Exclusivo: Desembargadora pressionou diretor do presídio até tirar o filho da cadeia. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 29 de janeiro de 2018 às 6:45
Breno sai da cadeia com a mãe, a desembargadora Tânia.

ESTA REPORTAGEM, PUBLICADA EM 27/09/2017, FOI FINANCIADA PELOS LEITORES, ATRAVÉS DO CROWDFUNDING, E ESTÁ REPUBLICADA AGORA, DEPOIS QUE O FANTÁSTICO, DA REDE GLOBO, QUATRO MESES DEPOIS DEU A MESMA NOTÍCIA, SEM OS DEVIDOS CRÉDITOS.

A desembargadora Tânia Garcia de Freitas Borges tinha a cópia de um habeas corpus quando retirou, pessoalmente, seu filho do Presídio de Segurança Média de Três Lagoas. Mas não é preciso ser especialista em Direito para concluir que a medida não bastava.

Preso em flagrante por transportar quase 130 quilos de maconha e muita munição, inclusive de arma de uso restrito, Breno tinha um segundo mandado de prisão preventiva a cumprir, este pela acusação de participar de uma organização criminosa ligada ao PCC.

Este segundo mandado nunca foi revogado, mas acabou prevalecendo o entendimento de que Breno deveria ir para uma clínica médica.

“O caso assume contornos de perplexidade, pois este Juízo, além de ter determinado a prisão preventiva de Breno, é também o corregedor das unidades prisionais da comarca. Não houve no dia e até a presente data nenhum pedido de revogação da prisão preventiva ou concessão de liberdade provisória nos autos da Operação Cerberus”, escreveu o juiz Rodrigo Pedrini Marcos, de Três Lagoas, em resposta a um pedido de informações do promotor Luciano Anecchini Lara Leite, da 8a. Promotoria de Justiça de Três Lagoas, que está investigando o caso.

Cérberus é o nome da operação da Polícia Federal que desarticulou a quadrilha da qual Breno fazia parte. Além de tráfico, a quadrilha é acusada de homicídio.

O juiz não usa essa palavra, mas dá a entender que a ação da desembargadora foi equivalente a um resgate de preso, já que desprovida de legalidade.

O diretor do presídio, Raul Augusto Aparecido Sá Ramalho, havia recebido ordem verbal do juiz Pedrini para não libertar Breno até que o Tribunal respondesse a uma consulta sobre a validade do habeas corpus para o segundo mandado de prisão preventiva — consulta que nunca foi respondida.

Mas a desembargadora pressionou o diretor do presídio, e ele pediu orientação ao órgão do governo do Estado responsável pelos presídios no Estado, a AGEPEN. A orientação foi para entregar o preso.

“Mesmo em se tratando de preso provisório, caso este magistrado não fosse consultado, quem poderia dar a última palavra sobre questões jurídicas seria o magistrado da comarca a que responde o acusado, mas não a procuradoria jurídica da AGEPEN”, afirmou.

A desembargadora Tânia é também presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), órgão que tem interface direta com os agentes políticos, e esse relacionamento, na opinião de agentes penitenciários de Três Lagoas, foi decisivo para a ordem da AGEPEN de liberar Breno.

Ao ver o filho da desembargadora sair sorrindo do presídio, outros presos ameaçaram fazer uma rebelião. Segundo o juiz, Tânia chegou ao presídio acompanhada de um policial civil armado e de outra pessoa.

“O policial pretendia ingressar armado dentro do estabelecimento prisional, tendo sido impedido pelos agentes penitenciários por normas de segurança”, registrou o juiz Pedrini.

“A soltura indevida do acusado Breno do Presídio de Segurança Média desta urbe causou apreensão e nervosismo aos agentes penitenciários que lá trabalham, além de insuflar negativamente a massa carcerária (…). Após intervenção deste magistrado e do sr. diretor do estabelecimento prisional, não houve quebra da disciplina dos presos.

Este mandado de prisão de Breno nunca foi revogado.

A retirada de Breno da prisão foi o coroamento de um esforço muito grande da desembargadora para tirar o filho da cadeia.

Quando foi preso, à uma da madrugada do dia 8 e abril, no quilômetro 141 da BR 262, em Água Clara, Breno telefonou para a mãe, ao fazer uso do direito de se comunicar com uma pessoa.

O funcionário dele, Cleiton Jean Saches Chaves, que dirigia o segundo carro com droga, telefonou para o próprio pai. Já a namorada de Breno, Isabela Vilalva Lima, em vez de telefonar para alguém da própria família, ligou também para a desembargadora.

Estavam presentes policiais rodoviários e policiais federais, na elaboração do flagrante na Delegacia da Polícia Federal em Três Lagoas, e eles não relatam pressão da desembargadora para abafar o caso.

O filho de Tânia foi defendido por uma equipe de advogados e Isabela e Cleiton, pelo escritório do irmão de Breno, Bruno.

