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Miriam Leitão reclama de celebração do golpe, mas só o de 64, não aquele que ela apoiou contra Dilma

Dilma Rousseff e Miriam Leitão. Foto: Wikimedia Commons/Reprodução/Globo

Da Coluna de Miriam Leitão no Globo.

O país passou o dia 31 de março cercado de fantasmas do passado, que o presidente convocou e aos quais vive agarrado. Assombrou a democracia com uma crise militar plantada num dia emblemático, quando todos viviam um momento dilacerante da pandemia. O Brasil não sabe mais onde enterrar seus mortos, o ministro da Saúde pede para se “racionar” o oxigênio, hospitais fecham emergências por incapacidade de atendimento e Jair Bolsonaro nos atormenta.

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Foi patética a apresentação dos novos comandantes. Toda a cena — na verdade, todo o episódio — lembrava os piores momentos da ditadura. O país não foi informado sobre o que levou o presidente a demitir o ministro da Defesa e os três comandantes das Forças. A democracia exige transparência dos atos do setor público. O general Braga Netto fez um discurso em cadência castrense, curto e ambíguo. Os três se perfilaram como na frente de um pelotão e saíram sem dar palavras. Toda a cerimônia durou 2 minutos e 30 segundos. Isso depois de uma Ordem do Dia cheia de mentiras sobre os fatos históricos.

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O que Bolsonaro quis com tudo isso? Ele criou esse estridente ruído no 31 de março, data que venera, deliberadamente. Os militares da ativa garantem aos seus interlocutores que as Forças Armadas continuarão evitando a politização nos quartéis. Mas, para Bolsonaro, não importa o que é, e sim o que parece ser. Ele quis dar a impressão de que pode fazer o que quiser com o “seu” Exército, “suas” Forças Armadas. Ele quer que acreditem que elas estão alinhadas a ele.

(…)

No discurso, Braga Netto disse que o dia era histórico. Segundo o ministro, as “Forças Armadas não faltaram no passado e não faltarão agora” e vão garantir “os poderes constitucionais e as liberdades democráticas”. Na Ordem do Dia, Braga Netto havia defendido “celebrar” o “movimento de 64”, que teria garantido “as liberdades democráticas que hoje desfrutamos”. Isso é mentira. Várias mentiras numa ordem só. A verdade: foi um golpe que gerou 21 anos de ditadura e a liberdade de hoje é resultado da luta contra aquele regime. A garantia dessa liberdade vem, claro, da Constituição, à qual as Forças Armadas estão submetidas. Em que democracia do mundo se permite que o governo mande celebrar um golpe militar? Quanta infâmia o país ainda vai tolerar?