Em sua primeira sentença da Lava Jato, juiz Eduardo Appio absolve empresário acusado de operar propinas

Atualizado em 20 de maio de 2023 às 20:05
Suspeito de operar o pagamento de propinas na Petrobras, o empresário Raul Schmidt foi alvo da Lava Jato desde março de 2016. Foto: Reprodução/YouTube/SBT

Publicado no Conjur

Na primeira sentença da “lava jato” desde que assumiu a 13ª Vara Federal de Curitiba, o juiz Eduardo Appio absolveu o empresário Raul Schmidt Felippe Júnior das acusações de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O julgador declarou a nulidade da quebra de sigilo bancário do réu, promovida pelo Ministério Público Federal sem autorização judicial. A decisão é deste sábado (20/5).

O MPF denunciou Schmidt pela operacionalização do pagamento de vantagens indevidas a funcionários da Petrobras para favorecer a contratação da empresa Vantage Drilling Corporation para afretamento do navio-sonda Titanium Explorer, ao custo de US$ 1,8 bilhão.

A defesa do empresário sustentou que a denúncia se baseou em dados bancários obtidos pelo MPF sem autorização judicial. Os advogados também argumentaram que não ficou provado que Schmidt praticou crimes.

Em sua decisão, Appio apontou que a quebra do sigilo bancário do réu foi ilegal, pois não houve decisão judicial autorizando o ato investigativo. E o fato de que as autoridades do principado de Mônaco encaminharam, de forma espontânea, os dados bancários do empresário “em nada elimina a necessidade de que o Ministério Público Federal tivesse requerido ao juiz da causa no Brasil essa medida”, disse o juiz.

 

Ninguém pode ser privado de seu patrimônio ou de sua liberdade sem a garantia do devido processo legal, afirmou o julgador. E cabe ao juiz zelar pela observância dos ritos de produção de prova, sob pena de proibição do uso dos materiais pela acusação.

“A absoluta falta de controle sobre os atos judiciais pode conduzir a uma verdadeira ruptura com o Estado Democrático de Direito, de maneira a converter o chamado ‘populismo judicial’ em um instrumento de potencial perseguição de determinados segmentos da sociedade, à revelia das eleições regulares. Este tipo de construção mental distópica não raro conduz a um modelo de jurisdição totalitária, prepotente e completamente avessa aos controles da própria sociedade”, opinou Appio.

Dessa maneira, destacou, o MPF não poderia ter usado os dados bancários de Schmidt para fundamentar a denúncia contra ele. E as provas obtidas de forma ilícita e ilegítima, ressaltou Appio, não poderiam ter sido convalidadas por posterior decisão judicial, do então juiz Sergio Moro.

“Não existem meios informais de cooperação judicial, ainda que os ilustres procuradores da força-tarefa do MPF na época dos fatos tenham se investido, de forma ilegal, em verdadeiros representantes do Estado brasileiro, naquilo que, pejorativamente, convencionou se chamar de ‘República de Curitiba’ (porque supostamente regida por códigos e interpretações casuístas)”, criticou o juiz.

Ele ainda apontou a ironia de os procuradores e juízes lavajatistas invocarem as mesmas garantias constitucionais que visavam derrubar ao se defender, hoje, de procedimentos administrativos e ações judiciais.

“A corrupção deve ser combatida sempre por todos os órgãos de Estado, revelando se como verdadeiro obstáculo ao crescimento do país. Todavia, faz se necessária a fiel observância das regras sobre imparcialidade do juízo, competência do juiz natural e, finalmente, legitimidade na produção de provas”, apontou Appio.

Declaração de impedimento

Em 2 de maio, o desembargador Loraci Flores, da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (PR, SC e RS), reconheceu seu impedimento para julgar Habeas Corpus em que a defesa de Raul Schmidt pedia a declaração de ilicitude do uso de seus dados bancários na denúncia.

O magistrado é irmão de Luciano Flores, delegado da Polícia Federal que atuou em investigações da “lava jato”. O delegado foi o responsável pela condução coercitiva e inquirição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e por grampear a ex-primeira-dama Marisa Letícia em conversas pessoais que acabaram divulgadas em jornais, a despeito de a prática ser proibida pela Lei 9.296/1996.

O fato de seu irmão, como delegado da PF, ter atuado na investigação de Schmidt na impede Loraci Flores de ser relator dos processos do caso no TRF-4, e o magistrado reconheceu isso em sua decisão.

Ele também já declarou o seu impedimento para atuar casos envolvendo o ex-ministro Antonio Palocci. “O Inquérito Policial 5054008-14.2015.4.04.7000, apontado nos como originário a tal ação penal, foi instaurado, de fato, pelo delegado de Polícia Federal Luciano Flores de Lima, com o objetivo de apurar possível ocorrência de delito de lavagem de dinheiro em relação à empresa Projeto Consultoria, pertencente a Antônio Palocci”, escreveu o magistrado na decisão.