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Gilmar Mendes na Folha: “Não vamos resolver a impunidade judicial antecipando penas”

O ministro do STF, Gilmar Mendes, escreveu um artigo na Folha de S.Paulo nesta quarta (17) defendendo a instituição do habeas corpus na seção Tendências e Debates. Vale a leitura.

Os juízes têm uma relação paradoxal com a liberdade. De um lado, são defensores da ordem: apenas a ordem escrita e fundamentada de um juiz legitima que alguém seja mantido preso (artigo 5º, LXI, da Constituição). De outro, eles são defensores da liberdade: sempre que a lei admitir a liberdade, a obrigação do juiz é assegurá-la (art. 5º, LXVI, da Constituição).

O Brasil é um país violento e corrupto. A sociedade clama por reação, ainda que simbólica, especialmente em face de crimes de sangue e corrupção. Não é surpresa que as decisões que privilegiam a ordem, determinando o encarceramento, sejam bem vistas pelo público.

Por outro lado, decisões que afirmam a liberdade são impopulares. O juiz também é um membro da sociedade e, como tal, compartilha o sentimento coletivo. Ainda assim, ao determinar a prisão, deve seguir a lei à risca, evitando encarceramento além do necessário.

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Um dos projetos de lei elaborados pelo Ministério Público Federal na campanha intitulada “Dez Medidas contra a Corrupção” buscava justamente reduzir o poder dos tribunais para conceder habeas corpus. Felizmente, restou rejeitado pela Câmara dos Deputados.

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A inovação seria limitar os pedidos da defesa a apenas duas instâncias. Assim, contra decisões de primeira instância caberia habeas corpus ao Tribunal de Justiça e recurso ordinário ao Superior Tribunal de Justiça. O Supremo não poderia ser acionado.

Defendo que a ação de habeas corpus não pode ser limitada. O Brasil tem a terceira população carcerária do mundo, com 726.000 pessoas presas —quase o dobro do número de vagas. Cerca de 40% dos encarcerados não foram julgados em definitivo. Não vamos resolver a impunidade ou a morosidade judicial antecipando penas, muitas vezes injustamente, mas apenas criar novos problemas.

Os presídios servem como agências do crime organizado, verdadeiros escritórios de logística e de recursos humanos das organizações.

Nesse contexto, defender o habeas corpus é defender a liberdade individual, é defender a expectativa de civilidade para todos e cada um, mas também é defender a sociedade contra a propagação desenfreada do crime. A violência e a corrupção não podem ser combatidas fora da lei. A persecução dos criminosos sem o Estado de Direito apenas gera novos crimes.

Ministro Gilmar Mendes durante cerimônia de posse do advogado Carlos Bastide Horbach como ministro substituto do TSE na classe dos juristas.
Foto: Roberto Jayme/Ascom/TSE