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Reinaldo Azevedo sobre caso Ilona Szabó: “Moro suporta a humilhação de Bolsonaro porque quer muito mais”

De Reinaldão em seu blog.

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Moro está construindo a sua imagem. Ao mesmo tempo em que dá formatação jurídica à pauta bolsonarista, busca exercitar a sua independência — aquela que Bolsonaro lhe teria garantido. Bom de mídia, com muitas dezenas de porta-vozes espalhados pelas redações — alguns de uma sabujice constrangedora, a exercitar um tipo muito específico de corrupção: a da verdade! —, está convicto de que pode impor a versão que bem entender. E os seus adoradores hão de engolir. E alguns o fazem sem hesitação. Notem-se que, desta vez, ele errou nas hipóteses 1 e 2 de seu cálculo. Ele não conseguiu evidenciar a independência, e Ilona foi “desnomeada”. O ônus da intolerância ficou menos com Bolsonaro do que com ele próprio. Afinal, quem não tem independência para nomear uma simples conselheira de um órgão consultivo, cabe indagar, tem independência para quê? Em vez de um “bolsonarista civilizado no salão”, virou apenas um “clown” no festim da truculência. Mas agora vem a questão essencial: ELE NÃO LIGA. Ele tem objetivos maiores. Abordo a questão na minha coluna de hoje na Folha.

O ministro da Justiça e ex-juiz pode suportar a humilhação a que o submete Bolsonaro — e, reitero, é provável que Moro contasse com essa possibilidade; ele só calculou errado a reação da imprensa: achou que o presidente seria o ogro de plantão, não ele próprio, Moro, o “clown” de salão.

Os olhos do ministro estão voltados para o futuro, para 2022, e, para tanto, é preciso que ele domine o ciclo completo de captura de dados do conjunto dos brasileiros. Ele já domina boa parte do processamento do urânio das reputações alheias. Ao lhe dar o Coaf — que Bolsonaro só foi saber direito o que era quando Flávio, o Zero Um, foi surpreendido —, o presidente fez dele, já hoje, o homem mais poderoso da República. Sempre lembrando que a PF, o DRCI (Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional) e o comando, ainda que informal, de parte considerável do MPF já lhe conferiam mais poderes do que teve J. Edgar Hoover nos EUA. E com outra diferença em desfavor do lendário chefão do FBI: nunca teve a unanimidade da imprensa. O nosso tem.

Mas Moro quer o ciclo completo do processamento do urânio da reputação alheia, o que fará dele o dono da República, chefe de Bolsonaro e titereiro dos Três Poderes: ele quer nomear o futuro procurador-geral da República. E não há nada de teoria conspiratória aqui. A luta está em curso. Raquel Dodge está sendo massacrada pelos setores “moristas” do Ministério Público Federal. Daqui a pouco começam as matérias-lobby em favor da eleição da lista tríplice da ANPR — inconstitucional, diga-se. E, então, se tentará impor a Bolsonaro o procurador-geral da “catchiguria”, que será também o procurador-geral de Moro. Na minha coluna na Folha, lembro a mensagem de dona Rosângela Moro, no começo de fevereiro, no Instagram: “Já estou iniciando HOJE campanha para 2022. Vamos anotando no nosso caderninho #foraquemnãopensanobrasil”. Acho improvável que ela estivesse falando do marido de Michelle.

Moro aguenta a humilhação, suportando o contratempo do viés crítico da imprensa ao absurdo envolvendo Ilona Szabó, porque seus propósitos são bem maiores do que supõem o antibolsonarismo inocente e o bolsonarismo burro. Pessoalmente, ele está se lixando para quem compõe o tal conselho. Quem propõe as mudanças que ele propôs nos artigos 23 e 25 do Código Penal, que dizem respeito à legítima defesa, dá de ombros para o que ocorre dentro ou fora dos presídios. Seus olhos estão em outro lugar. O poder absoluto, e este lhe parece ao alcance das mãos, compensa até a assinatura de uma nota como a da “desnomeação” de Ilona. Raramente se viu algo tão pusilânime na vida pública. É simplesmente indecoroso.

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Reinaldo Azevedo. Foto: Reprodução/YouTube/TVFolha