Exclusivo: Dossiê revela conta no Twitter usada pelo cérebro do gabinete do ódio. Por Pedro Zambarda

Atualizado em 14 de junho de 2020 às 12:54
Deputados Alexandre Frota e Filipe Barros. Foto: Wikimedia Commons/Flickr/PSDB

No dia 3 de maio de 2020, o Diário do Centro do Mundo recebeu por quatro diferentes fontes anônimas uma cópia de um documento de 115 páginas. Outra cópia foi encaminhada à CPMI das Fake News. O material traça a relação entre milicianos digitais e os filhos de Jair Bolsonaro, o que provaria o envolvimento direto destes com o chamado “gabinete do ódio”.

Um dos anexos, já publicado pelo DCM, exibe três fotografias de integrantes desse esquema com Eduardo Bolsonaro e o registro de um podcast com Carlos Bolsonaro. Fora isso, há detalhes sobre os veículos de comunicação que publicam fake news e as formas de financiamento dos milicianos.

Os integrantes do suposto esquema tentaram desqualificar a parte do material que já se tornou público, mas de uma forma que chamou atenção. No Twitter, Eduardo, o filho 03 do presidente, escreveu o seguinte:

“Dos mesmos produtores de GPS ideológico da Fôia [Folha de S.Paulo], black list do Estadão e blogueiros de crachá + competentes que Felipe Moura Brasil [reportagem da revista Crusoé], vem aí: a teia do Gabinete do Ódio. Quando olhei pela primeira vez, achei que fosse meme. Como um ser leva isso a sério? E o cara que fez isso, tão mongolão, esqueceu vários nomes”.

Em vez de desmentir a reportagem do DCM, Eduardo Bolsonaro resolveu tentar desqualificar o autor, chamando-o de “mongolão”. E completou, afirmando que o jornalista “esqueceu vários nomes” no esquema. Ou seja, as informações apuradas procedem.

E o deputado afirmou corretamente que faltam informações. O documento elaborado para a CPMI detalha mais elementos que merecem investigação.

Um deles é a influência de um perfil anônimo na atuação de um deputado em uma das sessões na Câmara. Ele estabelece a relação entre a conta “Let’s Dex” —  e o deputado federal Filipe Barros (PSL-PR) para um ataque direto contra Alexandre Frota.

Let’s Dex pode significar “Vamos para a direita”, numa expressão que mistura inglês e grego.

Quem é Let’s Dex?

Ao longo das 115 páginas do relatório, Let’s Dex aparece como a conta mais importante da rede de milicianos digitais no Twitter. Utiliza um avatar com uma imagem do ator Keanu Reeves e distribui ataques na rede social. Atualmente, com mais de mil mortes diárias na pandemia de coronavírus, faz campanha pela defesa do uso da cloroquina, que não tem eficácia comprovada contra a doença.

Mas ainda não se sabe quem é o ser de carne e osso por trás dessa conta. É o novo Pavão Misterioso, só que com vocação para a articulação política.

Dex desaparece do Twitter ocasionalmente. Por exemplo, parou de postar no dia 6 de maio, logo após a primeira publicação do DCM, e retornou no dia 22. Retornou para a rede com um discurso pró-armas e atacando o ex-ministro Sérgio Moro. Em seguida, passou a defender a cloroquina, mencionando outros membros da milícia.

A primeira reportagem do DCM apontou Dex como divulgador próximo da loja Wimperium.store, o sistema Speakup.top, a Radioup.top, Shockwaveradio.com.br e o site Desalarmista.com. A loja está associada ao militante Luiz Paulo Romanini, próximo de Evandro Pontes, da Rádio Shockwave. A identidade de Let’s Dex é aparentemente conhecida por Evandro e pelo dono do site Terça Livre, o olavista Allan dos Santos.

No dia 2 de fevereiro de 2020, Dex postou a seguinte thread (sequência de mensagens) no Twitter:

“Você usa a força do seu inimigo contra ele. É um princípio básico de diversas artes marciais. Se estamos presenciando um estado se contorcendo pra manter os seus longe da prisão e punir quem tenta prendê-los, como que temos conseguido deixar com que… tentem nos prender? A Lei 13.869 foi aprovada em setembro de 2019. É a absurda lei do ‘abuso de autoridade’. Aqui ela fala quem pode ser o autor do crime; destaque para ‘membros do poder legislativo’, ok? Tem cerca de 40 situações em que eles passam a punir, mas eu quero destacar essas três aqui.

