A falta de noção de Marina Ruy Barbosa no mundo paralelo dos brancos. Por Nathalí Macedo

Atualizado em 31 de agosto de 2021 às 17:24
Marina Ruy Barbosa e a “representatividade ruiva”

Representatividade: uma palavra que era pouco ou nada pronunciada há menos de uma década, e que agora dá nome a uma das pautas mais populares dos movimentos identitários.

Uma pauta própria do movimento negro – precisamente das mulheres negras que, ao resgatarem a autoestima roubada pelo racismo estrutural, passaram a reinvindicar mais abertamente o direito de se verem representadas na mídia, no cinema, na publicidade, nas novelas, nos brinquedos, nas aulas de história.

Mais do que isso, reinvindicam que seus traços, sua cultura e sua ancestralidade deixem de ser folclore pros brancos, que seus cabelos deixem de ser associados a sujeira e descuido, que seus traços ancestrais não sejam apagados por intervenções estéticas.

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Quem não viveu o racismo na pele tende a considerar a representatividade uma pauta de menor importância.

Ou, pior do que isso, procura esvaziá-la ao se apropriar dela sem ao menos compreendê-la.

Parece ter sido o caso de Marina Ruy Barbosa – ruiva, rica e global – que compartilhou uma publicação no Instagram em que uma criança ruiva olhava devotada para a foto da atriz em um anúncio publicitário (de gente rica e global).

A legenda era: “Depois falam que representatividade não é importante.”

Marina Ruy Barbosa: “Depois falam que representatividade não é importante”

A privilegiada Marina Ruy Barbosa

Força, ícone.

O post compartilhado, na verdade, é uma cópia barata das publicações que circularam nas redes sociais de crianças negras admiradas com Maju Coutinho no horário nobre.

A pessoa que fez essa cópia mal armada – e a que compartilhou, assinando embaixo – não entendeu uma lição básica de semiótica: a força das imagens de crianças negras se sentindo representadas por Maju Coutinho está em seu significado para um povo em luta contra um racismo ainda selvagem.

Qual o significado de uma criança branca vendo outra branca em um anúncio publicitário – sabendo que todas as crianças brancas deste país cresceram cercadas de representatividade?

Nós somos o país mais negro fora da África. Não tem ruivo nessa bagaça (ou ao menos não enquanto grupo étnico). A geleia de caviar afeta os neurônios dessa gente?

É por isso – me perdoem os abastados – que rico, às vezes, me dá preguiça.

Marina Ruy Barbosa

Veja, não tem problema ser rico. O problema é que todo mundo ouve o que um rico está dizendo, faça ou não qualquer sentido.

E ouve ainda mais se o rico também for branco.

A consequência mais imediata disso é que o rico está sempre muito confortável pra falar sobre qualquer coisa, inclusive sobre uma pauta das mulheres negras, sem leitura, sem compreensão e sem o menor embasamento.

Representatividade ruiva

Falar em representatividade das pessoas ruivas no Brasil não faz o menor sentido por tantas razões que nem vale explicar: a vontade é só rir da vergonha parcelada no crédito.

Basta dizer que a representatividade, ao menos no Brasil, é uma pauta intrínseca ao movimento negro, por questões históricas, culturais, estruturais, decoloniais.

Mas Marina Ruy Barbosa não entenderia.

Ela não precisa entender.

Ela será ouvida, não importa que tipo de abobrinha esteja dizendo.

E é por isso que ela não precisa ler sobre algo antes de falar, mesmo sendo uma pessoa pública que deve a mínima responsabilidade aos tais fãs.

Ela pode simplesmente meter um “representatividade importa” como se isso dissesse respeito aos brancos e depois twittar um “ai, gente, tantas coisas mais importantes pra vocês se preocuparem” e tudo certo.

E nisso ela tem razão: tem muito mais coisa pra se preocupar do que a falta de noção de uma privilegiada, como por exemplo com o fato de negros ainda representarem 79% das pessoas assassinadas pela polícia, ou o fato de pessoas negras ainda serem hostilizadas por escolherem usar seus cabelos naturais, simplesmente porque para o discurso oficial esses cabelos são considerados feios, sujos, rebeldes.

Coisa mais importante pra se preocupar, no Brasil de 2021, é o que não falta.

E tem gente que ainda está preocupada – pasmem – em ser o centro das atenções até em pautas que não lhe dizem respeito.