“Estamos escolhendo em qual sociedade queremos viver”, diz pastor Ed René Kivitz sobre a eleição

Atualizado em 15 de outubro de 2022 às 0:14

O Pastor Ed René Kivitz, da Igreja Batista da Água Branca, é um dos mais destacados nomes da ala progressista do mundo evangélico. Ele concedeu nesta quinta-feira (13) uma longa entrevista à Folha de S.Paulo na qual faz suas avaliações sobre a disputa entre civilização e barbárie. Confira trechos:

Folha: Por que estamos diante de marcos civilizatórios nesta eleição de 2022?

Pastor Ed René Kivitz: O bolsonarismo aparece como uma força de captura do antipetismo, mas se torna mais do que isso, porque se constrói a partir de críticas explícitas a conquistas de direitos civis.

Não estamos escolhendo apenas o tipo de governo que desejamos, mas em qual sociedade queremos viver. Os conservadores querem um Brasil em que hierarquias sejam mantidas, onde os brancos valem mais que os pretos, os homens mais que as mulheres, os ricos mais que os pobres, os heterossexuais mais que os homossexuais, o Sul mais que o Norte e Nordeste e assim por diante.

O bolsonarismo é a reação de uma sociedade conservadora para tentar brecar um forte processo de emancipação da mulher e de superação do racismo nas relações pessoais e nas estruturas sociais. O conservadorismo considera degeneração social essa sociedade plural, horizontal, igualitária e libertária. (…)

Como enxerga essa agenda moral em defesa da família e contra gays puxada por pastores?

O fanatismo tem três grandes características que afrontam o espírito do Evangelho. A primeira é a interpretação literal dos textos sagrados. Isso é um problema gravíssimo, porque o Evangelho é uma nova consciência. Não é uma nova moral, no sentido em que ela não tem uma legislação. Quando interpreto o texto sagrado literalmente, eu caio num legalismo que, levado ao extremo, me faz apedrejar pessoas.

O fundamentalismo fere o espírito do Evangelho também por tentar impor a parte para o todo. A minha fé, meu código moral, minha opção existencial tem que valer para você. Não quero saber quem é você, se acredita no que acredito. Ou concorda comigo ou está no engano, na maldade, nas trevas. A experiência religiosa só é legítima quando é resultado de uma escolha, nunca quando é imposta.

O fundamentalismo fere ainda o Evangelho por sua índole violenta. Trata o discordante, o divergente, o diferente como inimigo, uma ameaça ao meu sistema de valores, crenças e sociedade. Então, tem de ser eliminado.

A igreja evangélica hoje, na sua face hegemônica, é de índole fundamentalista. É literalista, legalista, excludente, violenta e impositiva. (…)

Michelle Bolsonaro ganhou protagonismo como primeira-dama evangélica. Como avalia o uso do púlpito para fins eleitorais? 

O uso do púlpito como recurso de campanha é uma traição às duas instâncias: do estado democrático de direito e da igreja. Quando alguém do púlpito, que é o lugar da representatividade divina, faz campanha eleitoral, não se sabe se aquela pessoa é da confiança de Deus ou do imperador. Isso degenera o discurso religioso.

Também é uma traição ao espírito do estado de direito porque quando se associa a figura do presidente a uma unção divina, você dá a ele um poder absoluto. Quem fala em nome de Deus ou está lá porque Deus ungiu não pode ser questionado nem substituído. (…)

Um sermão seu durante a pandemia foi fortemente contestado. O senhor continua defendendo que a Bíblia deve ser atualizada?

Eu disse que a Bíblia precisava ser atualizada sob pena de continuarmos, em nome de Deus, praticando violências e injustiças de gênero, de raça e de classe social. Eu não disse que a Bíblia precisava ser reescrita. Disse que precisava ser lida com inteligência para que a sua verdade perene fosse aplicada de maneira relevante no mundo contemporâneo.

Sofri cancelamentos e um ataque violento desse tal assassinato de reputação. A Ordem dos Pastores Batistas do Brasil estabeleceu um processo disciplinar contra mim. Fui expulso embora tivesse apresentado minha defesa e um número incontável de pastores batistas expressassem concordância para comigo. Um ato que reputo como arbitrário e sem representatividade, mas com legitimidade institucional. (…)

O senhor declara seu voto?

Nunca declarei. Sempre defendi que meu papel pastoral tem a ver com a crítica social e política dentro de uma pauta de valores. Quando opto por uma candidatura, no púlpito ou fora, eu me comprometo. O que fiz até agora é tentar mostrar as incoerências e contradições do bolsonarismo para com o espírito do Evangelho. Cheguei até aí.(…)

Que Brasil espera emergir das urnas? 

A minha esperança é que a democracia seja salva. E no meu entendimento, a derrota de Bolsonaro e a eleição de Lula é o único caminho para que isso se realize. Se o presidente for reeleito, com esse Congresso conservador e maioria no Senado e na Câmara, ele tem os recursos nas mãos para subversão do estado democrático de direito. É o golpe dentro da democracia.

As pessoas me dizem: “Ah, você é a favor de ladrão? É abortista, gayzista, quer liberar maconha, transformar o Brasil numa Venezuela?”. Eu respondo: Não estou discutindo isso agora. Acho isso tudo falacioso, preconceituoso, mentiroso.

Estou discutindo democracia, o sistema que protege as minorias. É isso que vejo em risco, inclusive com força militar, paramilitar e miliciana armada. Na cabeça do presidente e de seus seguidores, democracia é o governo da maioria. Eles dizem: Ou a minoria se adequa ou procura outro lugar para viver. Isso não é democracia, é totalitarismo.

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