Dossiê contra servidores antifascistas revela novo SNI e volta de prática da ditadura, diz jornalista investigativa

Atualizado em 1 de agosto de 2020 às 21:21
Repressão na ditadura

Por Caique Lima

Na semana passada, foi revelado pelo UOL que um órgão do Ministério da Justiça montou uma ação sigilosa contra servidores “antifascistas”.

Pelo menos 579 servidores federais e estaduais de segurança e três professores universitários tiveram seus nomes e, em alguns casos, fotos e redes sociais, compilados em um dossiê pela SEOPI (Secretaria de Operações Integradas).

Em defesa da secretaria, o Ministério da Justiça disse que a atividade prestada não se trata de “investigação” e que “se direciona exclusivamente à prevenção de prática de ilícitos e à preservação da segurança das pessoas”:

“Não há nenhum procedimento instaurado contra qualquer pessoa específica no âmbito da SEOPI, muito menos com caráter penal ou policial. Não compete à SEOPI produzir ‘dossiê’ contra nenhum cidadão e nem mesmo instaurar procedimentos de cunho inquisitorial”.

No entanto, a reportagem do UOL afirma que o documento foi repassado a órgãos políticos e de segurança do país.

Alguns dos alvos da ação foram, inclusive, monitorados, e membros do “movimento de policiais antifascismo” relataram já haver retaliações.

Para Denise Assis, que é jornalista e pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade, a ação simboliza uma volta do Serviço Nacional de Inteligência (SNI), um órgão que apurava denúncias contra opositores da ditadura e encaminhava nomes ao DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) ou ao DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna).

“Essa pessoa [denunciada] era presa pela Polícia Civil, torturada, morta ou desaparecida”.

Ela conta que, à época, as informações eram coletadas pelo IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais), órgão cujas fichas e monitoramentos originaram o SNI, que fiscalizava a vida dos opositores no país.

Cerca de três mil dossiês foram produzidos com informações das principais lideranças políticas, sindicais e empresariais do país.

Para Denise, o fatos de a secretaria ser comandada por um policial civil e a Diretoria de Inteligência (Dint) ser comandada por um servidor de formação militar corroboram com a conclusão de que a secretaria é “um novo SNI”.

Denise ainda aponta que a SEOPI concretiza o que Bebianno chamou de “Abin paralela”:

“É um sistema paralelo de vigilância. Isso estava sendo arquitetado pelo Carlos Bolsonaro junto do General Heleno”.

Transparência

Até o início de 2020, as ações da SEOPI eram desenvolvidas por uma coordenadoria, mas, com um decreto de Bolsonaro, ela foi elevada ao status de secretaria.

A repartição é cercada de mistérios.

No portal do governo, suas atribuições não aparecem.

No Portal da Transparência, ao buscar por despesas e receitas o resultado é: “nenhum registro encontrado”.

Busca por receitas e despesas da secretaria não retorna nenhum resultado. Foto: Reprodução/Portal da Transparência

Na aba de notícias, a única que pode ser encontrada é o “ Edital nº 4/2020” que anuncia o resultado de um processo seletivo. A minuta? Inexiste.

Edital nº4 da Seopi. Foto: Reprodução

Denise conta que tentou encontrar mais detalhes acerca do edital no site. Sem sucesso, ligou para a assessoria da secretaria e foi pedido que ela solicitasse a informação por e-mail.

Até o momento, ela não obteve resposta.

“Eles são órgão obscuro dentro de um sistema que é muito perigoso, que é o sistema de informação. Se isso não é um SNI, é o quê?”.

“É um aparelho, que se for restabelecido, como aparenta ser, é muito poderoso e representa um perigo iminente para a democracia”, completa.

Consequências

Por conta da ação da secretaria, o ministro da Justiça, André Mendonça, já foi enquadrado pelo MPF e por parlamentares.

Existem atualmente três pedidos de convocação do ministro para que preste esclarecimento ao Congresso.

O MPF do Rio Grande do Sul abriu um procedimento para buscar informações sobre o dossiê.

Mendonça disse, nesta sexta (31), que soube da ação “pela imprensa”.

Todavia, o decreto 9662, diz que compete à secretaria “assessorar o Ministro de Estado nas atividades de inteligência e operações policiais, com foco na integração com os órgãos de segurança pública federais, estaduais, municipais e distrital”.

Denise Assis. Foto: Arquivo Pessoal

.x.x.x.x.

Denise Assis, que está lançando um livro sobre tortura no Brasil, será entrevistada na live do DCM Café da Manhã na próxima terça-feira, às 9h30.