul enquanto não houver garantias de que os povos indígenas serão respeitados de que suas terras não serão invadidas ou que sejam forçados a migrar, seja pelo agribusiness, pela mineração, pela extração.

Não será apenas os negócios, o Acordo de Paris, será também cláusulas de respeito aos direitos humanos, principalmente dos povos indígenas.

O que é preciso para acabar com a explosão de violência na Amazônia e outros biomas do Brasil?

Em primeiro lugar, é preciso reencontrar um regime respeitoso dos humanos e do planeta. Por isso, as próximas eleições serão muito importantes. Não é o caso atualmente.

Em segundo lugar, é preciso para os negócios que agravam a deterioração do planeta. A Europa é dependente de proteínas que vêm do Brasil e de todos os países do Mercosul. Tudo isso não vai na direção certa.

Nós, ecologistas, defendemos trocas sóbrias, com uma soberania alimentar em qualquer lugar e que evitam os negócios pelos negócios. Se queremos proteger o planeta, precisamos proteger o ser vivo. Para proteger o ser vivo, é preciso ser mais sóbrio, evitar desperdícios e essa globalização a todo custo.