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Estadão acusa Bolsonaro de transformar o charlatanismo em política pública

Bolsonaro toma cloroquina em vídeo idiota

Do editorial do Estadão:

Pesquisa da Associação Paulista de Medicina mostra que 48,9% dos quase 2 mil profissionais de saúde entrevistados em todo o País disseram ter sofrido pressão de pacientes ou de parentes de internados para receitar remédios sem comprovação científica contra a covid-19. Os médicos também reclamam de intimidação nas redes sociais quando descartam o uso desses remédios, em especial da cloroquina, cuja eficácia no combate à pandemia já foi amplamente desqualificada. Há quem relate ter sofrido até ameaças de morte, como o presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Clóvis Arns.

Assim, como se não bastasse toda a pressão inerente ao enfrentamento da pandemia, que inclui o risco pessoal de contaminação, os médicos que lidam com milhares de doentes têm sido obrigados a encarar a hostilidade de pacientes e familiares que insistem em tratamentos que, ao contrário de salvar vidas, podem colocá-las em risco. É compreensível que pacientes e seus familiares tentem se agarrar a qualquer esperança ante a terrível perspectiva de sofrimento trazida pela pandemia – que só no Brasil já deixou quase 90 mil mortos.

Ninguém haverá de condenar quem, após o temido diagnóstico, exige dos médicos a aplicação de todos os tratamentos disponíveis, se houver a mais remota possibilidade de um deles salvar o paciente. Quando tudo o mais falta, resta a fé. O problema é que essa fé está sendo estimulada pelo governo federal, a começar pelo presidente Jair Bolsonaro, justamente a autoridade que deveria se empenhar mais em orientar a sociedade com dados realistas e cientificamente comprovados para combater a doença.

Quando um presidente da República – ouvido com atenção por toda a Nação pelo cargo que ocupa – insiste em fazer propaganda a respeito dos supostos efeitos benéficos da cloroquina contra a covid-19, mesmo depois que esse medicamento foi considerado ineficaz por vários estudos, reina uma perigosa confusão.(…) Como consequência disso, os médicos e as autoridades que decidem seguir a ciência e não o palpite presidencial são acusados de fazê-lo por oposição ao presidente e, no limite, porque esperam o agravamento da crise para prejudicar Bolsonaro. É o charlatanismo elevado à categoria de política de Estado para a área da saúde, o que complica sobremaneira o trabalho de quem deve lidar com a doença real, na linha de frente da longa batalha contra o coronavírus.

(…)