Você possivelmente já entendeu aonde eu quero chegar, mas eu vou seguir desenhando. A situação tá familiar? Lembra de algo recente que se enquadra aí? Sim, é o encaixe perfeito. Significa que quem deu início a esse requerimento se enquadra em três condutas da lei de abuso de autoridade – a lei que fizeram pra se safar mas pode ser usada para o contrário. Mágico, né? Possivelmente todos que aprovaram esse pedido também se enquadram Até o relator que é responsável pelo julgamento e já deu esse tipo de opinião em rede social, antecipando sua inclinação julgadora: E sabe a punição para esse caso, segundo a lei anti abuso?”.

Dex então complementou os tuítes, direcionando para um deputado após falar sobre a possibilidade de perda de mandato:

“Isso mesmo, Frota. Temos uns 4 deputados da base do governo nessa CPI, cada um tendo 25 assessores. Essas cem pessoas precisam que eu mastigue mais alguma coisa ou tá bom assim? Quando vocês vão sair da porra das cordas e aprender a acuar os caras com as armas deles? ‘Ahn mas nós somos poucos’. Meu amigo, o PSOL com 10 deputados paralisa qualquer coisa no meio de 500. O PT tinha 3 senadores no impeachment da Dilma e encheu o saco. Vocês com 4 numa CPI era pra pintar e bordar. Obstruir, adiar, enrolar, judicializar, qualquer coisa. Vão acordar não? Vocês precisam da internet. O Carlos descobriu isso há dez anos e elegeu um presidente. Se vocês não defenderem isso, vocês tão fora. Se vocês não aniquilarem os seus inimigos com as armas deles, vocês vão perder. Reajam, arrombados”.

O que Dex quis dizer, numa sequência de 12 mensagens, é que a Lei 13.869, conhecida como “Lei de Abuso de Autoridade”, poderia ser utilizada para enquadrar membros da própria CPMI das Fake News. O perfil anônimo elenca três casos para tentar punir membros do Poder Legislativo: requisitar investigação sem indício de prática de crime, proceder à persecução penal sem justa causa e antecipar culpa por rede social.

Na mesma sequência de mensagens, Dex dá a entender que o relator da CPMI, o senador Ângelo Coronel do PSD, e o deputado federal Alexandre Frota do PSDB podem ser enquadrados nesses delitos por postagens no Twitter. E enfatiza que ambos podem perder o cargo político, ficando inabilitados por um período de até cinco anos.

O tempo de prisão, dentro da lei, varia de um até seis anos em regime fechado.

Let’s Dex reclama que os quatro deputados bolsonaristas do PSL na CPMI não seguem as orientações da milícia na internet.

O Carlos descobriu isso há dez anos e elegeu um presidente”, complementa.

Oito dias depois, um deputado seguiu suas instruções.

“O deputado Alexandre Frota protocolou esse requerimento”

Filipe Barros Baptista de Toledo Ribeiro, deputado federal nascido em Londrina, ligado ao movimento Direita Paraná, é membro da chamada Tropa de Choque de Bolsonaro e é velho conhecido do DCM. Ele frequentemente lembra do site nas sessões da CPMI e possui uma trajetória curiosa.

Com 28 anos, militou pelo MBL contra o aborto e a “ideologia de gênero”. Elegeu-se vereador por Londrina através do PRB, mesmo partido de Celso Russomanno. Trocou pelo PSL, surfou na onda Bolsonaro e tornou-se deputado federal.

Crítico do fundo partidário, Filipe Barros usou a verba para bancar camisetas fazendo propaganda com seu nome. Já foi obrigado pela Justiça a deletar um post chamando uma promotora de “desequilibrada”. Segundo uma reportagem do UOL de Vinícius Segalla e Aluri Rebello, Barros comanda grupos de WhatsApp de fake news dos bolsonaristas. O deputado também já atacou o ministro Celso de Mello, do STF, e tem irmão e cunhada empregados no ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, de Damares Alves

Filipe Barros postou no Twitter em 10 de fevereiro de 2020:

“Ei, Let’s Dex, amanhã farei um anúncio importante com base em tudo que você levantou”.

No dia seguinte, a CPMI recebeu o ex-funcionário da Yacows, Hans River do Rio Nascimento. Ele acusou, na comissão, a jornalista Patrícia Campos Mello da Folha de S.Paulo de oferecer sexo em troca de informações.

Quando a jornalista era atacada pela bancada formada por Eduardo Bolsonaro, Filipe Barros e Caroline De Toni, o deputado do Paraná se manifestou. Isso aparece em um vídeo três horas e 25 minutos da oitiva da CPMI. Barros fala em 2h30min da gravação. E diz:

“Algo me comoveu aqui, senador Ângelo Coronel. O senhor Hans River diz aqui que, depois da matéria de Patrícia Campos Mello, ele não consegue mais emprego, não consegue sequer dinheiro para comprar insulina, uma vez que ele é diabético. Na minha opinião, nós temos que convocar a jornalista Patrícia Campos Mello para estar aqui presente. É certo que o jornalismo é fundamental para a democracia. E justamente por ser fundamental é que o jornalista precisa arcar com suas responsabilidades, com seus deveres. O que o senhor Hans River narrou é, no mínimo, imoral da conduta de Patrícia Campos Mello”.

