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Inquérito sobre Dario Messer, o “doleiro dos doleiros”, investiga banco Safra

Banco Safra. Foto: Wikimedia Commons

De Allan de Abreu na Revista Piauí.

Entre policiais, procuradores e colegas de profissão, o empresário Dario Messer tem um epíteto curioso: o doleiro dos doleiros. Não é à toa. Em quinze anos, movimentou 100,4 milhões de dólares em operações ilícitas de dólar-cabo por meio das filiais do Banco Safra na Suíça, em Luxemburgo e nos Estados Unidos, mostram investigações do Ministério Público Federal do Rio. Por conta disso, os procuradores fluminenses instauraram nesta semana inquérito civil para apurar uma suposta violação, por parte do banco, das regras antilavagem de dinheiro no Brasil. Os procuradores também investigam se houve ato de corrupção empresarial da instituição bancária ao dificultar a fiscalização tanto do Banco Central quanto do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).

Com o inquérito, o MPF pretende avançar nas investigações sobre o megaesquema de lavagem de dinheiro de Messer no Brasil, que movimentou ilegalmente 1,6 bilhão de dólares por 3 mil offshores de 52 países entre 2008 e 2017. A maior parte desse dinheiro foi movimentado por meio de operações de dólar-cabo, em que o doleiro recebe valor em reais do cliente no Brasil e deposita quantia equivalente em dólares na conta desse cliente no exterior ou vice-versa. Essa operação é ilegal porque, diferentemente das vias oficiais, como contratos de câmbio via Banco Central, não há pagamento de impostos, muito menos a obrigatoriedade de se declarar a origem do recurso.

Tanto Messer quanto seus dois principais operadores, Claudio Barboza e Vinicius Claret, firmaram acordos de colaboração com o MPF do Rio após serem presos, entre 2017 e 2019, nas investigações do esquema de desvio de recursos públicos pelo ex-governador do Rio Sérgio Cabral. No acordo, os doleiros entregaram aos procuradores todo o seu sistema paralelo de compensação bancária, chamado Bankdrop: Messer, Barboza e Claret faziam o casamento entre operações de clientes que queriam enviar dinheiro ilícito para o exterior (no caso de políticos ou empresários que queriam sonegar tributos, por exemplo) e aqueles que desejavam trazer dólares não declarados para o Brasil, transformando-os em reais – nesse caso, os principais clientes eram as empreiteiras, como a Odebrecht. Para o MPF, os bancos são “partes essenciais e indispensáveis” nesse processo de lavagem de dinheiro.

A primeira consequência das delações de Barboza e Claret foi a deflagração da operação Câmbio, Desligo, em maio de 2018, com a prisão de 49 pessoas e posteriormente denúncia à Justiça Federal contra 62 doleiros que utilizaram os serviços de Messer – 27 deles também assinaram acordos de colaboração. Paralelamente, o MPF enviou pedidos de cooperação jurídica internacional aos países onde ocorreram as transações bancárias de Messer a fim de saber quem eram os beneficiários das contas abastecidas pelos doleiros.

Para os procuradores, a análise desse material “demonstra a absoluta falta de cuidado, por parte das instituições financeiras envolvidas, nos seus deveres de compliance, permitindo que redes de corrupção, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro operassem de maneira livre e à margem da lei”. As contas em nome de offshores, segundo o MPF, tinham sempre saldos elevados e possuíam títulos de capitalização e seguros de vida vinculados a elas com o objetivo de garantir lucros para os bancos, que em troca faziam vista grossa a essas contas suspeitas.

As três instituições bancárias mais utilizadas pelo esquema de Messer foram o HSBC, de Londres (373,1 milhões de dólares movimentados ilegalmente); o Hang Seng Bank, braço do HSBC em Hong Kong (127,4 milhões de dólares); e o brasileiro Safra, com 100,4 milhões de dólares. No caso do HSBC e do Hang Seng, porém, por terem sede no exterior, estão fora da jurisdição do MPF no Brasil. Já o Safra tem sede em São Paulo – é o sexto maior banco brasileiro, com 233 bilhões de reais em ativos.

Do total movimentado por Messer no Safra, 84,2 milhões de dólares ocorreram na filial suíça do banco, enquanto 12,2 milhões de dólares foram movimentados em Luxemburgo e 1,9 milhão nos Estados Unidos. Para o MPF, seria simples para o banco suspeitar dessas transações, uma vez que contas de compradores de dólares são alimentadas por muitas transações financeiras a partir de contas controladas por offshores (naturalmente suspeitas), enquanto contas de vendedores de dólares, por sua vez, fazem depósitos pulverizados em diversas contas sem relação entre si, já que as transações são controladas pelos doleiros.

Segundo o Ministério Público, das contas movimentadas por Messer na filial suíça do Safra, as principais estão em nome das offshores Mysen Equities S.A., aberta em 2008 (transações que somam 22 milhões de dólares), e Brookings Capital S.A., três anos mais velha (9,6 milhões de dólares). Documentos encaminhados pelo governo suíço via cooperação internacional apontam que as duas offshores eram controladas pelo empresário Samuel Klein, donos das Casas Bahia, uma das maiores redes varejistas do Brasil, e sua mulher Chana Klein – ambos já falecidos.

Segundo o MPF, as contas dessas duas offshores do casal Klein foram alimentadas por milhares de transações bancárias com as mais diversas origens. Entre elas, chama a atenção o depósito em 2008, na conta da Mysen, de 150 mil dólares oriundos de uma conta da offshore Klienfeld, que formava a quarta camada do esquema de pagamento de propinas da Odebrecht, segundo as investigações da Lava Jato e as delações dos próprios executivos da empreiteira. Uma transação “totalmente sem sentido”, de acordo com o MPF. Foi da Klienfeld, por exemplo, que saíram 3 milhões de dólares pagos pela empreiteira ao marqueteiro João Santana por serviços eleitorais ao PT, além de propinas aos ex-dirigentes da Petrobras Renato Duque, Jorge Zelada, Paulo Roberto Costa e Nestor Cerveró, todos alvos da Lava Jato.

“Se o Banco Safra tivesse questionado a transação, ou pedido explicações a respeito da origem dos recursos, nem a Odebrecht conseguiria ‘gerar reais em espécie’ no Brasil para pagar propina a agentes públicos nem o empresário [Samuel Klein] poderia enviar dinheiro não contabilizado para o exterior por meio do sistema paralelo de câmbio operado por doleiros”, escrevem os procuradores na portaria de instauração do inquérito a que a piauí teve acesso. A morte do casal Klein impede o MPF de investigar as offshores suíças no âmbito penal.

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