Breno assumiu sozinho a responsabilidade pelo tráfico, e o irmão obteve uma liminar em habeas corpus para libertar Isabela com o argumento de que a namorada havia sido “ludibriada”por ele.

Enquanto o filho mais velho defendia Isabela e Cleiton, a desembargadora obtinha na justiça uma decisão que tornou Breno incapaz para a vida civil e, com isso, os advogados se prepararam para pedir a inimputabilidade dele, isto é, a impossibilidade de ser acusado.

Nesse processo de interdição, a desembargadora apresentou laudos médicos, um deles atestando o transtorno de borderline.Também apresentou a declaração de uma clínica para recuperação de alcoólatras e drogados em Santa Catarina, Estado onde Breno morou.

A declaração dá conta de que, em 2005, ele esteve internado lá, mas não concluiu o tratamento. Voltou a se internar em 2008 e concluiu o tratamento.

A juíza que atendeu ao pedido da desembargadora usa como um dos fundamentos de sua decisão de interditá-lo o tratamento não concluído nas duas vezes em que esteve internado. Não é isso o que diz a declaração.

Mas o processo muito rápido. Em dois meses, Tânia tinha a liminar na mão e, como curadora do filho, tentou atuar no processo.

A primeira providência foi pedir o sigilo dos autos, entre outras coisas alegou que a imprensa noticiava fatos que atingiam a imagem dela e da própria justiça do Estado, visto que Tânia responde pelo Tribunal Regional Eleitoral.

O Tribunal de Justiça decretou o sigilo, no processo do habeas corpus, mas a vara de Água Clara, não. Em princípio, os atos do poder público devem ser públicos, respondeu o juiz, Idail de Toni Filho.

Em seguida, a justiça pediu a internação de Breno em uma clínica particular.

“Na audiência de custódia, eu o interroguei e ele demonstrou lucidez”, disse o juiz, ao negar o pedido.

Além disso, o juiz consultou o presídio e se informou de que havia ala médica em Três Lagoas, inclusive com psiquiatra. Se quisesse, Breno poderia ser tratado lá.

A defesa entrou com um pedido de habeas corpus no Tribunal de Justiça. O desembargador Ruy Celso Barbosa Florence mandou o juiz autorizar a transferência de Breno para a clínica, mas a ordem não foi cumprida, porque havia outro mandado de prisão.

A defesa de Breno, sob orientação da mãe, insistiu e, de madrugada, outro desembargador, José Ale Ahmad Netto, reafirmou a decisão de soltar Breno.

Para agentes penitenciários de Três Lagoas, se Tânia esperasse pelo trâmite normal, talvez Breno não saísse da cadeia, já que o segundo mandado continuava (e continua) em vigor.

“Por isso, ela veio para cá. Ela forçou a saída dele”, afirmou. Na Polícia Federal, que considera a quadrilha de Breno uma das mais perigosas do Estado, a pressão da desembargadora não ficou sem resposta.

O Jeep Renegade, que Breno usava para puxar a carreta com tabletes de maconha escondidos, está registrado em nome da desembargadora.

Pela lei do tráfico, bens usados no comércio de drogas são perdidos, independentemente do proprietário ter consciência ou não do sua utilização.

Com base nessa lei, a Polícia Federal pediu à Justiça que o Jeep da desembargadora seja usado pelos policiais que combatem o narcotráfico.

O juiz ainda não respondeu ao pedido, mas deve atendê-lo.

Na semana passada, técnicos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) concluíram o levantamento dos dados sobre as decisões do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul relacionadas ao caso do filho da desembargadora.

É difícil aceitar que a interdição, o habeas corpus e a saída de Breno da cadeia tenham sido atos de rotina.

Alguma medida punitiva deve ser tomada. Mas nada que preocupe muito a desembargadora. No limite, antes de ser punida, ele se aposentaria, já que tem tempo para isso e um salário que, se acredita, seja algo em torno de R$ 100 mil.

Informações prestadas pelo juiz: mandado de prisão em vigor

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PS: Enquanto Breno passa uma temporada na clínica em Atibaia, interior do Estado, que tem um programa que incentiva internos a frequentar teatros e cinemas, Isabela, de 19 anos, voltou para a cadeia, e o desembargador Ruy Celso Barbosa Florence, o mesmo que atendeu ao filho da desembargadora, nem reconheceu um pedido de habeas corpus apresentado na semana passada. Já Cleiton também teve rejeitado uma medida de liberdade provisória. O processo contra Breno foi suspenso, como manda a lei em caso de incidente de insanidade mental. Já as ações contra Cleiton e Isabela seguem a pleno vapor e dificilmente escaparão de uma pena severa — pode passar de dez anos.

PS 2: Esta semana, Breno será examinado por dois peritos em São Paulo, nomeados pelo juiz. Se for considerado capaz, voltará a responder ao processo.