Hans interrompe a fala do deputado e diz que tem mais mensagens para atacar Patrícia. Então Filipe Barros diz que o “tiro saiu pela culatra”, porque Hans River teria sido convocado pelo PT para prejudicar Bolsonaro e ele atacou o próprio partido, e retoma a palavra:

“Essa CPI, e qualquer CPMI, tem poder de investigação. Isso está na nossa Constituição Federal, artigo 58, parágrafo terceiro, já foi decidido várias vezes pelo STF e está no nosso regimento. Ou seja, isso é um fato. Assim, da mesma forma que um delegado não pode abrir um inquérito sem justa causa, sem fato motivado, um parlamentar não pode usar essa CPMI para satisfação dos seus anseios particulares. Se não tiver justa causa, ou o fato não for motivado”.

Ele então pegou alguns documentos e prosseguiu:

“O caso concreto é o seguinte. O deputado Alexandre Frota protocolou na Polícia Federal e nesse requerimento que está em minhas mãos, pedindo a quebra de sigilo de alguns perfis que usam pseudônimos no Twitter. A Polícia Federal, como bem ressaltado pela nossa colega Caroline De Toni, respondeu ao deputado Alexandre Frota que não havia qualquer indício de crimes. Aquilo que o Frota juntou na Polícia Federal, o mesmo que ele juntou aqui, nessa comissão, era apenas um apanhado de inúmeras críticas que um perfil fez na internet, o que está longe de ser crime. O deputado Alexandre Frota, mesmo com a negativa da Polícia Federal, protocolou nessa comissão um requerimento pedindo a mesma coisa que pediu para a PF! Ou seja, a quebra de sigilo dos perfis no Twitter que são pseudônimos”.

Depois de defender parte da milícia digital, Barros acrescentou:

“Acontece, senhor presidente [da CPMI, Ângelo Coronel], que, no artigo 19 do nosso Código Civil, consta que pseudônimo adotado para atividades lícitas, como é o caso, goza da proteção que se dá o nome. Direitos de personalidade. O STF decidiu, no caso de um livro que se usava o pseudônimo Eduardo Cunha, a ministra Rosa Weber decidiu que podemos usar eles no nosso ordenamento jurídico (…). O Congresso aprovou a Lei 13.869 de abuso de autoridade. Votei contra, mas foi aprovado. No artigo segundo, ela diz que é válida para os membros do Poder Legislativo. A atuação do deputado Alexandre Frota nessa comissão nada mais é do que um abuso de autoridade”.

E completou:

“Porque se utiliza dessa comissão para impor suas vontades e seus anseios pessoais (…). O deputado Alexandre Frota, mesmo sabendo que esses perfis de Twitter não cometeram crimes, como disse a Polícia Federal, ele insiste na quebra de sigilo (…). Ele não queria ir na deep web, o objetivo de Alexandre Frota era perseguir quem o criticava na internet. No fundo esse é o objetivo dessa CPMI. Alguns deputados aqui fazem como o Frota e usam essa comissão para perseguir quem os critica na rede. Então quero deixar registrado que estamos formalizando uma representação para o procurador-geral da República solicitando que o deputado Alexandre Frota seja enquadrado na Lei de Abuso de Autoridade pelas condutas que narrei”.

Filipe Barros atacou Frota em resposta à aprovação do requerimento 300/2019, que pediu a quebra de sigilo de contas no Twitter. O deputado, dessa forma, estava agindo como um parlamentar de defesa do perfil Let’s Dex na CPMI, cumprindo as orientações que foram postadas na rede social contra o alvo pré-selecionado pela conta.

No dia 11 de março, Barros encaminhou uma queixa-crime contra Frota na PGR com base na Lei de Abuso de Autoridade. 

O caso segue sem conclusão até o momento da publicação desta reportagem.

Apagando posts e pistas

Evandro Pontes, nome importante nas milícias: Esconde foto e apaga posts. Medo? Foto: Reprodução/Twitter

Além de Let’s Dex, que possui sua identidade escondida do público, integrantes das milícias estão tentando apagar seus rastros. Depois da publicação da primeira reportagem do DCM, o professor de Direito Evandro Pontes apagou algumas indicações que o ligam com a Rádio Shockwave, um dos veículos de comunicação bolsonarista. Ele apagou muitas postagens, todas as do ano passado.

Só é possível ver tuítes seus do dia 15 de maio para frente. O resto foi removido. Sua foto foi ocultada, acompanhada pela descrição: “nada para ver aqui”.

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