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“Finocchio!” Como um bairro modesto de imigrantes italianos virou um point turístico

Você conhece a Rua Javari? Se não gosta de futebol, aposto que não. A Rua Javari fica na Mooca, em São Paulo, um dos bairros mais antigos da cidade, marcado principalmente pela imigração italiana. Não é charmoso, não é descolado, não é chique, não é… nada. Nada de especial. Originalmente, de operários, hoje de classe média. Mas tem uma coisa que falta a muitos pedaços: personalidade. Isso é difícil de traduzir. A Mooca não aparece em novela da Globo e nunca será cool ou hypada. Graças ao bom Dio. Seus moradores usam camisetas com os dizeres “Sou da Mooca”. E daí? Bom, daí que é melhor não mexer com eles. Porque eles são da Mooca.
Em uma capital como São Paulo, transbordante de modismos, a Mooca continua como sempre foi. Algumas das fábricas do início do século 20, que não foram derrubadas, passaram por restauração e viraram supermercados e outras coisas. Quem nasceu lá, orgulha-se disso (embora muitos tenham se mudado para lugares mais, digamos, ajardinados.) O fato é que aquele bairro esquisito virou uma atração turística, sem nenhuma campanha, nenhum reposicionamento de marca ou outra bobagem do tipo.
A torcida juventina: rumo a Tóquio
O principal motivo para isso foi um time. Todo sábado, às 15 horas, o Juventus, histórica equipe moquense, joga pela série A-3 do Campeonato Paulista. O nível técnico da partida não importa (sim, é baixo, mas quem gosta de futebol sabe que isso é apenas um detalhe). O que acontece ali, no entanto, é uma experiência fantástica. O estádio na Javari, chamado Conde Rodolpho Crespi, de 1948, está muito bem preservado. Uma estátua de Pelé celebra aquele que, na mitologia do rei, foi o seu gol mais bonito, numa vitória do Santos por 4 a 2. Pelé deu três chapéus dentro da área (o lance ficou ainda mais bonito por não ter sito registrado em câmera, ao contrário de grande parte das jogadas mágicas que ele fez). O ingresso custa 10 reais. O sorvete não é Kibon, mas La Friaca.
O único registro do gol que Pelé julga ser o mais bonito de sua carreira, no Juventus
No intervalo, seu Antonio, vendedor de canole de creme e de chocolate, alimenta os torcedores (“Leave the gun. Take the canolli”, dizia o mafioso Clemenza em O poderoso Chefão, segundo o especialista João Carlos, meu amigo). A torcida diminuta é um espetáculo. Parte dela se posiciona atrás da meta do goleiro adversário. Quando este toma distância para bater o tiro de meta, ela faz um coro: “Ooooo…” E assim que ele bate vem a finalização: “Filha da p..a!!” Um sábado qualquer, a partida teve de ser interrompida porque atiraram um objeto em um jogador. Uma pedra? Um pedaço de concreto? Não. Um canole de creme. O juiz entregou o doce ao sujeito que faz o relatório da partida. E vida que segue. Para os frequentadores que estavam ali, com bandeiras do Juventus e da Itália, nada demais. Para nós, turistas e pessoas interessadas no deus das pequenas coisas, um sinal de que nem tudo está perdido.  “Ma che cazzo! Finocchio!”

Jota Pinto Fernandes

Jota Pinto é autor do livro Confissões de Um Turista Profissional (Novo Contexto). Jota vai falar de suas viagens pelo mundo. Mineiro, fumante, heterossexual com uma escorregada em Paris nos anos de 1970. Ex-militante da organização terrorista Var-Palmares. Fundador, com Carlinhos de Jesus, da Academia de Dança Acadêmicos da Profilaxia. Reúne 253 destinos e alguns desatinos carimbados em seu passaporte. Casado em quintas núpcias com uma prima bem mais nova.

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