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Traficante Nem da Rocinha: “quer o fim do tráfico? Legalize as drogas”

Texto de Gil Alessi no El País Brasil.

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A história de Nem – e da Rocinha – poderia ter sido diferente não fosse a ação de policiais corruptos. Com a morte de Lulu, em 2004, ele vislumbra uma saída do crime. “Eu cheguei a efetivamente sair do tráfico quando o Lulu morreu. Eu disse ‘bom, não tenho mais porque continuar nessa vida, já paguei minha dívida’. E saí. Eu tinha um carro que ia usar para trabalhar como taxista, esse era o meu plano, ia deixar toda essa vida pra trás”, afirma. Mas no Brasil as coisas não são tão simples assim. De acordo com ele, setores da polícia não viram com bons olhos sua saída: Nem era garantia de estabilidade na Rocinha e propinas vultuosas para os agentes corruptos. “Minha mãe foi ameaçada pela polícia. Foram até a casa dela. ‘Ou você volta [para o tráfico] ou vai acabar mal pra ela’, eles me disseram. Não tive opção, precisei reassumir as coisas”, conta. “Minha vida daria um filme”.

De dentro de sua cela abafada o ex-traficante ficou sabendo com atraso e sem muita surpresa da intervenção federal no Rio de Janeiro. “Não acho que vá dar em nada. Os problemas do Rio não se resolvem com Exército ou polícia”, diz. De acordo com ele, tropas federais já ocuparam parcialmente a Rocinha por duas vezes durante sua gestão na favela, sem nenhum resultado concreto. “Você acha que não tem corrupção no Exército? Eu me lembro que alguns militares falavam pros nossos soldados: ‘poxa, não fica com fuzil na rua não, esconde isso porque depois a gente leva bronca do sargento”, diverte-se. Para Nem a intervenção é “mais do mesmo”, apenas outra ação com “finalidade eleitoreira”.

“Você acha que os políticos não sabem como resolver o problema da violência?”

Ao falar sobre a situação do Rio, Nem fica em silêncio por um momento. Em seguida, dispara: “Você acha que os políticos não sabem como resolver o problema da violência?”. Em instantes responde à própria pergunta. “O problema é que eles sabem que não serão reeleitos se fizerem isso. Sabem que isso exige um investimento em educação e políticas sociais que não têm retorno na urna, no curto prazo, mas que é algo para o médio prazo, para daqui a dez ou 15 anos. A preocupação maior é o mandato, não é resolver nada”, desabafa. Para Nem, políticos de olho no voto apostam no velho discurso de enfrentamento, “de botar polícia na rua e endurecer penas”. “Mas está mais que provado que nada disso dá resultado. Nada disso funcionou até agora”.

Então qual seria a solução? A posição de Nem é pouco ortodoxa para alguém cujo negócio dependia justamente de um comércio ilegal: “Além de investir em educação, se você quer acabar com o tráfico você precisa legalizar as drogas. Quer tirar todo o poder do traficante? É só legalizar”, afirma, com uma ressalva. “Não adianta só legalizar. É preciso falar sobre isso nas escolas. Ensinar desde cedo o que é a droga. Não adianta falar apenas ‘droga é ruim’, ‘ não usa’. O jovem tem curiosidade com isso”, diz. Nem cita ainda as receitas que o Estado pode obter com a venda ou cobrança de impostos de um comércio legal de drogas como mais uma justificativa para a legalização.

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Ainda com a lembrança da partida de xadrez fresca na cabeça, Nem filosofa. “Quando eu estava na Rocinha as pessoas me viam como uma espécie de rei”, afirma. “Mas eu nunca me comportei como rei, sempre me considerei mais um peão mesmo, nunca quis saber de ostentar, andava na Rocinha de chinelo e camiseta do Flamengo, minha preocupação era ajudar as pessoas”, diz Nem. Ele pensa um pouco e completa: “Vira e mexe usava uma corrente, um relógio, mas nada caro”.

A metáfora do xadrez, com reis e peões, também permeia sua visão sobre a máquina do tráfico de drogas. Nem se considera, em certa medida, injustiçado. Apesar de admitir que “não é santo”, para ele as autoridades “com o apoio da grande mídia” usam o traficante “da favela, negro e pobre” como bode expiatório, quando na verdade ele seria apenas parte de uma engrenagem mais complexa. “E o helicoca? Quem foi preso? E o filho da desembargadora?”, questiona, referindo-se a dois episódios recentes ocorridos no país envolvendo traficantes brancos e de classe média. O primeiro foi a apreensão, em 2013, do helicóptero da família do senador Zezé Perrella (PDT), que é próximo de Aécio Neves (PSDB), no Espírito Santo com quase meia tonelada de cocaína. O segundo diz respeito à libertação (em tempo recorde) no final de 2017 de Breno Fernando Solon Borges, de 38 anos, filho de uma desembargadora que foi preso com 130 quilos de maconha e várias munições de uso restrito das forças armadas.

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