Exclusivo: a tragédia de João Marciano, inocente preso aos 27 por ordem de Moro, arruinado e morto

João Marciano Odppis foi vítima de uma prisão injusta

Atualizado em 18 de julho de 2023 às 12:21
Imagem de João Marciano Odppis cedida pela família da ex-mulher de Saliba ao DCM
João Marciano Odppis, em foto cedida por sua irmã ao DCM (arquivo pessoal)

A Operação Lava Jato havia começado há um ano e meio quando um homem de 38 anos morreu sozinho no seu apartamento em Curitiba.

João Marciano Odppis foi preso preventivamente por Sergio Moro. Mais tarde, seria absolvido em todas as instâncias do Poder Judiciário. Nunca se recuperou. O episódio foi para ele uma sentença de morte lenta.

Em 15 de fevereiro de 2005, ele foi um dos alvos da Operação Big Brother da PF, autorizada e acompanhada por Moro. Um desafeto do então juiz era outro dos atingidos: o advogado que atuava no Paraná e em Brasília, Michel Saliba, presidente da OAB/Curitiba na ocasião.

(Saliba, mais tarde, acabaria sendo um dos advogados que ajudaram a cassar o mandato de Deltan Dallagnol, representando o pedido do PMN e realizando sustentação oral no julgamento do TSE).

Odppis, que era contador, trabalhava com Saliba em seu escritório. Era seu cunhado. No pedido de prisão, ele foi descrito como técnico em informática, função que nunca exerceu na vida.

A Operação Big Brother é considerada um fiasco na carreira de Sergio Moro. Foram mobilizadas centenas de policiais federais para desencadear uma ação que teve como alvos cinco réus primários.

O suposto caso de corrupção na Eletrobrás envolvia, além de Saliba e João Marciano, os advogados Sílvio Carlos Cavagnari, João Bosco de Souza Coutinho, José Lagana. As buscas nas casas foram gravadas e vazadas no mesmo dia para o Jornal Nacional.

Trinta e quatro dias depois, Sergio Moro se afastou do caso. Os autos demonstram que ele forçou uma competência que não tinha.

O apelido era uma brincadeira com as iniciais do Banco do Brasil, o “irmãozão” que, segundo a PF, “deu” milhões de reais a uma suposta quadrilha. Grampos telefônicos foram usados por pelo menos seis meses.

O Ministério Público denunciou a prática de “estelionato judicial”, tipo penal criado no ato do oferecimento da denúncia.

Uma quadrilha foi supostamente montada para falsificar liminares para sacar, junto ao BB, títulos emitidos pela Petrobras e pela Eletrobras. A operação nasceu da investigação acerca da tentativa de obtenção de decisão judicial para a liberação de R$ 90 milhões, em títulos emitidos pela estatal de energia, sendo que nenhuma decisão judicial e saque foram comprovados no processo.

No curso do processo, restou provado que os títulos eram verdadeiros e que as decisões judiciais de fato não foram tomadas. Os acusados permaneceram na cadeia. Moro não revogou a prisão, o que qualquer juiz que conhece a lei e age de boa fé faria.

Ele manteve as prisões em um feriado de Páscoa, com o caso sendo remetido à 1ª Vara Criminal de Curitiba (Moro ocupava a 2ª), cuja juíza, Anne Karine Amador, era considerada uma “pré-Gabriela Hardt” por seguir os passos do então juiz.

Sergio Moro com expressão de espanto
O ex-juiz Sergio Moro. Foto: Agência Brasil

“Disse para minha então mulher: caí como avião em pane seca, mas isso não vai dar em nada, pois não há crime. Não tem nada de errado aqui. Estão me pegando por outra razão, querem que eu fale sobre o que pensam que sei do [Roberto] Bertholdo e dos meus clientes de Brasília”, diz Saliba ao DCM.

“Falei na época: o João Marciano, seu irmão, está sendo preso, pois querem que ele deponha sobre qualquer coisa que me atinja. Qualquer coisa que fale terá credibilidade porque, além de trabalhar comigo, é meu cunhado e o tenho como um irmão mais novo”.

As prisões ocorreram para a obtenção de delações premiadas. Todos foram para a carceragem do antigo prédio da Polícia Federal, na rua Ubaldino do Amaral, perto do estádio do Coritiba.

Prisão sem crime

A antiga sede da PF da capital do Paraná funcionava em um prédio antigo, do final da década de 1960. A carceragem ficava no subsolo, em uma espécie de porão, “pior do que um esgoto”, diz um ex-detento ao DCM.

Não era possível saber quando era dia ou noite. João ficou em uma cela ao lado da dos advogados. A estratégia de isolá-lo ficou clara desde o início.

Saliba e os advogados foram encarcerados numa terça-feira, e transferidos da PF em uma sexta. João Marciano ficou o final de semana, aumentando as suspeitas de pressão por uma delação premiada.

Os advogados foram levados ao (hoje extinto) Centro de Operações e Triagem, o COT, de Curitiba. João Marciano dividia a cela com criminosos de alta periculosidade.

Como se tratava de um centro de triagem para encaminhamento a outros presídios, era comum se ver diariamente presos que chegavam doentes — pneumonia, tuberculose e outras moléstias.

Moro, nos bastidores, pressionou junto ao Juízo de Execução Penal para transferir João Marciano do COT. O administrador foi transferido para um presídio similar às penitenciárias americanas. Mesmo em preventiva, teve os cabelos raspados e foi obrigado a vestir um macacão laranja como um interno com condenação definitiva.

“Eu não sei de nada, só trabalho no escritório”, dizia ele aos investigadores e procuradores próximos de Moro na Justiça Federal.

Tinha 27 anos e lhe perguntavam sobre seus ganhos e se havia dinheiro por fora. Queriam que ele entregasse nomes de políticos e quem estava por trás da “quadrilha”.

Em 5 de abril de 2005 o TRF-4 mandou soltar todos. João passara 49 dias no cárcere.

Soltura e Morte

Ao sair, ele estava noivo e sua mulher pediu que não trabalhasse mais no escritório do cunhado, ameaçando terminar o relacionamento. Ele saiu do trabalho, se distanciou de Saliba e da irmã mais velha, que amava e que lhe dava suporte, por receio de ser preso.

Separou-se depois de três anos. A depressão o pegou de jeito. Emagrecia e depois voltava a ganhar muito peso, além de ter desenvolvido alcoolismo.

Começou a tomar medicamentos e fez uma cirurgia bariátrica que acabou agravando seu vício em álcool.

Trocou o escritório de advocacia pela administração de uma fazenda da família da sua mulher.

João nunca mais voltou à normalidade. Vivia com medo de ser preso novamente. Teve outro relacionamento, que não durou muito tempo. Fez negócios no ramo imobiliário, conseguiu se acertar financeiramente, mas a alegria se foi.

Desenvolveu síndrome do pânico. Um ano depois do início da Lava Jato, confidenciou aos amigos que ver diariamente a imagem de Moro sendo glorificado na imprensa o transtornava por saber dos métodos dele.

A família tentou, mais de uma vez,  interná-lo em clínicas para reabilitação de alcoólatras, mas ele nunca aceitou a sua condição.

Morreu sozinho em seu apartamento em janeiro de 2016, ano dourado de Moro. João Marciano não pôde ver seu carrasco transformado em herói nacional. Havia se afogado no próprio vômito.

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