Exclusivo: Com medo, candidata usada em suposto esquema de laranjas do PSL desiste das eleições municipais

Atualizado em 21 de outubro de 2020 às 13:17
Candidato à presidência, Bolsonaro ajuda a divulgar candidatura de Cleuzenir Barbosa em 2018. Foto: Reprodução

Por Caique Lima

Cleuzenir Barbosa, candidata a deputada estadual em Minas Gerais pelo PSL em 2018 registrou sua candidatura no TSE neste ano, mas desistiu por “questões de segurança”. Nas últimas eleições, ela foi coagida por assessores do atual ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, no meio da campanha, a ser candidata laranja e foi ameaçada após se negar.

Neste ano, ela recebeu um convite do partido do vice-presidente, Hamilton Mourão, o PRTB (Partido Renovador Trabalhista Brasileiro). Ela seria candidata a vereadora, mas desistiu, no início deste mês, por medo de represálias.

A PF indiciou 11 pessoas no ano passado, entre elas Marcelo Álvaro Antônio, por falsidade ideológica eleitoral, apropriação indébita de recurso eleitoral e associação criminosa no suposto esquema de candidatas laranjas do PSL em Minas Gerais. Um assessor, um ex-assessor e um coordenador de campanha do ministro foram presos, os outros 8 seguem soltos.

Cleuzenir conversou com o DCM e afirma que não chegou a receber ameaças ou alguma pressão contra sua candidatura neste ano, mas prefere “não pagar para ver”:

“Eles estão livremente circulando pela minha cidade, pelas cidades vizinhas, por Brasília. O senhor Marcelo Álvaro Antônio anda por ali por Minas Gerais a apoiar candidatos à prefeitura. Bem, eu não ia pagar para ver, porque já vi várias pessoas sendo mortas, várias pessoas que fizeram denúncias graves e morreram”.

Página da candidatura de Cleuzenir no site do TSE. Foto: Reprodução

A ex-candidata se filiou ao partido neste ano e formalizou sua pré-candidatura, mas anunciou a desistência no início deste mês.

“Conversando com familiares, com pessoas de segurança, com minha advogada, nós achamos por bem fechar a candidatura”, disse.

Ela conta que tem lido diversas notícias acerca do assassinato de candidatos nas eleições e preferiu permanecer em Portugal com o filho, onde já reside há cerca dois anos.

“Eu temi muito pela minha vida”, diz Cleuzenir

Logo após as ameaças que sofreu por dar queixa do esquema, Cleuzenir, que é professora aposentada, teve de deixar o Brasil.

“Por conselho de advogados e amigos, achamos melhor vir para Portugal para salvaguardar minha vida”, conta ela.

Em 2018, Cleuzenir fez sua campanha normalmente até que foi pedido que ela depositasse dinheiro na conta de uma gráfica ligada a um dos assessores do ministro que jamais prestou serviço a ela.

“Entrei com muita vontade, achando que tudo aquilo era muito correto. Não entrei com o convite para ser uma candidata laranja. Quando chegaram até mim as propostas indecentes, indecorosas e criminosas, eu simplesmente disse ‘eu não faço isso’ e denunciei”.

À época das eleições, ela chegou a ter uma arma apontada para si por um dos assessores do ministro para devolver R$ 30 mil do fundo de campanha.

Cleuzenir deixou o país com diversos problemas de saúde causados por reumatismo e um filho com asperger. Ela conseguiu documentos para viver em Portugal e agora mora legalmente no país, mas conta que a ida tirou-lhe “completamente da comodidade”:

“Eu cheguei e foi como um recomeço… Um recomeço daqueles dos grandes. Fui amparada durante esse tempo pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras voltado para a linha do exílio. Não fui abandonada, fui acolhida por eles”.

Ela reclama, porém, da falta de assistência do governo brasileiro.

“Ninguém me perguntou nada, e eu achei de uma brutalidade sem igual”.

Até hoje, mesmo estando em outro continente, Cleuzenir teme por sua segurança.

Ela diz que tem medo até mesmo de contar sua história para outras pessoas, mesmo que o assunto tenha repercutido mundialmente.

“Vivo dizendo para o meu filho não publicar a localização dele. Se eu estou no Porto, por exemplo, digo que estou em Lisboa. Se estou em Lisboa, digo que estou no Porto, e assim vai”.

“Sinto muita revolta”, diz Cleuzenir sobre o presidente

A aposentada se diz ideologicamente alinhada com Bolsonaro, “não com a extrema-direita, mas uma direita organizada, que conversa, que negocia, que busca unir os povos. Este tipo de direita”.

Até hoje ela mantém uma foto sua ao lado do presidente estampada nas redes sociais, mas o critica por manter o ministro do Turismo, já indiciado, no governo:

“É como se você acreditasse muito em alguém desacreditando. Gostasse muito de alguém, mas estivesse muito aborrecida, muito decepcionada, mas isso não tira de mim o espírito de política”.

Nas eleições, ela e o ministro visitaram Bolsonaro em Brasília para receber apoio à campanha. À época candidato, ele gravou um vídeo com Cleuzenir:

Bolsonaro apresenta Cleuzenir Barbosa

Nossa Candidata a Deputada Estadual Cleuzenir Barbosa 17778, esteve com o nosso Presidenciável Jair Bolsonaro em Brasília, e o Mito tem uma mensagem para nós.Cleuzenir Barbosa número 17778. E atenção o Mito vem aí, em breve vou dizer a data. Compartilhe.

Posted by Cleuzenir Barbosa on Monday, September 3, 2018

No ano passado, Bolsonaro afirmou que a denúncia teve o objetivo de atingi-lo e o ministro não seria o alvo.

“A intenção não é atingir o ministro. Não sei se é culpado, se é inocente. Pelo que eu sei até o momento há um exagero no inquérito. Vamos aguardar o desenrolar do processo, mas há um exagero e a intenção não é o Marcelo. Em primeiro lugar sou eu, Bolsonaro, querem me rotular como corrupto ou como dono de laranjal”.

Cleuzenir nega e critica a fala do presidente:

“Quando é um denúncia de corrupção, cada um passa a mão na cabeça do outro porque todos estão atolados”.

Após estourar o escândalo, Bolsonaro deixou o PSL, mas sequer cogitou demitir Álvaro Antônio. Para Cleuzenir, esta “vista grossa” que o presidente faz ao manter o ministro no cargo é “como trabalhar ao lado da Flordelis”.

“Lamento que os senhores que fizeram isso continuem sentados na mesa de Jair Bolsonaro, andando pelo Congresso e por ministérios. A ministra Damares e o ministro da Justiça não se importam com esse caso que tanto maltratou as mulheres”.