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Entre lágrimas: de Newtown a Yokohama

Tragédia e celebração: o que falta aos americanos é um pouco mais de “Vai Corinthians”

 

Go Yankees seria o equivalente ao Vai Corinthians. Seria mas não é, porque não acredito que haja entre os americanos, nos dias de hoje, um sentimento capaz de uni-los que não seja impulsionado pela guerra, e olhe lá.

Não vou nem falar em viajar para o outro lado do mundo motivado apenas pelo amor e não para lançar bombas. Vamos restringir a manifestação no próprio território.

Após o apito final da partida de domingo, corri para a Paulista comemorar com meus filhos e mais alguns milhares de irmãos que desconhecia. E assim ficamos por algumas horas, felizes. Não tenho conhecimento de que um time de beisebol ou de basquete ou do esporte qualquer da temporada seja capaz de fazer com que o rico e o pobre, o branco e o negro, o policial e o suspeito se abracem com tanta profusão e alegria levando ao fechamento da 5ª Avenida ou da Broadway. Se ocorrer, como ocorreu no passado, será com violência e quebra-quebra, algo que aqui não houve (vi em frente ao prédio da Gazeta um camarada se pendurar na cobertura do ponto de ônibus, que cedeu, e imediatamente meia-dúzia de corinthianos repararam o estrago. Juro). E como é contagiante abraçar e ser abraçado por um desconhecido, trocar sorrisos, piadas e slogans numa sensação de comunidade, de união. Mesmo que seja efêmero, pois isso só dura até o final das comemorações do título. Que seja. Pelo menos por alguns dias do ano isso ocorre.

Mas por que, sem esses eventos esporádicos, o ser humano torna-se tão individualista e neurótico a ponto de produzir um exterminador de criancinhas? Retirei um trecho de livro de ensaios do americano David Foster Wallace, autor em voga aqui no Brasil: “Uma das poucas coisas da infância que ainda me fazem falta é essa convicção bizarra, iludida porém inabalável, de que tudo ao meu redor existia única e exclusivamente para mim. Serei o único a ter possuído essa sensação profunda e estranha?” E mais: “Será que era insanidade? Era radicalmente egocêntrica, é claro, essa convicção e consideravelmente paranóica. Fora a responsabilidade que implicava (…)” Tenho certeza de que os brasileiros também estamos educando mal nossos filhos, tratando-os como reizinhos. Mas o que faz com que lá o resultado seja tão perverso? Wallace foi mais um americano a suicidar-se. Pelo menos não levou ninguém consigo, o que já é louvável. Esse traço me parece que começa a ficar gravado no DNA dos americanos e característica intrínseca ao povo. Assim como os italianos são tidos como passionais, os americanos são malucos. Enquanto eu chorava de alegria abraçado a meus filhos após a vitória de meu time no Japão, outros pais choravam a perda de suas crianças pelas armas de algum desses imbecis que os americanos são pródigos em produzir. Por que?

Quando criança, escutava à exaustão a provocação: “Quando o Corinthians for campeão, o mundo acabará”, bem então chegou a hora. Libertadores, Mundial, não falta mais nada para se vivenciar no mundo. Para nós corintianos seria o final feliz da história. Mas acabar por aqui seria ainda melhor para não precisarmos mais assistir a barbáries inexplicáveis de jovens americanos. Sempre após essas tragédias o que se ouve é que não se sabe a explicação, não se conhece o que motivou o assassino. Não encontramos explicações pois não existem, ainda bem. Se fosse explicável uma coisa dessas, ou seja, se fosse racionalizável algo tão insano, o mundo já teria acabado.

Bom, eu arrisco dizer que o que falta aos americanos é um pouco de Vai Corinthians. Não o Go Yankees estimulado por alto-falantes aos quais o público obedece mecanicamente desprovido de emoção, mas um grito por uma entidade que represente amor incondicional, fidelidade, cumplicidade, legitimidade de sentimento, filosofia de vida. Vai Corinthians não é apenas um grito de guerra, é um preceito tibetano. Tenho certeza de que o psicopata Adam Lanza não era corintiano. Só não acho conveniente que assimilem o mantra “Aqui tem um bando de loucos”, seria sarcástico demais.

Mauro Donato

Jornalista, escritor e fotógrafo nascido em São Paulo.

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