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Enquanto Chile segue punindo militares, Brasil se recusa a falar em ditadura. Por Tiago Angelo

PUBLICADO NO BRASIL DE FATO

POR TIAGO ANGELO

O Itamaraty se calou nesta quarta-feira (11) ao ser questionado sobre o apoio do presidente Jair Bolsonaro às ditaduras da América-Latina durante uma sabatina que ocorreu na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra. A informação é do jornalista Jamil Chade, do portal UOL.

O gesto é simbólico, uma vez que este 11 de setembro é a data em que os chilenos relembram o 46º aniversário do golpe de Estado que derrubou o presidente Salvador Allende, instituindo, sob a liderança de Augusto Pinochet, uma das ditaduras mais sangrentas da região.

O país vizinho nos dá uma lição: enquanto o governo brasileiro optou pelo silêncio, a justiça de transição do Chile avançou nos últimos anos, julgando, condenando e prendendo militares responsáveis por prisões, torturas e assassinatos durante o regime de exceção que ocorreu no país entre 1973 e 1990.

O Estado brasileiro, por outro lado, segue preso pela prescrição dos crimes cometidos durante a ditadura, e pela Lei de Anistia (Lei nº 6.683), que perdoa as violações cometidas por agentes do Estado.

::Caso de militar réu por estupro abre precedente para punir crimes da ditadura::

O país teve a oportunidade de rever a norma quando o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 153), movida pela OAB. A entidade pedia que o Supremo anulasse o perdão concedido aos militares.

O STF decidiu, por 7 votos a 2, pela constitucionalidade da lei. Um novo pedido de revisão, por meio da ADPF 320, dessa vez de autoria do Psol, foi enviado ao STF em 2014.

Na contramão do Brasil, a Suprema Corte chilena estabeleceu, em 1998, que a Lei de Anistia não poderia ser aplicada aos casos de violações de direitos humanos. A medida permitiu que uma série de investigações anteriormente barradas pudessem ter prosseguimento. De lá para cá, centenas de militares foram condenados.

ONU

Nesta terça-feira (10), o Brasil já havia protagonizado uma cena inédita na ONU. Durante um evento organizado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Instituto Vladimir Herzog (IVH) com o objetivo de denunciar Bolsonaro por apologia à tortura e à ditadura, o Itamaraty se recusou a usar o termo “ditadura militar” e não reconheceu a existência de um golpe em 1964.

Considerada pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB, Hélio Leitão, como o “último prego” nas políticas de Memória, Verdade e Justiça, a postura brasileira também é carregada de simbolismo: foi a primeira vez que um gesto como este ocorreu em um fórum internacional desde a redemocratização.

Segundo o diretor-executivo do IVH, Rogerio Sottili, “a organização, em parceria com a OAB e outros grupos, preparou um documento denunciando o desmonte com relação aos direitos humanos e da Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, sobretudo após a demissão da presidenta, Eugênia Gonzaga”. A procuradora foi exonerada por Bolsonaro no início de agosto.

De acordo com Sottili, o diplomata que representou o Brasil no ato de terça-feira “estava tão constrangido em falar, que deve ter pedido para que nem mencionassem seu nome”. O diretor do IVH também explica que o fato do Brasil ter se calado é significativo. “O silêncio do Estado sobre essa questão é a resposta, de fato, de que não há nada para falar quando você tem um presidente que faz apologia à ditadura e à tortura”, afirma.

Edição: Rodrigo Chagas

Diario do Centro do Mundo

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