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“O Judiciário foi usado como vingança e impediu que a democracia siga seu curso”, diz Lilia Schwarcz

A historiadora e antropóloga Lilia Schwarzc, em seu escritório. RENATO PARADA/DIVULGAÇÃO

Do El País:

O brasileiro é, antes de tudo, um autoritário. Depois de séculos escondendo-se por trás da ideia de de povo aberto, diverso, tolerante, pacífico e acolhedor —o conceito de “homem cordial”, cunhado pelo historiador Sérgio Buarque de Holanda em 1936, em Raízes do Brasil—, ele tirou a máscara da cordialidade e revelou-se abertamente intolerante. Essa é a tese do recém-lançado Sobre o Autoritarismo Brasileiro (Companhia das Letras), livro da historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz. Em um exercício de ir ao passado para pensar o presente, a autora destrincha as feições do autoritarismo à brasileira, que nasce na escravidão e nas mazelas do racismo e passa pelo patrimonialismo, violência, corrupção e pela desigualdade de gênero, resultando na polarização atual.

Schwarcz observa o autoritarismo presente já no nascimento da República Brasileira. “Os dois primeiros presidentes da nossa história foram militares que governaram em estado de sítio”, explica em seu escritório. A autora defende que essa cultura autoritária ganhou novos tons desde as manifestações de 2013 e do impeachment de Dilma Rousseff, que desencadearam uma grande crise sociopolítica. “Esses fatos destamparam o caldeirão da democracia. Valores que muitos brasileiros já tinham, mas se sentiam vexados de disseminar, começaram a aparecer e foram totalmente avalizados pelo atual governo”, diz ela. Foi precisamente a busca de razões que explicassem a eleição de Jair Bolsonaro que levou Schwarcz a escrever o livro.

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Já dizia o historiador José Murilo de Carvalho que “nossa República nunca foi republicana”. Schwarcz concorda com ele, ao lembrar que a res pública —a coisa pública ou o bem comum— deveria opor-se aos interesses privados. Mas, no Brasil, observa, nunca foi assim.  “O patrimonialismo é resultado da relação viciada que se estabelece entre a sociedade e o Estado. É o entendimento, equivocado, de que o Estado é bem pessoal, ‘patrimônio’ de quem detém o poder. O que vimos ocorrer desde domingo [9], com o vazamento de informações sobre Sergio Moro, se chama patrimonialismo. O uso do Judiciário para causas particulares, como forma de vingança e de impedimento à que a democracia siga seu curso”, afirma Schwarz.

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